Conforme Otto Lara Resende exclamou certa vez, “no Brasil lei é como vacina – umas pegam, outras não”. Fiquei a pensar nisso há alguns dias, consultando o impecável serviço de divulgação das leis municipais mantido pela Prefeitura de Vitória na Internet.
Comecei pela Lei nº 351, de 1954. Segundo li no artigo 296, as calçadas de Vitória deveriam ter sido mantidas permanentemente em bom estado de conservação, lisas e planas. Se essa lei tão simples tivesse sido cumprida uma senhora idosa que conheci não teria falecido, há alguns anos, vítima de complicações que uma queda em dada calçada esburacada causou!
Havia também os artigos 590 e 1.124, que proibiam perturbar o sossego público com ruídos excessivos. Se essa lei tivesse pegado, o repouso de tantas pessoas idosas, doentes, recém-nascidas ou mesmo de cidadãos apenas cansados estaria preservado, e não teríamos chegado ao ponto de precisar de um Disque-Silêncio, prova maior da incapacidade de observar até mesmo regras mínimas de convivência e respeito ao próximo.
E que dizer do artigo 204? Falava-se ali que os prédios deveriam ter um afastamento mínimo de 1,5 metro da divisa lateral do terreno. Se essa lei tivesse sido observada desde 1954, não teríamos hoje em Vitória tantos edifícios colados uns nos outros, bloqueando a ventilação de uma cidade cada vez mais quente e abafada.
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E o artigo 578? Segundo ele, “o fabricante de bebidas ou de quaisquer produtos alimentícios que empregar substâncias ou processos nocivos à saúde pública perderá os produtos fabricados”. Se essa lei tivesse pegado, não teríamos, por exemplo, produtos suspeitos de causar câncer à venda no comércio, colocando em risco a saúde até mesmo de nossas crianças.
Encontrei também a Lei nº 903, de 1960. Ela autorizava a construção de um banheiro público nas imediações do prédio dos Correios e Telégrafos. Se o saudável exemplo dessa lei tivesse sido assimilado muitos semelhantes nossos não precisariam hoje fazer suas necessidades atrás de muros ou postes, se degradando e degradando um pouco cada um de nós.
Todas essas leis já existiam aqui em Vitória há mais de 50 anos! Se elas tivessem sido minimamente, obedecidas nossa realidade atual seria muito diferente – menos poluída e mais humana. O mais chocante é que estamos falando de leis que definiam questões simples, básicas e lógicas demais para não terem sido observadas!
A Vitória de hoje olha para o futuro. Deverá ser a 1ª capital do Brasil a ter esgoto 100% tratado. Cresce a olhos vistos. Não pode voltar os olhos ao passado para, por exemplo, aplicar a Lei nº 1.512, de 1965, que previa a substituição por paralelepípedos do calçamento da rua Duque de Caxias – hoje já asfaltada. Não, não é desse tipo de nostalgia que estamos a falar – mesmo porque este quadro é nacional. Há que se voltar no tempo, sim, porém na busca da pureza de princípios mais importantes, que temos negligenciado há décadas.
Calculou-se, em 2007, que o Brasil tem incríveis 181 mil leis. Não será através de mais leis que resolveremos o problema do descumprimento delas. Precisamos, na verdade, de menos leis – porém mais simples, voltadas à nossa realidade e aos nossos valores históricos, buscando a criação de uma cultura de respeito a elas. Afinal, como ensinava Montesquieu, “as leis inúteis enfraquecem as necessárias”.
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