A deputada Tabata Amaral (PDT-SP) virou alvo de ataques nas redes sociais ao visitar o ministro da Educação, Milton Ribeiro, no último dia 16. A informação, divulgada por alguns sites, era de que ela havia ido a Milton pedir o retorno das aulas presenciais. Bombardeada à esquerda e à direita, Tabata foi às mesmas redes sociais esclarecer: não foi cobrar a volta das atividades em sala de aula, mas solicitar ao ministro que coordene um plano de retomada com estados e municípios, em linha direta com a sociedade civil e autoridades educacionais e sanitárias.
Nesta semana, Tabata foi uma das vozes mais contundentes nas críticas à previsão de uso de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e dos precatórios no financiamento do Renda Cidadã, programa social que deve suceder o Bolsa Família. Em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, a deputada deixa claro que considera o governo Bolsonaro covarde e omisso.
Cientista política e astrofísica formada pela Universidade de Harvard, a parlamentar de 26 anos diz que o país corre sério risco de chegar ao fim do ano sem uma alternativa ao auxílio emergencial e com indicadores assustadores de evasão escolar devido à falta de coragem do governo em assumir sua responsabilidade no enfrentamento da crise provocada pela pandemia.
“Que país é este que tira dinheiro da educação para financiar um projeto de complemento de renda quando nunca encarou os supersalários que existem?”, questiona. “Isso é uma covardia”, considera. Segundo Tabata, o Congresso não vai aceitar retrocessos na educação e, a exemplo do que fez em julho, rejeitará a proposta de “desvio de recursos” da principal fonte de financiamento da educação – conforme decisão da relatora da PEC do Fundeb, deputada Professora Dorinha (DEM-TO).
Na terça-feira, a parlamentar apresentou pedido para que sejam retomadas as atividades das comissões que discutem a inclusão na Constituição de programas de transferência de renda e o projeto que amplia o alcance do Bolsa Família. “Esta é a matéria mais urgente que a gente tem. O auxílio emergencial acaba em dezembro. A gente vai colocar o quê no lugar?”
A deputada demonstra incredulidade com o comportamento do Ministério da Educação no gerenciamento da pandemia. O ministro Milton Ribeiro tem repetido que não cabe a ele participar das discussões sobre a volta das aulas presenciais por considerar que o assunto é de responsabilidade de prefeitos e governadores. Tabata reconhece que a decisão cabe a estados e municípios, mas considera inconcebível a omissão do ministério no processo.
Publicidade“Nesse contexto todo, ouvir do ministro da Educação que não é papel dele pensar na conectividade dos alunos, que não é papel dele coordenar a discussão sobre como a gente pode ter uma retomada segura, que não é papel dele coordenar esses esforços… Se não é papel do MEC, não sei de quem é.”
A pedetista defende a elaboração de um plano de retomada opcional, que permita a volta de estudantes, professores e funcionários que se sentirem seguros, mas que também possibilite o acesso virtual às atividades de sala de aula a quem não compartilhar da mesma sensação. “Tudo isso demora para ser planejado, custa dinheiro. Para a alegria dos candidatos a prefeito que não querem lidar com essa complexidade agora, enquanto ignoramos o que está acontecendo, estamos dizendo não para o futuro de milhões de estudantes”, afirma.
Para a deputada, diante da omissão do governo, tanto o futuro do auxílio emergencial e do novo programa social quanto a volta segura de crianças e jovens à sala de aula estão nas mãos do Congresso. E, para que o desfecho seja positivo, será preciso que a sociedade se mobilize. “Conto muito com a sociedade porque infelizmente a gente não pode contar com o MEC. A gente vai ter de suprir esse vácuo no Congresso.”
Na segunda-feira, 17h30, a deputada participa de uma live do Congresso em Foco para debater o uso de recursos do Fundeb no financiamento do programa Renda Cidadã.
