Vanessa Affonso Rocha *
A Advocacia-Geral da União tem uma ampla gama de atuação, em linha com o disposto no art. 131 da Constituição Federal. Esse leque de atuação inclui a representação de agentes públicos federais que tenham praticados atos no legítimo exercício de suas atribuições constitucionais, legais ou regulamentares.
Essa atribuição está expressamente prevista para o âmbito judicial no art. 22 da Lei n. 9.028, que é do já longínquo ano de 1995[1]. Ou seja, trata-se de uma atribuição que é realidade há mais de 20 anos. E os parágrafos do art. 22 deixam claro que a representação pela AGU se estende também aos ex-agentes públicos federais, bem como “aos designados para a execução de regimes especiais” das Leis a que se refere e, em especial, “aos militares das Forças Armadas e aos integrantes do órgão de segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, quando, em decorrência do cumprimento de dever constitucional, legal ou regulamentar, responderem a inquérito policial ou a processo judicial”.
O rol de agentes que podem ser representados judicialmente pela AGU está na Portaria n. 408/AGU, de 2009[2], in verbis:
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Art. 3º A AGU e a PGF poderão representar em juízo, observadas suas competências e o disposto no art. 4º, os agentes públicos a seguir relacionados:
PublicidadeI – o Presidente da República;
II – o Vice-Presidente da República;
III – os Membros dos Poderes Judiciário e Legislativo da União;
IV – os Ministros de Estado;
V – os Membros do Ministério Público da União;
VI – os Membros da Advocacia-Geral da União;
VII – os Membros da Procuradoria-Geral Federal;
VIII – os Membros da Defensoria Pública da União;
IX – os titulares dos Órgãos da Presidência da República;
X – os titulares de autarquias e fundações federais;
XI – os titulares de cargos de natureza especial da Administração Federal;
XII – os titulares de cargos em comissão de direção e assessoramento superiores da Administração Federal;
XIII – os titulares de cargos efetivos da Administração Federal;
XIV – os designados para a execução dos regimes especiais previstos na Lei nº 6.024, de 13 de março de 1974, nos Decretos-Lei nºs 73, de 21 de novembro de 1966, e 2.321, de 25 de fevereiro de 1987;
XV – os militares das Forças Armadas e os integrantes do órgão de segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, quando, em decorrência do cumprimento de dever constitucional, legal ou regulamentar, responderem a inquérito policial ou a processo judicial;
XVI – os policiais militares mobilizados para operações da Força Nacional de Segurança; e
XVII – os ex-titulares dos cargos e funções referidos nos incisos anteriores.
O art. 131 da Constituição é expresso ao prever para a AGU as atividades destinadas à representação judicial e extrajudicial da União, bem como as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo federal. Portanto, por aplicação analógica do art. 22 da Lei n. 9.028/1995, entende-se que também cabe à AGU a representação extrajudicial destinadas a agentes e ex-agentes públicos federais, nos mesmos termos do que a Lei prevê para a representação extrajudicial.
É daí que ressai a recente Portaria n. 42, assinada pelo Consultor-Geral da União e publicada em 26 de outubro de 2018[3], mas que foi antecedida por normas de teor similar e que já viabilizavam a representação extrajudicial de agentes e ex-agentes públicos federais pela AGU. Essas normas, e em especial a Portaria n. 42 que foi recentemente editada[4], disciplinam a representação extrajudicial da União e também dos agentes e ex-agentes públicos federais. O rol de agentes que podem ser representados extrajudicialmente pela AGU corresponde ao rol da representação judicial, já transcrito acima.
A representação de agentes e ex-agentes públicos federais pela AGU ocorre após um exame da AGU sobre o ato praticado, para que se resguarde que a prática se deu em exercício estrito e legítimo das atribuições do agente. Isso está regulado expressamente nas Portarias já indicadas, e visa exatamente garantir que a AGU, como Instituição de Estado que é, somente atue na defesa de atos legítimos e que tenham sido praticados sob o manto da legalidade. Além disso, está previsto que a representação do agente ou ex-agente pela AGU depende que o interessado opte por isso, ou seja, opte por ser representado pela AGU, declarando expressamente que não constituiu advogado para a sua defesa.
Percebe-se, pois, que a representação, judicial e extrajudicial, de agentes e ex-agentes públicos federais pela AGU já é uma realidade posta há décadas. Portanto, não há novidade material na redação apresentada pela Medida Provisória n. 870, de 1º de janeiro de 2019[5], cujo artigo 73 alterou a Lei n. 11.473, de 2007, para prever que “os integrantes da Secretaria Nacional de Segurança Pública, incluídos os da Força Nacional de Segurança Pública, os da Secretaria de Operações Integradas e os do Departamento Penitenciário Nacional que venham a responder a inquérito policial ou a processo judicial em função do seu emprego nas atividades e nos serviços referidos no art. 3º serão representados judicialmente pela Advocacia-Geral da União”.
