De 21 a 23 de novembro, tive a grata oportunidade de participar da 3ª Conferência Nacional de Educação (Conae 2018), em Brasília. Diversas questões foram levantadas e discutidas, mas uma que me marcou foi sobre o projeto Escola Sem Partido. Foram mostrados em torno de 70 exemplos de situações de aulas com atividades impróprias sobre gênero e sexualidade que, de fato, não deveriam acontecer nas escolas. A doutrinação e o proselitismo também não combinam com a educação crítica.
Contudo, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep), o Brasil tem mais de 2,5 milhões de professores/as, enquanto os depoimentos/denúncias no site do Escola Sem Partido sobre casos como esses são em torno de 70, representando 0,003% das ocorrências. Não se pode fazer uma lei pela exceção inexpressiva. Fere o princípio da razoabilidade.
Os casos devem ser averiguados e, conforme necessário, solucionados dentro dos mecanismos já existentes, como as ouvidorias das Secretarias de Educação. A Conae 2018 deu um sonoro não ao Escola Sem Partido, aprovando várias propostas pela liberdade de ensinar e aprender. Nesse sentido, é preciso sim agir para garantir a conduta profissional ética. Mas de que forma?
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Por outro lado, tratam-se de incidentes isolados e não generalizados, possivelmente fruto da falta de formação inicial dos/das profissionais de educação nesses assuntos. Como afirmou o próprio ministro da Educação durante a abertura da Conferência, há problemas na educação brasileira muito mais graves que as situações excepcionais apontadas pelo Escola Sem Partido e outras iniciativas afins.
De tanto o Escola Sem Partido insistir em exemplos como os citados acima, auxiliado pelo poder das mídias sociais, parcelas da população estão convencidas de que eles viraram a regra, quando na verdade são a exceção. Gênero, sexualidade e diversidade sexual, entre outros tópicos, tornaram-se objeto de um pânico moral cujo fundamento tem sido exagerado desproporcional e propositadamente.
A resposta do Escola Sem Partido é uma educação de absorção acrítica de informações transmitidas por profissionais que acabariam por ser meros repassadores de conteúdos censurados. Por isso recebeu uma moção de repúdio pela maioria absoluta dos mais de 1,5 mil participantes da Conae 2018.
É preciso retornar a duas questões essenciais. A primeira delas é o objetivo da educação e a forma como ela é feita. Segundo a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, os objetivos da educação são o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, tendo entre seus princípios a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, bem como o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.
Para superar seus problemas de ordem social e até moral, o Brasil precisa que as futuras gerações tenham uma educação que lhes proporcione o desenvolvimento do senso crítico, capaz de discernir e rejeitar práticas corruptas, discriminatórias e iníquas, em prol de uma sociedade justa, ética, respeitosa e solidária. Para tanto, a educação não pode ser estanque e uniforme, ela precisa cultivar o diálogo e a compreensão para com o outro.
A segunda questão se refere a situações-problema enfrentadas pela população feminina e pelas assim chamadas minorias sexuais, sem deixar de mencionar a violência generalizada que assola o país – que não são, em absoluto, “mimimi”, e sim um reflexo de quanto o sistema educacional ainda está falhando no preparo das pessoas para o exercício da cidadania. Pesquisa nacional realizada sobre o ambiente escolar em 2015/2016 mostrou, entre seus achados principais em relação à diversidade sexual, que 73% dos/das estudantes LGBTI+ foram agredidos/as verbalmente; 36% foram agredidos/as fisicamente; e 60% se sentiam inseguros/as na escola no último ano por serem LGBTI+.
Essa situação já presente na escola se encontra de forma igualmente grave na sociedade como um todo. São noticiados mais de 300 assassinatos de pessoas LGBTI+ por ano no Brasil caracterizados como crimes motivados por ódio às pessoas LGBTI+. Além disso, o governo federal registra níveis elevados de denúncias de violações de direitos humanos contra pessoas LGBTI+.
Em relação à violência contra as mulheres, o Mapa da Violência de 2015 informa que, entre os anos 1980 e 2013, foram assassinadas 106.093 mulheres no Brasil, número que vem aumentando gradativamente, a cada ano: de 3.851 no ano de 2001 para 4.762 no ano de 2013, sendo que nesse último ano 27% dos assassinatos ocorreram no próprio domicílio das vítimas.
Além dos assassinatos, outra forma de violência de gênero contra as mulheres é a “cultura do estupro”. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2015, foram registrados 47.646 estupros no país em 2014 (uma redução de 6,7% em relação ao ano de 2013). Contudo, a mesma fonte considera que 35% dos crimes sexuais não são notificados, de modo que o número de estupros pode ser muito maior.
Diante desses dados e evidências, que são apenas alguns exemplos, é claro que a educação tem que ser uma das frentes empregadas para promover mudanças sociais que levem à diminuição dessas violências. Entre outras coisas, é preciso discutir a igualdade entre os gêneros, o respeito à diversidade sexual e a não violência de modo geral. Mas, para isso, os/as profissionais de educação precisam dispor de formação inicial e continuada que habilite para abordar esses assuntos de forma dialógica, educativa e, acima de tudo, apropriada para a faixa etária dos/das estudantes, e com material didático fundamentado em evidências científicas. Os exemplos apontados pelo Escola Sem Partido se devem, pelo menos em parte, a essa falta de preparo adequado.
E mais. Não cabe somente aos/às profissionais de educação cumprir esse papel. Os pais, as mães e responsáveis dos/das estudantes precisam estar envolvidos/as e contribuir para construir uma educação que seja aceitável para eles, e não apenas criticá-la de fora com base em informações distorcidas que circulam nas mídias sociais. Os pais, as mães e responsáveis devem se fazer presentes nas escolas quando das entregas das notas, nas assembleias, nos conselhos escolares e, principalmente, ajudar a construir em conjunto o projeto político-pedagógico, para que contribuam, entendam e estejam de acordo com a educação que está sendo proposta para seus filhos e suas filhas. As direções e equipes pedagógicas gostam de pais, mães e responsáveis presentes na vida escolar.
Na 3ª Conferência Nacional de Educação, o que me pareceu ser consenso entre a maioria é não aceitar o Escola Sem Partido, e sim defender uma educação com ética e respeito universais, por parte dos/das docentes e também por parte dos/das discentes. Ética e respeito no que se ensina e na forma como se ensina, e ética e respeito para com o outro em seu sentido mais amplo.
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O colunista está errado. Não é papel da escola formar “pensamento crítico”, seja lá o que diabo isso queira dizer na fábrica de analfabetos funcionais que é nosso sistema escolar. Esse já é um discurso enviesado pela cantilena marxista, derivado da pedagogia do oprimido, como talvez o autor nem perceba. O nível da doutrinação é tal que as pessoas formadas e formadoras nesse sistema não a percebem, a não ser nos casos escancarados.
Função da escola é ensinar a ler, a contar, enfim, a desenvolver as habilidades básicas para a vida adulta e para um estudo autodidata. Nem isso os nossos alunos têm e o colunista acha que o problema é o “pensamento crítico”. Que tipo de pensamento alguém que não aprende os rudimentos básicos de sua língua pode ter?