[vc_row][vc_column][vc_column_text]Leandro Barbosa, especial para o Congresso em Foco
Um dia antes de pegarmos a estrada para a Reserva Ambiental Municipal de Gran Mojos, no distrito de Beni, em Trinidad, cidade boliviana que faz fronteira com o estado de Rondônia, choveu por horas. Nem mesmo o extremo calor do dia seguinte, 38º C, foi suficiente para secar o percurso de terra que nos levaria ao encontro das araras-de-garganta-azul que vivem na região – era tanta lama, que ficamos atolados por cerca de 3h. Endêmicas da Bolívia, estima-se que apenas 250 delas vivam em liberdade no mundo. O avanço humano em seu habitat natural e o tráfico de animais são as principais ameaças à espécie que corre sério risco de extinção.
[foogallery id=”480173″]
No caminho para chegar à reserva, fica o Centro de Investigación de Especies Amenazadas – CIESA (Centro de Investigação de Espécies Ameaçadas). É pra onde diferentes espécies de araras são levadas pelo ministério do meio ambiente boliviano após serem resgatadas de alguma situação ilegal, como tráfico de animais ou criação doméstica. Fatidicamente, a maioria delas viverão em cativeiro para sempre, uma vez que já perderam a destreza da vida silvestre. As aves ficam em viveiros grandes rodeados de árvores, onde recebem alimentação balanceada e são acompanhadas diariamente por veterinários. Em cativeiro, a expectativa de vida delas tem sido de 60 a 70 anos – ainda não há estudos sobre o tempo de vida delas em liberdade. As araras-de-garganta-azul vivem separadas das outras espécies, em um lugar mais afastado da base do centro de investigação. O silêncio é condição primordial para se aproximar delas. Qualquer barulho fora do comum pode causar estresse. A proximidade de humanos é mínima, para que elas não se acostumem e isso atrapalhe um possível retorno à natureza.
Leia também
A população de araras-de-garganta-azul sempre foi pequena, o que torna a corrida contra a sua extinção ainda mais intensa. José Antonio Díaz Luque, diretor de conservação da Fundación Conservación Loros de Bolivia – CLB, organização ambiental que atua pela proteção de araras no país, explica que não há uma explicação categórica sobre isso, mas que alguns pesquisadores acreditam que seja devido à intervenção humana em seu habitat natural. “Por que já era uma espécie rara é um mistério, mas pode estar relacionado às características da espécie e sua capacidade de se adaptar a um habitat que foi alterado principalmente por humanos”.
Gabriel SchlickmannA reserva é o único lugar do mundo onde é possível ver as araras-de-garganta-azul em liberdade. Todo esforço dispensado hoje para protegê-la nem sempre existiu. Luque explica que os anos 70 e 80 foram cruéis para a espécie. Traficantes de animais a levaram à beira da extinção. Estima-se que cerca de mil exemplares da ave tenham sido traficados para fora da Bolívia. Embora pareça um número baixo, para uma ave rara não é. “Considerando seu pequeno tamanho populacional, o que o tráfico internacional conseguiu foi quase levá-la à extinção devido à alta taxa de extração de indivíduos da natureza”, me disse Luque.
Embora tenham conseguido controlar o tráfico, o impacto disso se arrasta até hoje. A reprodução da garganta-azul é lenta, o que dificulta a recuperação populacional da espécie. São poucos os artigos existentes sobre a ave, um deles, o Reproductive Parameters in the Critically Endangered Blue-Throated Macaw: Limits to the Recovery of a Parrot under Intensive Management (Parâmetros reprodutivos da arara-de-garganta-azul em risco crítico: limites para a recuperação de um papagaio sob manejo intensivo), aponta que as araras-de-garganta-azul acompanham os seus filhotes por um período longo de tempo, podendo ultrapassar até mesmo a próxima temporada de reprodução.
Além de tudo, são muitos os desafios para a sobrevivência dos filhotes. “São diversos fatores de risco: animais que podem comer os filhotes, ovos que não eclodem por causas desconhecidas, incêndios florestais promovidos pela pecuária e que acabam queimando palmeiras com ninhos”, afirma Luque. Outra situação apontada por ele, é um processo conhecido como redução de ninhada, em que os pais passam a alimentar apenas alguns filhotes do ninho. Para evitar a morte deles, a CLB acompanha os períodos reprodutivos e quando identifica situações de abandono passa a alimentar esses filhotes, na expectativa de que sobrevivam.
Em 2019, a Fundação CLB apresentou ao governo boliviano um estudo científico realizado em conjunto com outras instituições internacionais. Nele, a organização concluiu que existe uma variabilidade genética na população cativa que não foi encontrada na população selvagem. E apontou a necessidade de reinserir essas linhagens genéticas para o fortalecimento das aves que vivem em liberdade. Para isso, o governo boliviano iniciou uma investigação com cooperação internacional para o resgate e repatriamento da espécie. “O principal objetivo da repatriação é a recuperação do patrimônio natural do povo boliviano, para que, posteriormente, e com base na análise de especialistas nacionais e internacionais, seja definida em consenso a melhor estratégia para a recuperação populacional da espécie na fauna silvestre e sua restauração genética”, explica Luque. Atualmente, cerca de 35 aves encontradas nos EUA, Canadá e Inglaterra aguardam o fim da pandemia para retornarem à Bolívia, e viverem em Beni, outra vez.
E a culpa é de quem?