Veja a íntegra da entrevista:
Congresso em Foco – O presidente Jair Bolsonaro disse que não ia tirar dinheiro de pobre para dar para paupérrimo ao suspender o Renda Brasil. A senhora vê contradição na proposta do governo de usar recursos do Fundeb no novo Bolsa Família?
Tabata Amaral – Só há contradições. O governo está dando voltas há meses sem sair do lugar. É muito provável que a gente chegue ao final do ano, veja o fim do auxílio emergencial e não tenha nenhuma solução construída para milhões de famílias que ficarão desamparadas. É um risco muito grande. O governo vem a público bater cabeça e não consegue ir para frente. O governo não está disposto a enfrentar o X da questão. O governo não tem coragem de se comprometer com a reforma tributária, não tem coragem de enfrentar supersalários dos altos escalões do serviço público, não tem coragem de fazer algo que seja politicamente difícil, mas necessário neste momento. O governo está focado na construção desse projeto, que também é importante para a reeleição do Bolsonaro, mas não está disposto a cortar privilégios para que o projeto possa ser financiado.
Quais são essas contradições?
Num dia tenta tirar dinheiro da educação e não consegue porque a gente derrota essa proposta no Congresso. No outro dia dizem que vão só renomear o Bolsa Família. No terceiro dia, dizem que não vão fazer essa discussão porque deu confusão. Agora tentam mais essa manobra com os precatórios, que é um calote, com uso inconstitucional, pura e simplesmente porque não querem enfrentar esses privilégios. Estou com muito medo do que está acontecendo. Estou trabalhando para que o Congresso tenha coragem e a firmeza que demonstrou ano passado, com a agenda social, de construir uma solução suprapartidária e de Estado. Senão, a gente fica refém de um governo que não tem ideia do que está fazendo.
O Congresso rejeitou reservar recursos do Fundeb para programa social durante a tramitação da PEC. O cenário agora mudou? A senhora vê chance de a proposta ser aprovada?
Exatamente, esse foi o cerne das discussões das quais participei. O governo via no Fundeb a possibilidade de burlar o teto de gastos e financiar o Renda Brasil. Mas se a gente tem qualquer sonho ou vontade de um dia ver este país ser justo e desenvolvido não é da educação pública que vamos desviar, pelo amor de Deus. Isso é uma covardia. Descabido. Da mesma forma que o governo perdeu no voto, perdeu na sociedade vai perder novamente. Que país é este que tira dinheiro da educação para financiar um projeto de complemento de renda quando nunca encarou os supersalários que existem?
Pode ter mudado algo de lá para cá? A senhora vê chance de aprovação de retirada de recurso do Fundeb?
De jeito nenhum. A sociedade precisa saber que a gente não vai aceitar nenhum retrocesso na educação. Espero que o governo encontre uma fonte de receita para financiar o programa, mas que seja de uma forma responsável, mas não vai ser da educação não. Fico angustiada, triste revoltada, mas não estou preocupada, pelo tudo o que vi que a gente fez na mobilização pelo Fundeb.
O Congresso ainda tem de aprovar este ano a regulamentação do Fundeb. Essa proposta do governo pode contaminar as discussões sobre o projeto?
Espero que não contamine. A PEC jogou as diretrizes do que deve ser o novo Fundeb. O trabalho agora com a regulamentação é de esmiuçar. Quais são os critérios, as boas práticas que queremos incentivas. Acredito que a regulamentação seja mais fácil. Talvez a gente enfrente a falta de priorização, já que o texto tem de ser aprovado até o final do ano. Não há espaço para manobra no texto de regulamentação. Da mesma forma que a gente se organizou para aprovar o Fundeb, tenho certeza de que a gente vai se mobilizar para aprovar a regulamentação.
Ao lado de colegas, a senhora pediu nesta semana ao presidente Rodrigo Maia a reabertura das comissões para discutir a PEC que constitucionaliza os programas de transferência de renda e o projeto que amplia o alcance do Bolsa Família. Essa mobilização começa por aí?
