As revelações de Glenn Greenwald têm motivado um conjunto de análises e apostas. Não há dúvida sobre a gravidade dos diálogos, nem sobre o interesse público na divulgação.
O normal seria o afastamento de Moro e Dalagnoll. Mas o Brasil vive uma situação de normalidade?
Bolsonaro foi eleito saudando o torturador Brilhante Ustra em alto e bom som. Defendeu durante o processo eleitoral aniquilar os “inimigos da pátria”. Fez da arma seu símbolo de campanha. Sempre tratou seus opositores como bandidos.
Jamais escondeu seu compromisso frágil com a democracia. Pode-se dizer tudo, menos que o povo não sabia em quem votava.
Diante disso, o que são as revelações do Intercept perto da legitimação pelas urnas da violência política? Se a tortura é relevada, qual a importância de um suposto conluio entre agentes públicos para pegar “corruptos poderosos”?
Ainda existem no Brasil instituições com coragem para adotar posições contramajoritárias ou viramos espectadores de um grande Coliseu, aguardando o “incêndio do Reichstag”?
O golpe fraturou a sociedade. Quando questionou o resultado das urnas e fez do impeachment bandeira, Aécio Neves não tinha noção do ovo da serpente que chocava. Os partidos caíram junto com Dilma, asfaltando o caminho do obscurantismo.
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A democracia é legitimada no reconhecimento da importância do adversário e na defesa da sacralidade das regras. Os partidos são os guardiões contra tiranos que ameacem as instituições. Sem partidos não há Estado Democrático de Direito.
É fato que as revelações do Intercept queimaram uma “gordura” de Moro. E uniram de vez a Lava Jato com o governo. O ministro passou de apoiador a dependente de Bolsonaro.
Se não surgir nenhuma nova bomba, o mais provável é que nada mude no governo. Seria burrice Bolsonaro demitir Moro. Perde apoio de uma base sem ganhar nada em troca.
O episódio pode, inclusive, acabar virando um sinal claro de que a população apoia quaisquer meios para que os fins prometidos sejam alcançados. Conluios entre políticos e empresários quebraram o país? “Agora são conluios do bem, para defender a nação”.
Parte da elite e do sistema político apoiou essa aventura pensando ser capaz de domá-la.
Analistas diziam que era questão de tempo. A realidade iria “naturalmente se impor” ao capitão. Os ataques às instituições continuam e, até o momento, não há qualquer sinal de retomada do presidencialismo de coalizão.
Teremos PIB negativo ou próximo de zero este ano. Os mesmos analistas dizem que esse será o ponto de inflexão do governo. A população culpará o presidente, que, fraco, terá que se recompor com a política e com as instituições. Será?
Que tal culpar a política e a democracia pela crise, “entulhos que impedem a revolução que o país necessita e a população tanto almeja?”
O jornalismo brilhante de Glenn Greenwald pode estar batendo na parede sombria que divide o Brasil neste momento. Ao invés de Moro e Deltan, o que parece estar sendo cozido em fogo brando é a democracia.
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