Em outras palavras, não havia necessidade de se prever, na Medida Provisória que inaugurou o Governo atual, o que já estava previsto em normas anteriores e que já datam de décadas. O que há é tão-somente a necessidade de se reforçar as normas já existentes, em especial pela sua adequada divulgação entre os interessados. A divulgação acabou por ocorrer, mas tratando-se como alteração legislativa o que na realidade era apenas repetição do que já havia.
Mas a questão ganhou novos contornos com a recentíssima edição da Medida Provisória n. 872, de 31 de janeiro de 2019[6]. O art. 2º dessa norma alterou novamente a Lei n. 11.473, de 2007, reiterando a atribuição da AGU para a representação judicial e extrajudicial dos agentes e ex-agentes públicos, mas com acréscimo de relevante confusão em seus termos. Para visualização adequada, afigura-se oportuno transcrever os termos da alteração de que ora se trata:
Art. 2º A Lei nº 11.473, de 10 de maio de 2007, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 5º …………………………………………………………………………………………………………..
……………………………………………………………………………………………………………………………..
- 11.Os integrantes da Secretaria Nacional de Segurança Pública, incluídos os da Força Nacional de Segurança Pública, os da Secretaria de Operações Integradas e os do Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que venham a ser investigados ou processados em função do seu emprego nas atividades e nos serviços referidos no art. 3º poderão ser representados pela Advocacia-Geral da União, nos termos do disposto no art. 22 da Lei nº 9.028, de 12 de abril de 1995, ou pela Defensoria Pública da União, na hipótese de hipossuficiência ou vulnerabilidade, nos termos da lei.
Inicialmente, interessa salientar que a Medida Provisória n. 872 conta com referendo apenas do Ministro de Estado da Economia, Paulo Guedes, e do Advogado-Geral da União, André Luiz Mendonça, que também assinam em conjunto a exposição de motivos. Impossível não perceber e destacar a ausência do Ministro de Estado da Justiça, que também deveria referendar a medida, uma vez que a alteração de que ora se trata diz respeito a matéria afeta àquela Pasta.
O referendo ministerial é ato previsto no art. 87, I, da Constituição Federal, que traz como atribuição dos Ministros de Estado o ato de “referendar os atos e decretos assinados pelo Presidente da República”. Embora entenda-se que não há nulidade pela ausência do referendo ministerial, é certo que a sua presença reforça o lastro político do ato, daí a importância de se pontuar aqui a ausência do referendo do Ministro de Estado da Justiça na Medida Provisória n. 872, de 2019.
Ultrapassada essa questão preliminar, é impositivo reconhecer que o texto atribuído pela Medida Provisória n. 872 ao § 11 do art. 5º da Lei n. 11.473/2007 é deveras impróprio e confuso.
O texto legal reforça a atribuição da AGU para representar os agentes públicos que ali enuncia, o que é desnecessário em razão da já existência de normas para esse fim, conforme já se pontuou neste texto. Mas a parte final confunde o tema, ao se referir à representação de agentes públicos pela Defensoria Pública da União “na hipótese de hipossuficiência ou vulnerabilidade”.
É deveras difícil visualizar o que se pretendeu com a alteração levada a cabo, e a exposição de motivos da MP 872 não contribui para esse esclarecimento. Com efeito, a exposição de motivos limita-se a dizer que a alteração em apreço “visa esclarecer e delimitar as atribuições da Advocacia Geral da União e da Defensoria Pública da União na representação judicial dos integrantes da Secretaria Nacional de Segurança Pública, incluídos os da Força Nacional de Segurança Pública, os da Secretaria de Operações Integradas e os do Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que venham a ser investigados ou processados”. Ocorre que, consoante já se consignou, o que o texto legal não gerou esclarecimento, mas, ao revés, gerou potencial confusão e incompreensão.
Já se deixou claro aqui que todo agente e ex-agente público federal que tenha agido no exercício regular e legítimo de suas atribuições funcionais terá direito à representação, judicial e extrajudicial, pela AGU. Para tanto, basta que faça essa opção, ao não constituir advogado próprio. Diga-se, por importante, que servidores estaduais e municipais que tenham atuado em prol da Administração Pública Federal, por cessão ou por cooperação interfederativa como a prevista pela Lei n. 11.473/2007, são naturalmente considerados agentes, ou ex-agentes, públicos federais para fins da representação potencial pela AGU.
