Olympio Barbanti Jr.*
Foi para o vinagre o relacionamento entre um importante grupo de organizações não governamentais da área ambiental e o governo Lula. Em 05 de junho, dia do meio ambiente, essas entidades divulgaram dois comunicados. Primeiro, uma lista de “amigos e inimigos da Amazônia” – sem nenhuma novidade no elenco. Depois, uma “nota pública contra o desmonte da política ambiental brasileira” acusando o governo, e o Legislativo, de subscreverem a lógica do crescimento econômico a qualquer custo.
Assinam a nota entidades que são formadoras de opinião na área socioambiental; entre elas: Amigos da Terra/Amazônia Brasileira; Conservação Internacional Brasil; Fundação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional/FASE; Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento/FBOMS; Greenpeace; Grupo de Trabalho Amazônico/GTA; Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia/IMAZON; Instituto de Estudos Socioeconômicos/INESC; Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia/IPAM; Instituto Socioambiental/ISA; Rede de ONGs da Mata Atlântica; Sociedade Brasileira de Espeleologia; Via Campesina Brasil; WWF Brasil. Muitas dessas entidades nasceram e cresceram no bojo do Partido dos Trabalhadores. Em larga medida, essa polarização isola o Ministério do Meio Ambiente como um tipo de ONG dentro do governo. Minc tenta equilibrar-se na corda bamba.
Há oito principais reclamações. (1) modificação do Decreto 6514/08 sobre infrações e sanções administrativas ao meio ambiente; (2) alteração na permissão de destruição de cavernas; (3) incentivos à comercialização de veículos automotores (redução do IPI); (4) MP 452/08 sobre licenciamento ambiental de rodovias; (5) discussão sobre a reformulação do Código Florestal; (6) Decreto 6848/09, que estabelece um teto para a compensação ambiental de grandes empreendimentos; (7) atual paralisia na criação de novas áreas protegidas; (8) e, talvez a mais importante, a aprovação da MP 458/09 que busca regularizar a situação fundiária na Amazônia.
Na nota divulgada na Internet, os ambientalistas afirmam que a MP 458 “abriu a possibilidade de se legalizar a situação de uma grande quantidade de grileiros, incentivando, assim, o assalto ao patrimônio público, a concentração fundiária e o avanço do desmatamento ilegal.”
Líder e porta-voz dos descontentes, a senadora Marina Silva (PT/AC) fez em Rio Branco (AC), na manhã do dia 05, um duro discurso anti-governo federal na presença do governador Binho Marques (PT). O vídeo do discurso foi colocado à disposição do público no sítio do Executivo acreano na Internet.
No sítio do MMA, Carlos Minc evitou o debate, comemorou redução de 45% na taxa de desmatamento na Amazônia. Nada comentou sobre a aprovação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), publicada no Diário Oficial da União (D.O.U.) justamente no dia do meio ambiente, ao projeto básico da usina hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia. Um tapa com luva de pelica.
Por enquanto, para os petistas, os principais inimigos são Reinhold Stephanes (PMDB) ministro da Agricultura, e Roberto Mangabeira Unger (ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República). A ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) ainda fica fora das críticas diretas. Criticá-la agora seria antecipar o amuderecimento de uma tendência: a “desverdização” do PT. Para que isso aconteça, parece ser necessário identificar outra agremiação política que, na voz de suas liderenças expresse “a história de lutas sociais do PT”. Não vai ser fácil.
Da sua parte, o núcleo desenvolvimentista do PT vai nadando de braçada e preparando sua argumentação para as eleições de 2010. O foco deve ser o uso sustentável dos recursos naturais. A diferença é que os principais atores da sustentabilidade deixaram de ser pequenos produtores e extrativistas. Eles cederam lugar ao grande investimento capitalista.
A Amazônia é hoje um canteiro de obras. Hidrelétricas, redes de transmissão de energia, gasodutos e estradas representam a maior parte dos R$ 50 bilhões que o governo aplica na região. A ordem é inserir lógica econômica na alocação de recursos para o desenvolvimento da Amazônia. Em outras palavras: a pequena produção pode e deve ser respeitada e fomentada, mas desde que esteja inserida em uma cadeia produtiva e subordinada ao grande capital.
