João Paulo Capobianco e André Lima*
Terá o ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles, que cunhou a afirmação acima, confessado crime de responsabilidade ao revelar de forma clara suas íntimas e reais intenções de promover o desmanche do sistema jurídico socioambiental vigente? Temos certeza que sim.
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Salles é um declarado ministro “antiambientalista” que desde sempre revelou sua visão de que as normas ambientais são responsáveis pelo atraso econômico do Brasil. Ele não vê valor, ao contrário, despreza a legislação ambiental construída ao longo de décadas e admirada internacionalmente. Esse fato, somado ao fracasso de sua gestão, onde um exemplo entre tantos outros é a aceleração do desmatamento da Amazônia com todos seus impactos socioambientais e econômicos, incluindo o prejuízo à reputação do agronegócio brasileiro no exterior, já seriam suficientes para demonstrar a sua inadequação para a função.
Na reunião presidencial ocorrida em abril passado, no dia em que se comemora o Descobrimento do Brasil, cujo conteúdo chegou ao conhecimento da sociedade no Dia Mundial da Biodiversidade, no entanto, o ministro resolveu ir ainda mais longe em sua saga contra o meio ambiente. Do alto do seu cargo de chefe maior da política de conservação e promoção do desenvolvimento sustentável do País, propôs um plano de desregulamentação ambiental geral e transversal para quase todos ministérios.
Operando como um conselheiro presidencial, gerente de crise de mídia, defendeu que mudanças na legislação sejam feitas de forma rápida, durante o auge da pandemia da covid-19, como tática para evitar desgastes na opinião pública. De forma oportunista e covarde, requereu a cumplicidade da Advocacia Geral da União, para que pareceres jurídicos sejam fabricados a fim de garantir a aparência de legalidade para seus atos e evitar o que ele mesmo indicou como consequência provável caso não os obtivesse: “cana”. Tratou do futuro da legislação ambiental brasileira em uma reunião de trabalho a portas fechadas, como se ela fosse um assunto de ordem estritamente interna do poder executivo, não cabendo a participação do Congresso Nacional e do Conselho Nacional do Meio Ambiente ou debate público com quem quer que seja.
PublicidadeAo ser questionado sobre sua postura, após a revelação da fita da reunião ministerial, respondeu com ironias dizendo não ser novidade para ninguém a sua avaliação negativa da legislação ambiental brasileira, dando a entender que ir contra ela é apenas uma questão de coerência.
O ministro está completamente equivocado. Como autoridade maior do Sistema Nacional de Meio Ambiente ele tem o dever legal (Lei Federal 6.938 de 1981) de liderar a implementação do Sistema em convergência com as leis e a Constituição da República e não com seus princípios filosóficos e morais ou para atender interesses de quem o patrocina.
O fato de seus atos, ou de quem quer que seja o ministro ou a pasta, serem eventualmente lastreados por pareceres técnicos ou jurídicos não afasta a confessada motivação que está por trás de suas atitudes, posturas e conselhos, revelada durante a funesta reunião ministerial. O ministro prestou um depoimento claro em favor da sua real missão, que é enterrar o regime jurídico ambiental brasileiro. É evidente o desvio de função e poder. Contraria o interesse público que justificou e fundamentou a criação da própria pasta que chefia.
Agrava a confissão, a recomendação de implementá-la em meio à terrível crise sanitária e epidemiológica que assola o país, não por dever de lealdade ao interesse público ou à eficiência na prestação de serviços, mas obviamente com o propósito de acobertá-la sob a sombra dos milhares de mortes de cidadãos inocentes.
Confessou abertamente, na frente do Presidente da República e de dezenas de integrantes do mais alto escalão de governo, o propósito de by-passar a mídia, e consequentemente o controle social, realizando o desmonte do sistema jurídico ambiental às escuras, sem qualquer transparência. Desdenhou da grave crise de saúde do país, tratando-a como uma oportuna “tranquilidade no aspecto da cobertura de imprensa” para viabilizar seu plano íntimo com o menor custo político possível.
Hely Lopes Meirelles, um dos mais renomados professores de Direito Público e Administrativo do País, declara que “o agente administrativo, como ser humano dotado de capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o Honesto do Desonesto. E ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético da sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo do injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto.”
Ao ser honesto com seus princípios antiambientais e com parte do eleitorado bolsonarista – madeireiros, garimpeiros ilegais, desmatadores e grileiros de terras públicas – está sendo desonesto com a função e o lugar de ministro do Meio Ambiente. Ao confessar as reais motivações que movem seus interesses como chefe da pasta de meio ambiente Salles contrariou, ainda, dois importantes princípios constitucionais que fundamentam o serviço público: a moralidade e a publicidade, explicitamente previstos no artigo 37 da Constituição Federal.
Ao propor executar seu plano à sombra das mortes da pandemia, o ministro fere frontalmente a moralidade necessária ao exercício do cargo de chefe da política ambiental do país e a publicidade e transparência – que não se faz somente por meio de publicação no Diário Oficial – pois intenta subtrair da população a oportunidade e, principalmente, o direito ao amplo debate público, que possam evitar atos lesivos ao direito fundamental ao meio ambiente prescrito na Carta Maior.
No show de horrores que foi a comentada reunião, nem quem ficou quieto, ou quem participou e se afastou do governo logo depois, deixou de dar sua contribuição decisiva para a afronta à honra e à moralidade do Brasil e dos brasileiros. Ali agiram todos como fiéis cúmplices, escudeiros e seguidores de seu líder maior, o grande responsável por essa tragédia política, econômica, sanitária, e ambiental que vive o povo brasileiro.
*João Paulo Capobianco, vice-presidente e coordenador do Instituto Democracia e Sustentabilidade