Os servidores das carreiras ambientais do país afirmam que as decisões do Ministério do Meio Ambiente sobre políticas públicas ou nomeações para cargos na atuação gestão são submetidas previamente ao aval do setor agrícola. A declaração consta na carta divulgada nesta sexta-feira (10) pela Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema Nacional) e pela Associação dos Servidores da Carreira de Especialistas em Meio Ambiente e do Plano Especial de Cargos do Meio Ambiente no Distrito Federal (Asibama-DF), entidades que representam os servidores das carreiras ambientais do país e do DF. O documento é uma resposta à nota oficial do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, divulgada no último dia 8 em nota oficial do ministério no último dia 8, comentando as críticas feitas por oito ex-ministros da pasta.
“Não é segredo também que, apesar de mantido o Ministério do Meio Ambiente, todas as decisões e cargos do MMA têm sido submetidos, previamente, à anuência do setor agrícola. A subserviência ao setor agrícola vem sendo sentida desde o período de transição governamental. Embora o novo governo tenha constituído uma equipe formal para o tema de meio ambiente, tal como consta no Diário Oficial da União, havia outra equipe atuando em paralelo”, argumentam os servidores no documento.
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Segundo alguns dos responsáveis pela nota, “setor agrícola” significa parte do agronegócio que quer expandir a produção para áreas públicas e de floresta a qualquer custo, assim como reduzir a reserva legal, área de vegetação natural que todo proprietário deve, por lei, manter preservada dentro de suas terras.
A nota dos servidores cita o relato feito pelo ex-ministro Edson Duarte, que estava à frente da pasta de Meio Ambiente nos últimos meses do governo Michel Temer, no encontro em que vários os ex-ministros da área criticaram a política ambiental adotada pela gestão Bolsonaro.
Edson Duarte disse que após a escolha de Salles para ocupar o ministério, no começo de dezembro de 2018, a troca de informações com a equipe de transição foi encerrada. “Fomos surpreendidos pelo ministro, que disse que não deveríamos passar nenhuma informação para grupo de transição porque eles estavam se afastando. Embora ele tenha se colocado à disposição para dialogar, uma transição seria fundamental e necessária. Seus secretários chegaram a se negar a pegar informações que preparamos, que ficou sob a mesa. Isso nunca aconteceu”, relatou.
Entre as alterações administrativas ocorridas, o Serviço Florestal Brasileiro, responsável pela preservação das florestas nativas, passou a integrar o Ministério da Agricultura e a Agência Nacional de Águas (ANA) foi transferida para o Ministério do Desenvolvido Regional. Para os servidores, política ambiental e política produtiva são reguladoras uma da outra e devem funcionar numa relação de peso e contrapeso, para gerar equilíbrio.
Uma das críticas feitas pelos ex-ministros é que o Ministério do Meio Ambiente hoje é apenas uma estrutura formal, já que suas principais responsabilidades foram transferidas para outros ministérios. Em sua resposta, Salles reafirmou a autonomia da pasta e disse que herdou uma estrutura marcada pelo abandono, sucateamento e má gestão de recursos financeiros. Ele também responsabilizou a criação de unidades de conservação por conflitos de terra pelo país.
De acordo com os servidores, a gestão de Ricardo Salles é a primeira a, diante da situação precária, investir no enfraquecimento ainda maior dos órgãos ambientais. “A precariedade de fato sempre existiu, mas não é possível superá-la pelo caminho do enfraquecimento das instituições públicas. Pela primeira vez na história, o ocupante da cadeira de ministro do MMA junta-se ao coro dos que pedem o enfraquecimento da estrutura ambiental para facilitar suas atividades… e o Ministro cumpre essa ‘missão’ em várias frentes, com destaque para sua defesa do ‘auto-licenciamento’ ambiental, para dar ‘celeridade’ a um processo que é uma conquista civilizatória do povo brasileiro, mas que para manter sua eficácia jamais poderá priorizar a celeridade em detrimento do rigor técnico”, destacam.
Veja abaixo a íntegra da carta divulgada pelos servidores.
RESPOSTA À NOTA DO MINISTRO DO MEIO AMBIENTE DE 8 DE MAIO
O dia 8 de maio de 2019 foi marcante para todos os que se preocupam com as questões ambientais no Brasil. De forma inédita, oito ex-ministros que já ocuparam a pasta do Meio Ambiente se reuniram para discutir o atual contexto da política ambiental brasileira. Trata-se de um grupo de autoridades de diferentes perfis técnicos e políticos, que serviram a governos de diversos matizes, desde o período dos governos militares.
