A presidenta da República costuma usar o termo “malfeito” para se referir a condutas eticamente questionáveis. Sob esse guarda-chuva, cabe a corrupção, ativa e passiva, o tráfico de influência e outros ilícitos, morais e penais. Ações absolutamente condenáveis. Pela opinião pública e, às vezes, pela opinião publicada. Ao gosto dos patrões.
Foi o caso da suposta participação do ex-ministro do Esporte Orlando Silva em um esquema de desvio de recursos do Programa Segundo Tempo envolvendo organizações da sociedade civil, em 2011. De acordo com a revista Veja, um ex-policial denunciou Orlando de ter recebido recursos do esquema. Pouco antes, o Ministério dos Esportes havia solicitado ao TCU o exame dos convênios com organizações presididas pelo ex-PM.
Vítima de um linchamento público, Silva caiu em outubro daquele ano. A presidenta acreditou na Veja ou não teve coragem para enfrentar o golpe contra um dos seus mais preparados quadros políticos. Poucos meses depois, em junho de 2012, a Comissão de Ética da Presidência da República inocentou Orlando Silva, arquivando o processo por “absoluta falta de provas”.
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Recentemente a mesma editora da revista que orquestrou a campanha contra Orlando Silva recebeu um contrato sem licitação no valor de R$ 2,5 milhões do Ministério da Educação. O contrato é um exemplo de ilícito, ético e penal, por absoluta evidência dos fatos.
Assinado no apagar das luzes de 2013, no dia 30 de dezembro, o contrato prevê a aquisição de assinaturas da revista Nova Escola, da Editora Abril, proprietária da Veja, tão empenhada no linchamento público em casos de corrupção envolvendo os adversários ideológicos. Mesmo dos supostos casos derrubados depois por absoluta falta de provas. É a atitude típica de acusar primeiro e esconder os fatos depois, quando não se provaram verdade.
Como justificativa para a ausência de licitação, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), recorreu ao artigo 25 da Lei 8.666/93, que prevê a inexigibilidade do certame quando houver inviabilidade de competição. Em 2008, o Ministério Público de São Paulo entrou com ação de improbidade administrativa contra os dirigentes do órgão homônimo paulista pela aquisição, também sem licitação, de 220 mil assinaturas da mesma revista. A função pedagógica proposta pela Nova Escola também é apresentada por outras publicações, como a Carta na Escola, da Editora Confiança. O MEC ignorou isso.
O contrato, evidentemente ilegal feito pelo Ministério da Educação, possui os mesmos vícios daquele do governo de São Paulo denunciado pelo MP em 2008. Agravado ainda pela aparência de maldade feita às pressas no último dia útil de 2013. Quem vai afirmar que a revista Nova Escola apresenta conteúdo único e exclusivo necessário à boa execução do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE)? O Ministério da Educação? A Presidência da República? Porque não havendo provas que justifiquem a dispensa da licitação, restará comprovado o malfeito. Trata-se da situação clássica de que ou se está enganado, ou enganando. Na justificativa apresentada, na melhor das hipóteses, o MEC está enganado.
Se o governo federal preza tanto pelo bom uso dos recursos públicos, deve dar uma resposta imediata à sociedade, com o cancelamento do contrato e a identificação e responsabilização dos envolvidos, os dirigentes do FNDE ou o próprio gabinete do Ministro da Educação, Aloizio Mercadante. O silêncio da mídia privada já era esperado, com sua sanha moralista de ocasião. O governo, se permanecer nesse silêncio sepulcral, estará perpetuando o ilícito e cometendo o malfeito que tanto condena.
Em entrevista coletiva dada no final de 2011, no auge da crise envolvendo o inocente ex-ministro Orlando Silva, a presidenta Dilma Roussef afirmou que “qualquer malfeito ou corrupção terá tolerância zero”. A assertiva também é válida para os contratos envolvendo o MEC e a Editora Abril?
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