No terceiro artigo da série sobre a política ambiental do governo Bolsonaro, em seus primeiros 150 dias, mostramos as medidas que colocam em risco a demarcação de terras indígenas e quilombolas e também a política de desmonte dos órgãos de fiscalização ambiental e das unidades de conservação do país. Entenda:
Agenda indígena e quilombola no Ministério da Agricultura
A responsabilidade pelas demarcações de territórios indígenas e quilombolas foi deslocada da Funai para o Ministério da Agricultura e Pecuária, segmento chefiado pela ex-coordenadora da Frente Parlamentar Agropecuária, Tereza Cristina. Se considerarmos a promessa de não demarcação de mais um centímetro de terras indígenas e de revisão das já demarcadas, esse foi o primeiro passo para o seu cumprimento.
Segundo nota do Instituto Socioambiental (ISA), “a definição do Mapa [Ministério da Agricultura e Pecuária] como órgão responsável pelo reconhecimento de territórios dos povos indígenas e comunidades quilombolas representa inaceitável e inconstitucional conflito de interesses, mediante a subordinação de direitos fundamentais dessas minorias aos interesses imediatos de parcelas privilegiadas do agronegócio, parte diretamente interessada nos conflitos fundiários atualmente existentes”. Prossegue a nota: “Ainda mais se considerado que o dirigente responsável pelas temáticas é representante da UDR e dos grandes proprietários de terra. … Isso indica que a estratégia de Estado não será orientada para o ordenamento do território e para a solução de conflitos, mas para a concentração fundiária e a submissão do interesse nacional a interesses corporativos”.
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De acordo com o Ministério Público, a Medida Provisória 870, de 1º de janeiro de 2019, da reforma administrativa, afronta a literalidade do art. 231 e parágrafos da Constituição da República, como foi demonstrado ao longo da nota técnica.
Segundo o ISA, ainda há um déficit de demarcação de territórios indígenas nos termos da Constituição Federal. Como aponta o dossiê produzido pelo ISA e entregue aos candidatos a presidente da República em 2018, existem no Brasil 717 Tis [terras indígenas], sendo que mais de 67% delas já foram homologadas, restando um passivo de cerca de 33% de áreas a ser reconhecidas completamente. Além disso, ainda de acordo com o dossiê do ISA, existem 30 processos na Casa Civil sobre quilombos prontos para ser finalizados.
A proposta foi revista no âmbito da votação da MP 870 pela Câmara e pelo Senado. Não fosse uma forte mobilização dos povos indígenas, organizações parceiras e servidores da Funai, esse retrocesso teria se consolidado.
Enfraquecimento do ICMBio e ameaças em relação a parques e unidades de conservação
Os discursos contrários às unidades de conservação no Brasil entoados pelo então candidato à Presidência da República, fundamentados por dados comprovadamente equivocados começam a dar lugar aos primeiros movimentos deste governo. O primeiro passo foi nomear toda direção do órgão despida de caráter e rigor técnico, ignorando a cultura institucional adotada pelo instituto desde a sua fundação, quando seu primeiro presidente, Romullo Melo, foi selecionado em comitê de busca técnico e na sequência outros dirigentes também por mérito técnico.
O atual ministro, Ricardo Salles, tem feito duras críticas contra a criação e a gestão das unidades de conservação, mas apesar de todas as dificuldades sempre houve avanços no sentido da criação e da gestão das unidades de conservação (UCs). É sabido que uma das medidas mais efetivas para o controle do avanço do desmatamento ilegal sobre a Amazônia, entre 2003 e 2010, foi a criação de dezenas de milhões de hectares de Unidades de Conservação (e reconhecimento de Terras Indígenas) na área de fronteira do Desmatamento no Âmbito do PPCDam [Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal]. Aliás, estudos recentes demonstram que 35% dos territórios mais bem conservados no mundo estão em territórios de povos indígenas.
Com certeza o desafio da regularização fundiária é um dos maiores ainda não resolvidos no Brasil, mas o fato é que esse desafio ainda não superado não justifica as ameaças de desafetação ou de revisão dos limites em mais de 330 unidades de conservação ou simplesmente a entrega de sua gestão ao setor privado, descuidando da fiscalização, do monitoramento, da pesquisa e da educação ambiental funções “não terceirizáveis”, hoje sob responsabilidade do ICMBio.
Flexibilização de multas, cortes no Ibama e constrangimento à fiscalização
Em lugar de fortalecer seus órgãos executores, o atual ministro reiteradas vezes ecoa afirmações de caráter ideológico feitas pelo presidente da República sobre uma suposta indústria de multas e sempre censurando os órgãos e servidores públicos e nunca os infratores. Mais recentemente o presidente posou em um vídeo ao lado do senador Marcos Rogério (DEM-RO), afirmando que vai acabar com uma das ações mais efetivas no controle dos crimes e infrações ambientais, sobretudo em áreas remotas, que é o “perdimento dos bens”, medida prevista pela legislação mas condenada pelo atual governo.
Além disso, cortes nos orçamentos do Ibama e do ICMBio agravam ainda mais o cenário já crítico pelo clima de deslegitimação dos órgãos feita pelo seu líder maior, o ministro do Meio Ambiente.
No rumo de criar “facilidades” para anular multas e sanções administrativas contra infratores, o presidente criou mais uma instância para “negociação”, ou um “Núcleo de Conciliação” de multas ambientais, dando vazão à sua promessa de bloquear as ações dos órgãos ambientais.
Sabe-se que hoje o que existe na verdade é uma indústria de recursos e de procrastinação contra o pagamento das multas. São inúmeros recursos, inclusive judiciais, que fazem com que as ações de comando e controle sejam falhas. Sabe-se que a impunidade é um dos maiores estímulos ao crime e à infração ambiental e infelizmente mais uma instância de negociação vai somente criar ainda mais facilidades para os infratores ambientais e criar um vazadouro por onde tenderão a desaparecer as autuações por absoluta falta de transparência e controle social sobre tal mecanismo.
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