O conhecimento científico e as experiências de desenvolvimento de diversas nações demonstram que progresso e igualdade de oportunidades como princípio de justiça social dependem, primordialmente, de políticas públicas dirigidas à atenção integral à primeira infância, o período que vai da gestação até os seis anos de vida. É neste ciclo etário que a qualidade dos estímulos recebidos determina o desenvolvimento motor, neurológico, psicológico e cognitivo do ser humano.
Consensos globais foram estabelecidos em torno de direitos humanitários básicos que mobilizaram muita produção acadêmica e advocacy de organismos internacionais, além de financiamento e apoio técnico de bancos de desenvolvimento para que metas mais razoáveis sejam alcançadas. Graças a esses grandes entendimentos globais, foram estabelecidos indicadores relevantes, que servem para a tomada de consciência e, determinantemente, para a adoção de respostas públicas.
Dois desses indicadores civilizatórios são resultados desses esforços e evoluíram ao longo do tempo: as taxas de mortalidade infantil e de analfabetismo da população com 15 anos ou mais. Outros índices seguem em desenvolvimento. Há, nesse sentido, uma compreensão global de se priorizar políticas públicas para a primeira infância que adotam como alvos as crianças, suas famílias e o entorno comunitário.
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São diversos os trabalhos acadêmicos que demonstram o impacto individual e coletivo desses investimentos. O próprio Nobel de Economia James Heckman (EUA – 2000), grande estudioso do tema, concluiu que o retorno financeiro para cada dólar gasto em políticas de primeira infância é dos mais altos, além de uma estratégia de alta eficácia para se promover níveis maiores de produtividade e crescimento econômico. Heckman e outros estudiosos concluem que políticas públicas adequadas e estímulos favoráveis às crianças promovem ganho de vocabulário, melhor performance educacional, redução da evasão escolar, dos riscos de gravidez na adolescência e, muito fortemente, dos índices de criminalidade.
As boas experiências globais indicam que é fundamental a construção de políticas públicas que qualifiquem positivamente as experiências e os estímulos dessas crianças no ambiente doméstico, na escola e comunidade. A velha máxima sobre o direito de a criança aprender, brincar e ser feliz precisa valer de forma real nesses três ambientes.
Muitos novos programas de atenção à primeira infância têm sido testados e demonstrado eficiência. Por exemplo, programas que educam, em ambiente domiciliar, pais ou cuidadores a promoverem estímulos motor, afetivo e cognitivo das crianças, enquanto garante vínculos parentais mais sólidos. Se aplicam com outros que apoiam a renda e a segurança alimentar das famílias.
Já na dimensão educacional tem sido fundamental ampliar a responsabilidade pública para além do acesso à escola na idade certa. É necessário que, na educação infantil, tanto em creches como na pré-escola, sejam disponibilizados currículos adequadamente estruturados e com qualidade, profissionais bem treinados especificamente em primeira infância, além de conteúdo de fortalecimento das habilidades socioemocionais das crianças. Há ainda na saúde pública um conjunto de protocolos de ações de monitoramento e estímulo específico ao desenvolvimento infantil de 0 a 6 anos de vida.
Outro aspecto, na esfera comunitária, é a oferta de espaços públicos adequados à segurança viária das crianças, principalmente no entorno escolar, como também ações que possibilitem o direito às experiências lúdicas, gratuitas e seguras em ambientes públicos. Muitas outras experiências também têm se demonstrado potencialmente eficientes. O mais importante aprendizado acumulado dessas experiências é a necessidade de uma abordagem ampla e intersetorial à primeira infância, sempre envolvendo novas responsabilidades e prioridades para o poder público, além de uma nova consciência e responsabilidade das famílias e da sociedade civil sobre o destino de nossas crianças.
No Brasil, um dos países mais desiguais do mundo, o desafio é grandioso. Entretanto, muitas ações inovadoras, corajosas e comprometidas têm sido desenvolvidas por governos estaduais e municipais e apoiadas por diversas entidades do terceiro setor. Há atualmente uma rede de entidades comprometidas, fundamentais para se criar um outro nível de conhecimento e responsabilidade públicos.
Mesmo com tímido esforço do atual governo federal, são muitas as tentativas Brasil adentro. Exemplifico aqui o meu estado do Ceará. Tanto o governo do estadual quanto a Prefeitura de Fortaleza, apoiados por outros poderes e por uma grande rede de entidades do terceiro setor, além de universidades nacionais e internacionais, têm ampliado orçamentos públicos na área, desenvolvido projetos inovadores, criado legislações, engajando órgãos públicos específicos para o tema e desenvolvido campanhas na mídia para promover mais consciência pública.
Essas ações pontuais, desenvolvidas em diversas cidades e estados, são os primeiros passos necessários e mobilizadores de esperança quanto ao futuro nacional. Simplesmente não haverá superação das nossas graves desigualdades, tão aprofundadas nessa pandemia, se logo no início da vida, o estado e a sociedade não garantirem proteção, estímulos adequados e o acesso a direitos fundamentais e básicos.
Parece distopia ainda se retumbarem louvores à meritocracia em uma sociedade como a brasileira, onde talentos, sonhos, potenciais, autoestimas e autoconfianças são suprimidos já a partir do nascimento e na infância, pelas condições familiares, comunitárias e socioeconômicas. Mas não é hipotético, é fato. Precisamos reverter esse tipo de determinismo que a origem social impõe ao destino das crianças brasileiras. E, definitivamente, só faremos isso por meio de um grande pacto nacional pela primeira infância.
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