Luciano Henrique da Silva Oliveira*
Em tempos de coronavírus, diversas ideias para obter recursos públicos para o combate à pandemia têm surgido no Congresso Nacional. Muitas se mostram promissoras e outras podem causar o efeito contrário ao desejado.
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Entre as ideias que parecem eficientes está a instituição de empréstimos compulsórios de empresas bilionárias. As alíquotas representarão pouca influência no estilo de vida dos acionistas e no funcionamento das companhias e, além disso, haverá devolução dos valores retidos após o final da crise. A medida arrecadaria R$ 80 bilhões.
Já a criação de um imposto sobre grandes fortunas gerará outros R$ 80 bilhões e compensará, a partir de 2021, os auxílios do Governo para ajudar a sociedade durante a atual pandemia.
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Outra sugestão é usar o Fundo Eleitoral para o combate à Covid-19. O expressivo valor reservado para 2020 é de R$ 2 bilhões e, com o risco de as eleições serem adiadas ou terem sua campanha reduzida, o redirecionamento da verba pouco prejudicaria o eventual pleito. Vale lembrar que os partidos já contam com mais R$ 1 bilhão do Fundo Partidário para suas atividades.
PublicidadePor outro lado, uma ideia que representaria um tiro pela culatra é a de reduzir salários de servidores públicos. Sob o aspecto jurídico, a medida é inconstitucional e acabaria sendo derrubada judicialmente, pois ela esbarra na regra da Constituição Federal (CF) de irredutibilidade de vencimentos (art. 37, XV, CF), cláusula pétrea de garantia individual do servidor que não pode ser abolida nem mesmo por emenda à Constituição (art. 60, § 4º, IV, CF), conforme, aliás, já decidiu o Supremo Tribunal Federal.
Sob a ótica econômica, vale lembrar que o servidor público não é uma ilha, isto é, não está isolado em seu mundo, sem interagir com ninguém. Ele é, muitas vezes, a principal fonte de renda da família, custeando despesas do cônjuge, filhos e até de pais e irmãos necessitados, muitos dos quais, aliás, estão, neste delicado momento, pedindo socorro financeiro ao parente servidor para garantir seu sustento.
Além disso, o servidor público também é fonte de renda de diversas pessoas do setor privado. Empregados domésticos, diaristas, pequenos comerciantes e profissionais liberais em geral, como eletricistas, encanadores, pedreiros, cabeleireiros, manicures, motoristas de táxi e outros são exemplos de pessoas que dependem do poder de compra dos seus patrões e clientes servidores públicos.
Os servidores públicos, portanto, são fatia essencial do consumo das famílias, que representa quase dois terços do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Para se ter ideia, no Distrito Federal, 66% da economia local depende da renda dos servidores públicos. Em estados menos industrializados, como os da Região Norte, a participação do funcionalismo na massa salarial chega a 73%. Já nos Estados do Sudeste e do Sul, a participação dos estatutários é de cerca de 30%. Mesmo nesses últimos, a redução do poder de compra da categoria geraria graves desarranjos à economia, com fechamento de vagas, aumento do desemprego e falta de fluxo de caixa dos pequenos negócios.
Ou seja, o corte de salários de servidores reduziria sensivelmente o PIB, aumentaria a crise econômica e o desemprego e, em função disso, o Governo acabaria tendo que dar ao setor privado um auxílio financeiro ainda maior do que o já planejado. Isso sem falar no aumento da demanda por benefícios da assistência social pelos desempregados, que também teriam de ser arcados pelo Governo.
Além disso, os menores salários dos servidores implicariam menor arrecadação de imposto de renda e de contribuições previdenciárias. O ganho líquido, portanto, seria menor do que o que se vem calculando. E, como o imposto de renda é base de cálculo das transferências de receitas tributárias para Estados e Municípios (art. 159, I, CF), esses entes federativos também receberiam menos recursos da União, sofrendo bastante com a medida, especialmente os pequenos Municípios, que dependem quase completamente dos repasses federais para sobreviverem.
Em resumo, a redução dos salários dos servidores públicos implicaria gastos para o Governo federal maiores do que a redução da folha de vencimentos e ainda prejudicaria os demais entes federativos. Um verdadeiro efeito cascata que prejudicaria sobremaneira a economia.
Ademais, com tantos recursos sendo redirecionados para o enfrentamento ao vírus, é possível que o conjunto de medidas propostas já represente montante suficiente para o Estado sobreviver financeiramente sem tentar a solução extrema da redução de salários de brasileiros que também precisam sustentar seus núcleos familiares e cujas rendas são peças fundamentais para movimentar a economia.
*Consultor Legislativo do Senado Federal
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