Não há, assim, que se falar em uniformidade ideológica nesse grupo. A motivação do encontro foi, exclusivamente, a preocupação unânime dos ex-ministros quanto ao que está ocorrendo na área ambiental do atual governo. O nosso país é o detentor da maior diversidade biológica do planeta, a que se associam serviços ecossistêmicos cruciais à economia e à sociedade. No mínimo, convém ouvir as autoridades que já conduziram os rumos ambientais do país. Contudo, em vez acolher críticas e sugestões apresentadas pelo grupo de ex-ministros, o atual ocupante do cargo, imediatamente após a emissão do comunicado dos ex-ministros, apresentou, mais uma vez, uma resposta retórica, revestida de nota institucional. Embora detentor de cargo governamental, com o dever de distinguir o público do privado, o ministro vale-se de nota do Ministério para expor sua opinião pessoal.
A sua resposta, logo no início, diz que “não apenas o Ministério do Meio Ambiente manteve a sua autonomia como advogou, com sucesso, a permanência do Brasil no Acordo de Paris”. Quem acompanhou com atenção o roteiro que levou o atual governo a desistir da extinção do Ministério do Meio Ambiente (MMA), lembra-se que esse recuo se deveu ao receio de setores mais bem informados do agronegócio brasileiro, preocupados com as eventuais repercussões negativas que tal decisão implicaria para as exportações agropecuárias, assim como com os impactos futuros sobre os próprios processos produtivos. Foi nesse contexto, porém, que o atual titular do Ministério, atribuiu à questão da mudança do clima um caráter de “assunto da academia”, para logo em seguida retirá-lo das prioridades institucionais do Ministério. Extinguiu a secretaria que tratava do assunto e realizou um brutal corte no orçamento destinado às ações de combate e mitigação dos efeitos da mudança do clima. A reação nacional e internacional à extinção da Secretaria de Mudança do Clima foi tão evidente que não restou ao Ministro outra solução que não “acomodar”, em caráter informal, a antiga área de mudança do clima sob a recém criada Secretaria de Assuntos Internacionais. Para quem fala tanto em eficiência de gestão, não ficam bem arranjos de improviso como esse… Não é segredo também que, apesar de mantido o Ministério do Meio Ambiente, todas as decisões e cargos do MMA têm sido submetidos, previamente, à anuência do setor agrícola. A subserviência ao setor agrícola vem sendo sentida desde o período de transição governamental.
Embora o novo governo tenha constituído uma equipe formal para o tema de meio ambiente, tal
como consta no Diário Oficial da União, havia outra equipe atuando em paralelo. Com a equipe oficial houve diálogo e troca de informações entre as duas gestões. Contudo, a equipe oficial foi alijada do processo e, na última hora, o atual governo a substituiu por aquela que estava atuando em paralelo. Esta nova equipe, como foi mencionado pelo ex-Ministro Edson Duarte, sequer quis algum contato com os técnicos e dirigentes que saíam.
Ao responder aos ex-ministros, cujo trabalho somado vinha sendo reconhecido internacionalmente, o atual Ministro afirma que a transferência da Agência Nacional de Águas (ANA) para o Ministério do Desenvolvimento Regional objetiva “viabilizar a construção de políticas públicas e marcos regulatórios que permitam, finalmente, a universalização e a qualidade do saneamento no Brasil”. O saneamento é uma necessidade nacional e deve contar com investimentos. Contudo, a Lei das Águas estabelece que os usos múltiplos da água devem ser garantidos priorizando-se, em qualquer situação, a dessedentação humana e animal. Ao realocar a ANA, condicionando-a a um ministério de desenvolvimento, compromete-se o mandamento legal de garantia da quantidade e da qualidade da água para as atuais e futuras gerações. É um erro grave passar a delegação da outorga de água para um dos setores demandantes desse recurso natural. Trata-se de uma subversão do sistema de pesos e
contrapesos que garante o funcionamento adequado de uma democracia. É por isso que a ANA
sempre esteve e deveria continuar no MMA.