Considerada essa premissa, deve-se ainda considerar que a MP 872 não tem a pretensão de afastar ou restringir a possibilidade de representação de agentes e ex-agentes públicos federais pela AGU. Portanto, tendo em conta esse quadro, é impositivo reconhecer que a redação normativa se apresenta confusa e de difícil compreensão.
Se a MP 872 não quis restringir a representação de agentes e ex-agentes públicos federais pela AGU, então mantém-se a lógica de que todo e qualquer agente que se enquadre nessa condição terá direito à representação pela AGU, bastando que reúna os requisitos e opte por isso. Então, a questão é saber do que se trata a ressalva do final do § 11 dada pela MP 872, quando se refere à Defensoria Pública da União.
A Defensoria Pública da União é Instituição de Estado e Função Essencial à Justiça vocacionada à prestação de serviços de orientação jurídica e defesa, judicial e extrajudicial em todos os graus, aos necessitados. Assim, todo e qualquer cidadão que necessitar da assistência de advogado e se enquadrar nos requisitos legais e regulamentares para o atendimento pela Defensoria Pública da União fará jus a esse serviço público essencial. Não há, pois, qualquer necessidade de que nova lei, no caso a MP 872, preveja a assistência pela Defensoria Pública da União aos agentes e ex-agentes públicos federais que se enquadrarem na condição de “hipossuficiência ou vulnerabilidade”. Esse já é um direito suficientemente previsto na legislação de regência do tema, e a questão ganha contornos mais excêntricos pela remissão aos “termos da lei”, ao final da redação atribuída ao § 11.
A utilização da Defensoria Pública da União para defesa de agentes e ex-agentes públicos por atos praticados no exercício de suas funções terá cabimento em duas hipóteses. A primeira ocorre em caso de opção do interessado hipossuficiente, que poderá optar pela Defensoria em lugar da AGU, assim como qualquer interessado pode optar pela constituição de um advogado particular. A segunda é em caso de recusa da AGU à representação pleiteada, por ausência dos requisitos necessários, caso em que o interessado hipossuficiente poderá se socorrer da Defensoria Pública da União, assim como qualquer interessado poderá se socorrer de advogado particular. Esses casos já estão enquadrados nas hipóteses legais de atuação já existentes, e a redação da MP 872 nada acrescenta de esclarecedor ou explicativo, trazendo, ao revés, potencial confusão para o tema.
Ante todo o exposto, conclui-se que que a representação judicial e extrajudicial de agentes e ex-agentes públicos federais pela Advocacia-Geral da União já está suficientemente prevista na legislação de regência há muitos anos, décadas até, de modo que a previsão contida no artigo 73 da Medida Provisória n. 870, de 1º de janeiro de 2019, é redundante e, portanto, desnecessária, apesar da potencial intenção de reforço e esclarecimento. Já o art. 2º da Medida Provisória n. 872, de 31 de janeiro de 2019, não apenas acrescenta nada como tem potencial de trazer confusão ao tema, mostrando-se, pois, prejudicial, e ensejando a expectativa de que não seja confirmado pelo Congresso Nacional.
[1] Disponível em http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/LEIS/L9028.htm .
[2] Disponível em http://www.agu.gov.br/page/atos/detalhe/idato/188243.
[3] Disponível em http://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/47330151/do1-2018-10-26-portaria-n-42-de-25-de-outubro-de-2018-47329977.
[4] A AGU ostenta uma divisão interna em carreiras que faz que o Consultor-Geral da União não tenha atribuição sobre os órgãos de execução da AGU que atuam perante as entidades da Administração Federal Indireta. Por isso a Portaria n. 42/CGU/AGU, de 2018, refere-se apenas à Administração Direta e a seus agentes e ex-agentes. Essa divisão de carreiras é objeto de críticas internas de Membros e entidades representativas da AGU, em especial da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais – ANAFE, que defende a chamada unificação de carreiras da AGU como medida de racionalização e eficiência institucional. Para saber mais sobre o tema, sugere-se o acesso a https://www.conjur.com.br/2016-mai-12/vanessa-affonso-rocha-reducao-ministerios-agu.
[5] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Mpv/mpv870.htm.
[6] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Mpv/mpv872.htm.
* Advogada da União, ex-consultora jurídica da União no Tocantins e ex-consultora jurídica substituta junto ao Ministério da Saúde. Atua no Departamento de Assuntos Extrajudiciais da Consultoria-Geral da União (CGU) e cursa mestrado em Ciências Jurídico-Políticas na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
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