Foi numa quarta-feira, dia 23 de junho, que um acuado Ricardo Salles, enquadrado por investigações que o acusavam de obstruir fiscalizações contra madeireiros na Amazônia se dirigiu ao Palácio do Planalto e anunciou sua demissão como ministro do Meio Ambiente. Seu substituto estava tão pronto que assumiu a pasta no mesmo dia: Joaquim Leite começava ali uma gestão que, na visão de quem lida diretamente com a pasta, é caracterizada até hoje por um quase silêncio absoluto do ministro, que aparece pouco em eventos externos e pouco fala.
Pessoas que lidam diretamente com seu trabalho na pasta nestes quase dois meses e buscam articulação no Parlamento dizem que o silêncio é estratégico, e apontam para a manutenção da mesma política adotada durante a gestão de Salles à frente do Meio Ambiente.
Assim como em outros ministérios que sofreram alterações nos últimos meses, a impressão é que pouco importa quem o assumiu – é Jair Bolsonaro e seu círculo mais próximo quem dão as cartas na pasta. “É mais do mesmo”, pontua a líder do PSOL na Câmara e membra da frente ambientalista, Talíria Petrone (PSOL-RJ). “É o Salles com um novo nome e uma nova cara.”
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Mudanças cosméticas
Um servidor que ainda atua no Ministério – e que pediu para não ser identificado, por temer represálias de seus superiores – apresentou um quadro das mudanças que ocorreram com a troca dos ministros: o ex-policial militar Luís Gustavo Biagioni, que cuidava da Secretaria-Executiva da pasta, deu lugar a um civil, Fernando Wandscheer de Moura Alves. Sua formação, em áreas como o Direito e as Relações Internacionais, ainda passam longe dos focos da pasta.
A Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Administração, uma das principais da pasta, ficou no controle do antigo chefe de gabinete de Salles, Antônio Roque Pedreira Júnior.
Fora isso, o cenário não parece ter mudado muito. “Não houve qualquer ruptura. A gestão do novo ministro é um prolongamento da gestão do Salles”, resume o servidor. “Nunca tinha ouvido falar no Joaquim Leite. E continuo sem ouvir”, acrescentou.
A agenda do ministro incluiu uma viagem a Londres, capital inglesa, para uma reunião preparatória sobre a COP 26, Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas que ocorrerá em novembro em Glasgow, na Escócia.
Apenas uma vez, no início de sua gestão, Joaquim Leite recebeu repórteres do jornal Valor Econômico, seu único compromisso de agenda com imprensa. O ministério não respondeu aos questionamentos desta reportagem, fato corriqueiro na gestão anterior. Joaquim já esteve três vezes na região da Amazônia e uma no Pantanal de Mato Grosso do Sul, áreas marcadas por incêndios recordes nos últimos anos. Por duas vezes, o ministro conversou com representantes da indústria, e em uma, em 19 de junho, reuniu-se com ONGs. Há poucos dias, presidiu uma reunião do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
O servidor ouvido pela reportagem aponta que o padrão da troca do comando da pasta – de um altamente midiático Ricardo Salles para o altamente discreto Joaquim Leite – é a reprodução de um padrão que se vê na Esplanada com maior frequência. No Ministério das Relações Exteriores, o ex-chanceler Ernesto Araújo deu lugar a um também discreto Carlos Alberto França, que apesar de já ter comparecido a reuniões do Congresso, nem de longe guarda a verborragia do seu antecessor.
Tensão diminiu?
O deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), que coordena a Frente Ambientalista do Congresso Nacional, considera que, ainda sim, Joaquim Leite é um nome melhor que Salles – pois, mesmo calado, ainda assim não gera os problemas que o ex-ministro causava.
“O Ricardo Salles ficava criando tensões desnecessárias o tempo todo e literalmente acabando com muitas políticas públicas com tanta dificuldade”, ponderou. As tensões, que o deputado diz ter acontecido diariamente ou mais de uma vez por dia, realmente sumiram.
Não há, no entanto, comunicação com a pasta e com o novo chefe – tal como na gestão anterior. “Desde a mudança, os deputados da Comissão de Meio Ambiente estão tentando levar o ministro para dialogar na Câmara, para tratar notadamente a estratégia do ministério sobre a Cúpula do Clima”, explicou. “E toda a semana é protelada e adiado…E ninguém quer prender o ministro, nem nada contra ele: a sociedade de forma geral quer discutir qual vai ser a estratégia brasileira na Conferência.”
O deputado lamenta que, mesmo com a mudança, a pasta, de importância crítica por conta do agravamento das mudanças climáticas, continua sem capacidade de formular políticas públicas. Elas estariam vindo diretamente do Palácio do Planalto. “É uma decisão do governo, e não do próprio Joaquim”, afirmou o deputado, sobre as possíveis razões do silêncio do ministro. “Outros ministérios que estavam dando problemas se colocaram ministros e cortaram o microfone dele”.
Única parlamentar de origem indígena na Casa, Joenia Wapichana (Rede-RR), guarda críticas mais diretas ao novo responsável pela política ambiental no país. “Não nos coloca em dúvida, nos coloca em preocupação. Porque o desmatamento aumentou 5% na Amazônia – e a resposta? Nada efetiva”, diz a parlamentar, que passa a enumerar problemas: “O garimpo continua na mesma, não há uma política permanente para combater o desmatamento, e se vê que as normas ambientais e dos povos indígenas estão cada vez mais tuteladas. Então não há mudança efetiva.”
Joenia também adere ao coro de pessoas que desconhecem como pensa o ministro. “No dia que ele vier à Câmara, ele terá de mostrar qual é o plano de gestão dele em relação ao meio ambiente. Mas, até agora, não tivemos sinalização disto.”
Terceira via
Em um governo dividido comumente nas alas “ideológica” ou “militar”, Joaquim é um dos poucos que escapariam para uma terceira via, a dos ruralistas. Membro de uma família de fazendeiros, Joaquim, ou “Juca”, como é conhecido, tem produções na área de café orgânico, é apoiado pelos ruralistas e foi conselheiro da Sociedade Rural Brasileira (SRB) por 23 anos.
Ele é conhecido no meio ruralista como um dos mais antigos integrantes da SRB, na qual ocupou outros cargos de direção. Em 2020, a organização declarou apoio a Salles, quando foi divulgado o vídeo da reunião ministerial na qual o então ministro diz ao presidente Jair Bolsonaro que deveriam aproveitar o foco da imprensa voltado à pandemia e “passar a boiada”.
Rodrigo Agostinho considera que a formação do ministro deve ser superada em prol de questões mais urgentes. “O agro brasileiro precisa assumir um compromisso com a questão da sustentabilidade porque, com as mudanças climáticas, o Brasil não vai produzir nada. Vai ser uma grande caatinga de fora a fora”, alerta o parlamentar.
“Se a gente não proteger floresta, não tem chuva e não se tem agricultura”. Agostinho considera que este é um momento de transição desta mentalidade, mas “o ruralista ogro brasileiro é voz preponderante”. Caberá a Joaquim apontar para que lado sua gestão irá.
“Ele de fato é mais discreto. Ele faz menos estardalhaço e vista publicamente menos a camisa da destruição da natureza”, resume Talíria Petrone, que ainda busca ressaltar que tal atitude “não faz dele melhor que o Salles ou alguém mais aberto em defesa da natureza e de nossos povos originários.”
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