Edson Domingues *
Com o volume morto do Sistema Cantareira se aproximando das torneiras do cidadão de São Paulo, resta ao governador Geraldo Alckmin administrar o que sobrará do principal manancial, inaugurado em 1974.
Se a projeção do comitê de gerenciamento de crise é uma seca a cada 3.374 anos, a Sabesp deveria deixar de fazer exercício de futurologia e encarar o assunto com seriedade. Como deixou de fazer a lição de casa, deveria se preparar para as interferências no meio urbano e acompanhar com lupa o que se passa no seu maior mercado consumidor: a região metropolitana de São Paulo.
O Sistema Cantareira suportou por 40 anos todo tipo de agressão, da exploração irracional à leniência com ocupações irregulares, e agora a ameaça torna-se mais clara a cada malabarismo do governo do estado. Podemos elencar a crise em dez pontos principais:
1. A Sabesp aposta na metade do volume morto do Sistema Cantareira (5% do total da capacidade) como segurança hídrica para o mês de novembro. Algo similar ao usar o cartão de crédito quando a conta está com o limite esgotado. Como não há alternativas a curto e médio prazos, a falta de água será inevitável.
2. Se não há segurança sobre o volume de chuvas para novembro, dezembro de 2014 e janeiro de 2015, estão escancaradas a falta de competência e planejamento da Sabesp. Dependente unicamente do clima. Sem alternativas viáveis, faltará água em 2015 também.
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3. Se a região metropolitana continua dependente do Sistema Cantareira, como apontava a Outorga de 2004, as iniciativas do governo junto à Agência Nacional de Águas – ANA – chegaram apenas quando já se anunciava a possibilidade de rodízio e o nível do sistema chegava aos míseros 10% de sua capacidade. Para qualquer correção de rumo como as anunciadas por Alckmin, serão necessários ao menos cinco anos para a construção de um novo sistema de abastecimento.
4. Se 49% das ações da Sabesp estão nas mãos de investidores que buscam liquidez no mercado com rendimentos cada vez mais insatisfatórios dos papéis, a margem de investimentos na recuperação da sucateada rede de distribuição será mais uma vez protelada, mantendo o volume de perdas no patamar de 7m³/s.
5. Há falta de uma política de proteção de áreas de produção de água pela Sabesp, com a construção de sucessivos condomínios de alto padrão nas bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. Inserir áreas produtoras de água na lógica da especulação imobiliária tem resultado na redução da produção. A perspectiva dos especialistas é contínua perda de vazão, cenário nada adequado para a realidade do Sistema.
6. As Parcerias Público-Privadas para a ampliação e construção do novo Sistema São Lourenço – que demandará desmatamento inédito de largo trecho de mata atlântica – colocam o sistema na “roda viva” do sistema financeiro, transformando água em mercadoria, elevando a tarifa da conta de água.
7. O treinamento de equipes para “educar” a população para o racionamento é irrisório diante do quadro crítico a que se chegou. A Sabesp não possui prática de largo programa de educação ambiental em período de abundância de água. Em período de seca, adotar políticas educativas está mais próximo do desespero administrativo do que ação de planejamento ambiental.
8. A política de reuso é parte da política da Sabesp de tratar água como mercadoria. Com vendas em alta, os acionistas agradecem.
9. A falta de credibilidade da Sabesp com publicidade em outros estados do país imprime sua imagem como empresa que busca novos mercados em saneamento, como lixo e estações de tratamento de esgoto.
10. A despoluição de corpos d’água é ação secundária da política de saneamento da Sabesp.
* Edson Domingues, 45 anos, é ambientalista e autor de projetos de sustentabilidade na periferia de São Paulo. Formado pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Fespsp.
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