O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) assinou, junto com o seu colega Márcio Bittar (MDB-AC), uma proposta que extingue a reserva legal em todas as propriedades rurais do país. A reserva legal é uma parcela de mata nativa que os proprietários rurais devem preservar, em percentual que varia conforme a região, como previsto no Código Florestal. Pela proposta, os donos de terras seriam obrigados a manter apenas as Áreas de Preservação Permanente (APPs), como margens de rios e encostas de morros.
O maior impacto da medida se daria sobre a Amazônia Legal, território que abrange os sete estados da região Norte, além de Mato Grosso e da maior parte do Maranhão. Nesta região, os proprietários devem preservar, atualmente, 80% da vegetação nativa (o percentual cai para 30% no Cerrado e 20% no restante do país).
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Segundo o Cadastro Rural Ambiental (CAR), do Ministério do Meio Ambiente, os estados que compõem a Amazônia Legal continham, até 31 de março, 727 mil propriedades rurais registradas, que juntas ocupam 274 milhões de hectares. Essa área é um pouco inferior à soma dos territórios do Amazonas e do Pará, os dois maiores estados do país. Todo este espaço, pertencente a proprietários privados, ficaria sujeito à nova regra.
O projeto se apoia sobre duas teses centrais que têm sido repetidas inclusive pelo governo: de que o Brasil protege uma parcela muito maior de sua vegetação nativa do que países de primeiro mundo e que o território destinado à agropecuária, no país, é proporcionalmente baixo.
Na justificativa da proposta, os senadores apontam que o Brasil usa 30% de seu território para a agropecuária, patamar que estaria bem abaixo dos Estados Unidos, por exemplo, que utilizam, segundo eles, 75%.
Para o advogado socioambientalista André Lima, ex-secretário de Meio Ambiente do Distrito Federal, esse argumento é falacioso. “O Brasil tem a Amazônia. Nenhum outro país do mundo, em escala continental, como Estados Unidos, Rússia, Austrália, e esses outros países que eles usam de comparação, tem esse mesmo patrimônio ecossistêmico, de altíssima relevância para a biodiversidade e para o clima”, diz o ambientalista.
Bittar afirmou ao Congresso em Foco que a figura da reserva legal “só existe no Brasil” e negou o perigo ambiental alertado por críticos. “Não estou falando de mexer em área indígena, não estou falando de florestas nacionais e estaduais, parques ecológicos, nada. Estou falando de propriedade privada”, rebate o emedebista, que integra a bancada ruralista no Congresso.
“A propriedade privada foi usurpada, na cara dura. [A criação da reserva legal no Código Florestal] é um dos maiores roubos que o Estado fez. Uma desapropriação maluca, em que o cara [proprietário rural] continua, em tese, dono da terra, mas ele responde do ponto de vista civil e fiscal, mas não pode aproveitar nada da terra, e tem que ser o fiscal dela ainda”, argumenta.
Para Flávio Bolsonaro, a legislação atual viola o direito individual. “A intenção é devolver ao proprietário rural o direito à sua terra, que hoje é inviabilizada e improdutiva por entraves ambientais desnecessários”, afirmou o senador, em nota ao Congresso em Foco.
“A proposta não abrange áreas de preservação permanente, como encostas de morros e nascentes de água e, mesmo após sua aprovação, o Brasil ainda será o país que mais protege sua vegetação nativa no mundo. É possível transformar as riquezas naturais que Deus nos deu em desenvolvimento para a população e, ao mesmo, preservar o meio ambiente”, completa o parlamentar do PSL.
O Observatório do Clima, rede de entidades que discutem mudanças climáticas, discorda da ideia de que é preciso desmatar mais terras para dar fôlego à agropecuária.
“Hoje o país têm mais áreas destinadas à agropecuária (245 milhões de hectares) do que áreas protegidas (216 milhões de hectares). O Brasil tem espaço de sobra para proteger o clima, conservar sua diversidade e comunidades, e ainda se tornar o maior produtor de alimentos, fibras e bioenergia do mundo. Basta ampliarmos as técnicas de produtividade em todo pais para expandir a atual produção de alimentos sem nenhum desmatamento. Para isso, precisamos apenas usar nosso território com inteligência”, afirmou a entidade em nota no final de março.
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Troca de relator
Bittar havia apresentado o projeto sozinho em 19 de março. O texto já havia sido encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde a presidente do colegiado, Simone Tebet (MDB-MS), designou o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) como relator.
Afiliado ao partido da ex-ministra Marina Silva, Contarato preside a Comissão de Meio Ambiente do Senado e tem adotado, em geral, posições contrárias às dos governistas. O senador já afirmou, por exemplo, que entrará na Justiça para barrar uma eventual extinção da Reserva Nacional de cobre e associados (Renca), intenção manifestada por Bolsonaro.
Na terça-feira (16) da semana passada, quase um mês após ter protocolado o projeto, Bittar e Flávio Bolsonaro visitaram o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e discutiram a proposta. O filho do presidente pediu para assinar o texto em conjunto. O senador emedebista, então, retirou e reapresentou o mesmo projeto, com nova numeração, para incluir Flávio como coautor.
“Não tenho nenhuma vaidade de admitir que o projeto, tendo sido assinado também pelo Flávio Bolsonaro, que é senador de um estado grande, como Rio de Janeiro, e além disso filho do presidente, é evidente que o projeto ganha mais relevo”, disse Bittar.
Desta vez, no entanto, a relatoria não ficou com Contarato, e sim com Roberto Rocha (PSDB-MA), indicação de Bittar para a função. O senador da Rede chegou a entrar com um requerimento para continuar como relator, alegando que o novo texto é igual ao que havia sido retirado, mas Simone Tebet negou o pedido.
Bittar diz que “foi pego de surpresa” quando o projeto foi distribuído ao senador da Rede, mas nega que isso tenha sido um dos motivos que o levaram a reapresentar o texto. “Eu já estava preparado para discutir com um parecer contrário. Não teve nada a ver com isso”, afirmou.