Ano passado nos construímos uma agenda social que teve como autores deputados de quase todos os partidos. Essa agenda começou a ser construída em abril, foi apresentada ao longo do ano como resultado de amplo debate. Foram constituídas comissões especiais para que o debate pudesse ser ampliado e continuado. São projetos suprapartidários que fazem do Bolsa Família uma política de Estado, que ampliam, modernizam, que dão oportunidade de a gente trazer o debate para criar projeto de renda básica. Não dá para a gente dispensar tudo isso que foi construído de forma técnica e suprapartidária e seriedade quando o governo não sabe o que está fazendo. A gente apresentou requerimento para que as comissões voltem a funcionar, da mesma forma que a Câmara e o Congresso e a reforma tributária estão funcionando. Esta é a matéria mais urgente que a gente tem. O auxílio emergencial acaba em dezembro. A gente vai colocar o quê no lugar?
A senhora esteve com o ministro Milton Ribeiro, da Educação, e foi criticada tanto pela esquerda quanto por bolsonaristas. Como deve ser a volta das aulas presenciais? Como isso deve ocorrer?
A decisão da volta às aulas é pura e simplesmente dos governadores e prefeitos. O que a gente quer é que o papel do MEC seja de coordenar essa discussão, apoiar as redes menores, com menos recursos. Não dá para imaginar que 26 estados, o Distrito Federal e 5,6 mil municípios, cada um caminhe em uma direção, com sua diretriz e seu protocolo. Isso vai gerar um caos total. Minha angústia é ver que a evasão escolar vai aumentar. Um terço dos jovens diz que não considera voltar ao ensino médio; 53% dizem que não estão mais aprendendo. Um de cada cinco jovens não recebeu nenhuma atividade escolar. Nesse contexto todo, ouvir do ministro da Educação que não é papel dele pensar na conectividade dos alunos, que não é papel dele coordenar a discussão sobre como a gente pode ter uma retomada segura, que não é papel dele coordenar esses esforços… Se não é papel do MEC, não sei de quem é.
De quem poderia ser?
A própria LDB [Lei de Diretrizes e Bases] diz que é sim papel do MEC coordenar e apoiar as redes mais vulneráveis. Meu receio, que está se concretizando é que a gente vai ver um aumento gigantesco da evasão, do abandono escolar, quando a gente deveria estar construindo um plano de retomada opcional, para que aqueles professores e alunos que se sentissem seguros voltassem. Com distanciamento, com revezamento das turmas, um modelo híbrido em que alguns alunos participem de forma online e outros de forma presencial. Tudo isso demora para ser planejado, custa dinheiro. Para a alegria dos candidatos a prefeito que não querem lidar com essa complexidade agora, enquanto a gente ignora o que está acontecendo, a gente está dizendo não para o futuro de milhões de estudantes. [Quanto às críticas] tenho compromisso muito maior com esses estudantes do que com pessoas que estão em redomas para criticar qualquer pessoa que saia um pouquinho do rótulo, qualquer pessoa que discorde delas, na verdade.
Não há chance de haver protagonismo do MEC nessa retomada?
O próprio ministro falou em entrevista que não é papel dele. O que a gente faz diante disso? Sou coautora com vários paramentares de um projeto que tenta organizar a volta às aulas, sou coautora de outro projeto que leva a conectividade para todos os alunos e professores da escola pública. Estou trabalhando, dia sim dia não, junto a ministérios e parlamentares para que a gente aprove esses projetos. Conto muito com a sociedade porque infelizmente a gente não pode contar com o MEC. A gente vai ter de suprir esse vácuo no Congresso.
Dá para contar com o Congresso?
A gente aprovou um Fundeb histórico, colocou na Constituição Federal um Fundeb maior, mais redistributivo e que, pela primeira vez, olha para a qualidade. Tenho esperança de que a gente aprove esses projetos, isso só vem com muita pressão, muito trabalho, muita mobilização da sociedade. É o que a gente está fazendo e vai fazer com mais força nos próximos dias.
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