Heitor Scalambrini Costa*
No atual governo de extrema direita, vencedor das últimas eleições presidenciais, ressurgiu com grande ímpeto a lenda de que o Brasil precisa construir usinas nucleares para atender a demanda nacional por energia elétrica. Chegam alguns até em afirmar que sem tais usinas os apagões serão frequentes.
Outros argumentos, considerados “mais técnicos” vindo de “especialistas”, afirmam categoricamente que o Brasil precisa de energia firme, aquela ininterruptamente fornecida por usinas, sem as interrupções que ocorrem naturalmente quando a energia elétrica é produzida pelo sol e pelos ventos. E aí, dizem que a energia nucleoelétrica é insubstituível. Esquecem que sistemas energéticos renováveis podem ser complementares entre si, e que tecnologias existem para tal. Sol durante o dia e ventos a noite, ou ainda usinas térmicas à biomassa complementando com energia solar e eólica. Também a energia hidráulica associada com a energia solar, energia eólica e com usinas à biomassa. E assim arranjos híbridos possíveis para atender uma matriz elétrica sustentável.
Tais “especialistas” são os mesmos que, antes do desastre de Fukushima, afirmavam que acidentes com liberação de material radioativo não aconteceriam diante dos avanços tecnológicos desta tecnologia de produzir energia elétrica. E aí aconteceu o pior acidente possível em uma usina nuclear, a falta de refrigeração do núcleo de um reator, e consequentemente a liberação de grandes quantidades de material radioativo para a água-terra-ar.
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Na ânsia de justificar o injustificável, de que o país realmente necessita construir usinas nucleares em seu território, tais “nucleolóides” acabam tentando enganar a opinião pública, agindo de forma irracional e irresponsável. Agem e utilizam a falta de conhecimento, de informações que a população tem sobre a gravidade que as usinas nucleares representa para a vida em nosso planeta. São na verdade verdadeiros representantes dos “negócios do nuclear”.
Em nosso país somente 2.000 MW de potência nuclear foram instalados (Angra I e Angra II), diante de mais de 150.000 MW existentes, somando todas as usinas de produção de eletricidade. As fontes renováveis, solar e eólica, representam hoje uma potência instalada de 15.000 MW da matriz elétrica. Com a possibilidade de grande crescimento real para atender domicílios, condomínios, pequenos comércios e indústrias, agroindústrias rurais, etc. O que se tem verificado nos últimos anos é o crescimento da geração descentralizada que tem aportado aos municípios brasileiros atividades econômicas que geram emprego e renda.
Ou seja, a potência nuclear instalada é ínfima, e assim deve continuar diante dos riscos incomensuráveis que tais instalações representam. Ainda mais quando se fala na instalação de usinas nucleares no Rio São Francisco, rio da integração nacional. Imaginem então um desastre com o vazamento de material radioativo atingindo toda a bacia hidrográfica deste rio. E como ficariam os quase 20 milhões de brasileiros que dependem diretamente e indiretamente do véio Chico?
Um desastre nuclear é possível de ocorrer, e a única forma de evitá-lo é não construir tais usinas. A falta delas não interfere no abastecimento de energia elétrica, nem na segurança energética do país.
Depois de tragédia em Fukushima vários países retrocederam nas decisões de construírem novas usinas nucleares, mesmo de abandonarem tal tecnologia. Atualmente esta discussão está sendo travada em países que dependem da nucleoeletricidade como a França e o Japão. A Alemanha já abandonou novas construções, e a partir de 2022 fechará as usinas existentes. Na Itália, em 2011 um plebiscito popular decidiu pela não construção de novas usinas nucleares. A Bélgica e Suíça engrossam as fileiras de países que estão fechando progressivamente suas usinas nucleares.
Portanto, a discussão sobre a construção ou não de usinas nucleares em nosso país é uma pauta atual, e deve ser amplamente discutida pela população. Não devemos aceitar que decisões que afetem diretamente milhares e milhões de pessoas, inclusive impactando as gerações futuras devam ser tomadas de forma autocrática, sem discussões democráticas.
Os graves acidentes de Three Mile Island em 1979, de Chernobyl em 1986, de Fukushima em 2011; e mais atualmente a minissérie Chernobyl, na HB0, nos alertou sobre a real tragédia que representa um acidente nuclear. Portanto, mãos à obra para prevalecer o interesse popular de que não queremos usinas nucleares.
*O autor é professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco. Físico, graduado na Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP, com mestrado em Ciências e Tecnologias Nucleares na UFPE, e doutorado na Universidade de Marselha/Comissariado de Energia Atômica-França.
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