Exatamente pela mesma razão, causa indignação que o Serviço Florestal Brasileiro, que tem por finalidade a garantia da sustentabilidade na exploração manejada de recursos florestais, seja transferido do MMA para um ministério que tem por finalidade o fomento às atividades agropecuárias, que são, como demonstram os dados históricos desde que o País começou a monitorar o desmatamento, um setor responsável por grande parte das perdas florestais brasileiras. Mais uma vez, no afã de atender a um grupo reduzido de apoiadores, o governo prejudica a imagem do País e, como diz o ditado popular, “entrega a gestão do galinheiro à raposa”. Florestas nativas não são assunto para um ministério cuja função é fomentar a expansão da atividade agrícola. Também aqui, desrespeita-se o elementar princípio democrático dos pesos e contrapesos, com base em um discurso apelativo que desrespeita os mais de 50 anos de construção da estrutura ambiental brasileira e a memória de brasileiros que lutaram para que o patrimônio ambiental do país dispusesse de legítimos mecanismos de proteção, atualmente lastreados no Artigo 225 da Constituição Federal, como André Rebouças e Paulo Nogueira Neto, dentre tantos… Não para aí o esvaziamento da área ambiental, conduzido neste governo sob forte viés ideológico e sem diálogo. Por se tratar de um tema que envolve tanto a conservação da biodiversidade quanto a promoção da atividade econômica, a gestão dos recursos pesqueiros era anteriormente de responsabilidade conjunta do MMA e do setor de pesca e aquicultura. Agora está exclusivamente sob o comando do Ministério da Agricultura. Como fica a necessária conservação deste importante recurso natural, cada vez mais escasso e com várias espécies já extintas ou sob iminente risco de extinção? Na gestão da água, das florestas, dos recursos pesqueiros e da questão climática, o atual governo desconsidera e desconstrói os avanços de mais de cinco décadas da política ambiental brasileira, o que foi assertivamente lembrado na reunião de ex-ministros. Corremos o risco de ver a dilapidação do nosso inestimável patrimônio natural, de comprometer a viabilidade de atividades que dependem de recursos que poderiam ser providos infinitamente (se bem geridos) e de prejudicar a imagem e os negócios do País no exterior. Isso não é patriotismo.
O esvaziamento das competências do MMA foi “compensado” com a criação de uma Secretaria
de Ecoturismo, cuja atribuição já faz parte do rol das funções do Ministério do Turismo, gerando conflito de competência e colocando novamente em xeque o discurso da eficiência na gestão pública, sendo notório que tal improviso serviu para acomodação política. Para piorar o conflito de competências, é sabido que tramita em caráter secreto pelos gabinetes do MMA a decisão de transformar esta secretaria de ecoturismo numa Secretaria Especial, com status igual ou superior ao da secretaria executiva do ministério.
O Ministro prossegue em suas alegações, e usa a precariedade da infraestrutura dedicada à conservação da sociobiodiversidade como uma “prova” da ineficiência de “administrações anteriores”. A precariedade de fato sempre existiu, mas não é possível superá-la pelo caminho
do enfraquecimento das instituições públicas. Pela primeira vez na história, o ocupante da cadeira de ministro do MMA junta-se ao coro dos que pedem o enfraquecimento da estrutura ambiental para facilitar suas atividades… e o Ministro cumpre essa “missão” em várias frentes, com destaque para sua defesa do “auto-licenciamento” ambiental, para dar “celeridade” a um processo que é uma conquista civilizatória do povo brasileiro, mas que para manter sua eficácia jamais poderá priorizar a celeridade em detrimento do rigor técnico. Tal procedimento aumenta inclusive a insegurança jurídica, pois impactos não documentados podem levar a recorrentes autuações e judicializações do empreendimento. Reclama-se que um processo rigoroso seja lento, mas nega-se ao Ibama e ao ICMBio a possibilidade de realização de concursos públicos para dotar os órgãos de pessoal suficiente para o cumprimento de suas missões com mais “celeridade”. A grande diferença, repita-se, é que todos os ministros anteriores se empenharam pelo fortalecimento da pasta nos mais variados contextos, sendo o atual um caso inédito, onde parte da própria pasta a tentativa de desmoralizar as ações dos órgãos ambientais e os servidores que neles atuam.
Os resultados alcançados na agenda ambiental acontecem, em grande medida, por meio de atuação que sempre contou com parcerias nos estados, nos municípios, na própria sociedade, no chamado “terceiro setor” e na cooperação internacional. São essas mesmas parcerias, especialmente aquelas com ONGs e com a cooperação internacional, que têm permitido que Ibama e ICMBio venham cumprindo suas missões com sucesso que pode ser considerado excepcional, face às adversidades já mencionadas. Em vez de reconhecer o valor dessas parcerias, a cada dia vemos tuítes e ações combatendo as ONGs e parceiros internacionais, desqualificando suas atividades e seus resultados. Paralelamente acompanhamos uma intensa agenda de visitas a unidades de conservação, com clara preferência por aquelas cuja situação fundiária as coloca em situação de conflito com moradores ou proprietários rurais. Em tais situações, em vez de demonstrar postura institucional e dirigir-se à equipe gestora das unidades para inteirar-se da situação, busca irresponsavelmente jogar a população contra os servidores, numa ação populista e prejudicial a toda e qualquer possibilidade de gestão do conflito com respeito a todos os envolvidos e seus direitos, que estão relacionados a um complexo conjunto de instrumentos legais, além da própria legislação ambiental .
