Claudio Sales e Alexandre Uhlig*
Como descrito na parte 1 deste artigo, ao longo das últimas décadas, o licenciamento ambiental foi incorporado de forma definitiva à sistemática de implantação de empreendimentos de grande porte no Brasil. Este processo contou com liderança relevante do setor elétrico, que, incorporando práticas adotadas internacionalmente, serviu como modelo para a elaboração dos primeiros Estudos de Impacto Ambiental no país durante a construção das usinas hidrelétricas de Sobradinho e Tucuruí.
Desde então, os desafios envolvidos no licenciamento ambiental aumentaram, levando ao reconhecimento atual da necessidade de adequação de muitos dos seus procedimentos. No White Paper #21 “Licenciamento Ambiental: Equilíbrio entre a Precaução e Eficiência”, foram apontadas as principais fragilidades no processo de licenciamento ambiental de empreendimentos de infraestrutura.
Complementarmente, foram analisadas as durações das diferentes etapas que compõem este processo (consideradas um reflexo dessas fragilidades), o que revelou que muitos dos procedimentos sob responsabilidade do órgão licenciador, por diferentes razões, não são executados de acordo com os prazos determinados na atual legislação.
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A partir deste diagnóstico, são propostos aprimoramentos para se promover melhorias relevantes sobre a forma como o licenciamento é conduzido no Brasil. As recomendações, relacionadas abaixo, focam-se nos procedimentos adotados pelos órgãos ambientais e/ou exigidos dos empreendedores e têm como objetivo contribuir para a construção de princípios fundamentais necessários para um ambiente institucional adequado para a condução do licenciamento ambiental no Brasil: a salvaguarda ambiental, a previsibilidade e a segurança jurídica.
São propostas os seguintes aprimoramentos no processo de licenciamento ambiental:
- Definição de regras objetivas sobre a necessidade e o tipo de licenciamento exigido.
De acordo com a Constituição Federal, toda atividade “potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente” deve ser alvo de licenciamento ambiental antes da sua instalação e operação. No entanto, não há lei que regulamente este artigo da Constituição. A definição, em lei federal, de critérios objetivos para se definir a exigibilidade de licenciamento ambiental e o tipo de procedimento ao qual os empreendimentos serão submetidos pode aumentar a previsibilidade deste processo e reduzir o atual cenário de incerteza em que ele se encontra.
- Inexigibilidade de certidão municipal para adequação às leis locais de ocupação do solo.
A legislação atual determina que o empreendedor deve apresentar, ao órgão licenciador, declaração, emitida pelas prefeituras dos municípios em que o projeto em estudo se insere, informando que o empreendimento não entra em conflito com as leis locais de uso, parcelamento e ocupação do solo. A extinção da necessidade de apresentação da certidão municipal transferiria a responsabilidade de avaliação da compatibilidade entre o empreendimento e as leis municipais referentes ao uso, parcelamento e ocupação do solo (que, destaca-se, devem continuar a ser observadas) das prefeituras para o próprio empreendedor. Eventuais desrespeitos à legislação vigente permaneceriam sendo passíveis de sanções judiciais.
- Revisão dos procedimentos para realização de audiências públicas.
As regras atuais do licenciamento determinam que, após o protocolo do EIA e a distribuição do Relatório de Impacto Ambiental (Rima), inicia-se um período de 45 dias, ao longo do qual o órgão licenciador aguarda o pedido de realização de audiências públicas por diferentes setores da sociedade. Permitir e reconhecer audiências públicas organizadas antecipadamente e voluntariamente por iniciativa do empreendedor possibilita a redução do prazo de licenciamento ambiental. O órgão licenciador continuaria determinando a quantidade e os locais de realização das mesmas, não representando, portanto, ameaças para a participação pública no licenciamento ambiental.
- Elaboração de EIA para múltiplos empreendimentos.
Apesar de não se tratar de uma inovação no âmbito do licenciamento ambiental no Brasil, a definição, em lei, da possibilidade de licenciamento concomitante de empreendimentos que compartilhem suas áreas de influência conferiria maior respaldo institucional para a prática, reduzindo a insegurança jurídica e contribuindo para a ampliação da sua adoção.
