A Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado Federal organizou, juntamente com a Comissão de Meio Ambiente, uma audiência pública para debater os efeitos práticos do Projeto de Lei (PL) n° 2159, de 2021. O projeto tramita há 17 anos no Congresso (originalmente na forma do PL 3729/2004) e cria um marco legal para o licenciamento ambiental no Brasil. Durante a audiência, o PL foi duramente criticado pela pesquisadora responsável por sua análise técnica.
A análise técnica foi coordenada pela antropóloga Andrea Zhouri, pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que considera, em seus termos, o projeto como “um tiro no pé”. O ponto mais problemático em sua visão foi o excesso de confiança depositada nos dados fornecidos pelas empresas. “Essa confiança vai na contramão de muitos dos casos com os quais nós temos lidado na realidade, como os recorrentes desastres da mineração em MG e PA”, explica.
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O projeto de lei abre exceções para empreendimentos de cultivo agrícola, de caráter militar e obras emergenciais. Para a pesquisadora, cada uma destas abre lacunas que podem comprometer a preservação ambiental no Brasil: na primeira exceção, o risco de falta de controle sobre desmatamento e uso de agrotóxicos. Na segunda, o risco de deslocamentos forçados de populações afetadas. Na terceira, o risco de se abrir espaço para obras de rigor técnico questionável.
Andrea Zhouri também alerta para o risco da nova legislação provocar o subdimensionamento da análise de impacto ambiental provocado pelas obras. “A nova lei apresenta uma definição restritiva da área de influência direta do empreendimento. É uma definição construída a partir da necessidade das obras, dos empreendedores, e não a partir daquilo que já existe nos lugares, na realidade ambiental e social das localidades”.
Após sua fala, o projeto foi defendido pelo consultor jurídico da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, Marcos Saes, afirmando que a lei marca um ponto de partida para uniformizar o licenciamento ambiental no âmbito federal. “Nós temos no âmbito federal e estadual mais de 50mil normas tratando de questões ambientais. É um desafio hercúleo para quem lida com elas”, afirma. Em sua visão, muitos dos problemas ambientais enfrentados hoje no Brasil se devem à falta de sistematização dessas leis, que acabam sendo descumpridas.
O jurista também apontou para a importância de elaborar uma legislação moderna capaz de atender tanto a interesses ambientais quanto econômicos. “Pobreza não traz um meio ambiente ecologicamente equilibrado, isso é um fato. Basta ir nas grandes cidades e entender as invasões”, declarou.
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Outro convidado de destaque foi José Carlos Carvalho, que foi ministro do meio ambiente na gestão de Fernando Henrique Cardoso. Em sua fala, o ex-ministro destacou a importância do estabelecimento de um marco legal para preencher lacunas deixadas pela atual legislação, e também a necessidade de pensar a legislação ambiental de forma estratégica, focando nas medidas de longo prazo. “Toda lei ambiental precisa ser feita para o futuro”, declara.
José Carlos Carvalho apontou para a necessidade de alterar na legislação o momento do licenciamento ambiental na execução de obras. “O licenciamento hoje é feito ex post, realizado depois que todas as decisões de fazer o empreendimento já foram tomadas. (…) Nesse momento, o fundamental tema da questão ambiental acaba ficando esquecido”, explica. Para ele, o licenciamento deve ser feito em um momento anterior às demais decisões da obra.
Também se pronunciou Davi Bomtempo, gerente executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Ele explica que os principais interesses da indústria na criação de uma lei geral de licenciamento ambiental estão relacionados à criação de mecanismos que permitam reduzir a burocracia envolvida no licenciamento, bem como a unificação da lei para aumentar a segurança jurídica de empresas ao lidar com questões ambientais.
Bomtempo também se pronunciou em favor de fazer com que o marco legal seja válido para todos os setores da indústria, independente do ramo. “Não é interessante que a gente exclua qualquer tipo de atividade, até porque é uma lei geral, e dessa forma estaríamos ferindo princípios como isonomia, razoabilidade e proporcionalidade. (…) A gente entende que a lei vale para todos”.
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