Com relação ao desmatamento, de fato não se pode atribuir uma tendência que já se vinha verificando há alguns anos, de recrudescimento das taxas de desmatamento da maior floresta tropical do mundo, a um governo que assumiu há quatro meses. Mas causa surpresa e indignação que, diante de todos os alertas que vêm sendo emitidos a esse respeito, a atitude do governo seja de enfraquecer e desmoralizar o principal órgão responsável pelo enfrentamento dessa situação – o Ibama, evocando exaustivamente o bordão presidencial da “indústria da multa” e questionando de forma leviana a atuação de servidores que atuam no estrito cumprimento de suas obrigações e da legislação ambiental. Como o Ministro acusou os ex-ministros, de não indicarem “nenhum aspecto concreto e específico que se sustente e que possa ser imputado a este Governo ou à presente gestão do Ministério do Meio Ambiente”, aqui lembramos o recente episódio em que fiscais do Ibama atuaram, rigorosamente dentro da Lei, para coibir a ação de desmatadores criminosos em Rondônia, e a reação pública do Presidente da República e do Ministro do Meio Ambiente foi de apoio aos infratores e desautorização da ação de fiscalização. É esse é o papel que se espera de um Ministro do Meio Ambiente?
O Ministro, no seu raivoso caminho guiado pela desqualificação sumária de toda a estrutura sob
sua responsabilidade, afirma que herdou das administrações anteriores o Instituto Chico Mendes
de Conservação da Biodiversidade em situação de “quase extinção por ausência de recursos e má gestão” e que se criou uma situação fundiária caótica pela não regularização fundiária de grande parte das unidades de conservação. Mais uma vez, ao tratar de um problema grave e estrutural do país e do nosso Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), pela primeira vez vemos partir do titular do MMA o discurso que sempre ouvimos dos adversários da proteção da natureza: a alegação de que “se não conseguem regularizar as UC existentes não deveriam criar novas”, sempre muito usada pelos que veem nas UC um “desperdício de terras”. Se não há recursos para a regularização fundiária das UC, cabe a um ministro do MMA e a todos nós lutarmos por esses recursos e não abrir mão da missão constitucional de proteger a natureza e os recursos naturais brasileiros. A criação de Unidades de Conservação, precedidas de sólidos estudos técnicos, ao contrário do que no dia de hoje afirmou o Ministro em reportagem do Estadão, vem se mostrando efetiva medida contra o avanço do desmatamento e de proteção do patrimônio ambiental. Uma “revisão” dessas áreas protegidas levará à insegurança jurídica, ao aumento do desmatamento e à perda lamentável de oportunidades
econômicas vinculadas à biodiversidade.
Além disso, o Ministro e o Presidente da República têm ecoado sem lastro técnico todos os tipos de questionamentos e demandas de revisão, recategorização e redução de áreas protegidas no País, os quais partem, essencialmente, daqueles que querem se beneficiar individualmente à custa da exploração predatória da natureza, que gera prejuízos coletivos. Novamente, para não sermos acusados de não oferecermos exemplos para nossas afirmativas, lembramos a recente declaração do Presidente da República de que a Estação Ecológica de Tamoios, na qual foi flagrado em conduta ilegal, não protege nada e poderá, por um decreto, ser transformada na “Cancun brasileira”. Desde o início dessa gestão os servidores da área de meio ambiente buscam, como sempre fizeram, cumprir suas funções e contribuir para o fortalecimento da política ambiental, em estrita obediência à legislação em vigor, com qualidade técnica bastante reconhecida. Contudo, até agora sequer fomos ouvidos. Ao contrário, o que vemos são decisões no sentido de fragilizar o corpo de servidores, deixando claro que não contam com o apreço ou a confiança do Ministro e disseminando a prepotente mensagem de que a gestão ambiental brasileira, antes de janeiro passado, era repleta de equívocos e não trouxe ganhos. Nós, servidores da carreira ambiental, jamais negamos a necessidade de ajustes e aperfeiçoamentos à estrutura e às ações da área ambiental. Cada vez mais, o titular da pasta consegue se a alijar de qualquer construção com a equipe técnica que poderia lhe assegurar sucesso e bons resultados para a política ambiental brasileira. Com a exoneração de ocupantes de vários cargos técnicos, sem a posterior nomeação de um novo ocupante, estamos assistindo ao sufocamento, por dentro, do MMA e de suas vinculadas, degradando ainda mais as condições de trabalho. Por todo o exposto, nós servidores federais da área ambiental manifestamos aqui nosso profundo descontentamento com a forma pela qual vêm sendo tratadas pelo atual governo federal as questões ambientais brasileiras, que são Função de Estado, e lembramos que a obrigação de tratá-las está prevista no Artigo 225 da Constituição Federal, o que significa que é a nossa Carta Magna que está sendo atacada e desrespeitada.
Brasília – DF, 10 de maio de 2019
Ministério da Agricultura libera 31 novos agrotóxicos. Metade é considerada altamente tóxica