“A Amazônia precisa atingir grau de investimento”. A frase, cunhada pelo Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) traduz o espírito das ações que têm sido implementadas após os conflitos despertados pela decisão de construir as hidrelétricas do rio Madeira, há três anos.
Naquela oportunidade Dilma percebeu a centralidade da Amazônia no debate político nacional e internacional. Passou a reunir-se com algumas ONGs brasileiras que, com certo constrangimento, foram à Casa Civil prestar colaboração. Agora, várias dessas ONGs subscreveram a nota contra o chamado desmonte da política ambiental brasileira. Não devem estar contentes com a belo-horizontina Dilma Rousseff. Ela deve estar contente com a publicação da aprovação do projeto básico de Jirau.
Ainda é cedo para definir a composição de forças ao redor do tema “Amazônia” para as eleições de 2010, mas a cartada do governo Lula parece estar ficando mais clara, e deverá incluir argumentos relativos a quatro medidas:
1. Regularização fundiária e zoneamento ecológico-econômico (ZEE)
Essa é a questão central. Para Dilma e Mangabeira Unger, sem regularização fundiária não há eficiência econômica porque os direitos de propriedade não estão claros. O estado que tenha seu ZEE aprovado pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) pode abrir novas áreas à exploração. Como todos os estados devem concluir seus zoneamentos até o final deste ano, em 2010 o governo poderá anunciar que não existe mais desmatamento ilegal na Amazônia. O que o que ali ocorre é fruto de um projeto nacional e não conseqüência do desmando.
2. Incentivos industriais aos empreendimentos agropecuários e que usam insumos da floresta
Leia-se, incentivo à produção agropecuária intensiva; ao agronegócio. Com suporte da EMBAPA e da International Finance Corporation (IFC), braço privado do Grupo Banco Mundial, foram definidos critérios mínimos de sustentabilidade ambiental e social para a agropecuária. Investidores já estão protegidos por argumentos desenhados nas pranchetas de instituições de peso. O governo poderá anunciar a “sustentabilidade” da pecuária na Amazônia. Haja berrante!
3. Melhoria da situação das populações extrativistas e dos assentados pela reforma agrária
As reservas extrativistas (RESEX) passaram a ser equiparadas a assentamentos de reforma agrária. Assim puderam receber dinheiro do INCRA para a melhoria do padrão de construção das residências. Casas de taipa já foram substituídas por alvenaria. Adicionalmente, a produção de alimentos das RESEX pode agora ser comprada pela CONAB, o que tem aumentado o mercado e expandido a renda dessas populações. O potencial dessas medidas para efeito de marketing eleitoral é enorme.
4. Investimentos em recursos humanos por meio de investimentos em universidades e intensificação da pesquisa sobre biodiversidade
A região Norte do país é a mais carente de instituições de ensino superior e de pesquisa. A maior parte das publicações sobre a Amazônia é feita por universidades de fora da região. O conhecimento sobre biodiversidade permanece escasso. Que tal a foto de um índio devidamente vestido, sentado no banco da universidade?
Adicionalmente, o marketing amazônico do governo federal deve ser ajudado pela crise financeira internacional. Com redução de investimentos e transações comerciais, a taxa de desmatamento no período 2009/2010 deve cair. E tem o IBAMA… que apesar de todos os seus problemas anda pegando pesado na fiscalização. A fiscalização por satélite também melhorou bastante. Por fim, há mais funcionários para cuidar das áreas protegidas, e Minc promete contratar mais 2 mil.
Com essa lógica o governo prepara sua cartada verde-amazônica nas eleições presidenciais. Mas os desafetos, muitos (ex) petistas de longa data, podem ser tornar protagonistas de um fogo (ex) amigo. Os primeiros tiros já foram disparados.
* Olympio Barbanti Jr., jornalista e consultor, é PhD em Políticas Sociais e Gestão pela London School of Economics.
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