- Utilização de diagnósticos pré-existentes.
Permitir o aproveitamento de dados gerados em estudos prévios, mas que dizem respeito a uma mesma área de influência, pode contribuir para a redução do prazo de alguns processos de licenciamento. O risco de utilização de diagnósticos desatualizados pode ser reduzido a partir da definição de prazos de validade para os dados aproveitáveis, de forma que se evite a utilização de diagnósticos considerados demasiadamente antigos.
- Proteção do licenciamento contra demandas não relacionadas aos empreendimentos.
As condicionantes ambientais devem ter fundamentação técnica que aponte a relação direta com os impactos ambientais da atividade ou empreendimento identificados nos estudos requeridos no processo de licenciamento ambiental. Além disto, o licenciamento ambiental de empreendimentos do setor elétrico não poderá ser impedido ou dificultado pela ausência de instrumentos de avaliação socioambiental de políticas, planos e programas governamentais como a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) ou a Avaliação Ambiental Integrada (AAI), cuja responsabilidade de elaboração é de órgãos de governo.
- Melhoria das condições de trabalho dos funcionários dos órgãos licenciadores e intervenientes.
É importante que se mantenham equipes compatíveis com a demanda apresentada a cada órgão que participa do processo de licenciamento e se definam salários e planos de carreira competitivos com órgãos públicos com responsabilidades e atribuições comparáveis.
- Ampliação dos mecanismos de participação pública.
Apesar de já existirem espaços para a manifestação pública sobre um determinado projeto de geração ou transmissão de eletricidade (e.g. consultas públicas dos documentos de planejamento setorial e audiências públicas dos EIAs), a ampliação destes mecanismos a partir da: a) submissão do termo de referência e EIA a um processo de consulta pública; b) disponibilização dos documentos e do encaminhamento das contribuições por meio do site do órgão licenciador; e c) criação de oportunidades de interação entre empreendedor e comunidades afetadas adicionais às audiências públicas, como a organização de conselhos de partes interessadas; podem melhorar o desempenho econômico, social e ambiental dos projetos licenciados.
Ainda no contexto da participação pública ao longo do processo de implementação de projetos de infraestrutura elétrica, a consulta prévia a populações indígenas de acordo com a convenção no 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) 45 deve ser regulamentada no arcabouço normativo do licenciamento ambiental, de forma a mitigar as dúvidas (e a consequente insegurança jurídica) que permeiam este tema no Brasil.
É importante, no entanto, reconhecer as limitações do licenciamento ambiental, que não pode ser considerado a solução para as diversificadas e profundas demandas sociais do país e tampouco concentrar todas as discussões sobre os aspectos socioambientais dos empreendimentos avaliados.
Além disso, o licenciamento ambiental não pode continuar sendo utilizado como plataforma para a manifestação de oposição em relação à política energética adotada no país. Deixar para discutir, durante o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos, a validade da estratégia de expansão da oferta de eletricidade – concebida pelo Estado em etapas anteriores, a partir de mecanismos distintos e com uma dinâmica de participação específica –, prejudica a sua eficácia. Este tipo de discussão intempestiva implica:
a) atrasos e insegurança jurídica para as empresas, que se dispõem a realizar investimentos e assumir riscos para a construção de empreendimentos de geração e transmissão de eletricidade; e
b) aumento de tarifa para os consumidores.
Os benefícios de uma condução mais objetiva do processo de licenciamento ambiental extrapolam o setor elétrico e incidem sobre toda a sociedade, que passaria a usufruir de um sistema de fornecimento de eletricidade que atende aos requisitos de modicidade tarifária, segurança de oferta e desenvolvimento sustentável.
Leia a primeira parte do artigo
*Claudio Sales e Alexandre Uhlig, são do Instituto Acende Brasil, think tank que desenvolve estudos e análises para aumentar o grau de transparência e sustentabilidade do setor elétrico brasileiro. Saiba mais sobre o Instituto e o tema no White Paper #21 “Licenciamento Ambiental: Equilíbrio entre a Precaução e Eficiência”.
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