Já é inusitado no governo Jair Bolsonaro uma mulher assumir um cargo de destaque. Mais inusitado ainda é essa mulher assumir com um discurso feminista, mencionando a solidão feminina em postos de decisão e o comportamento masculino de interromper e menosprezar suas falas. Mas foi com um discurso em que destaca tais atitudes dos homens que tomou posse nesta segunda-feira a nova diretora da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Flávia Takafashi. O mandato dela à frente da agência vai até fevereiro de 2026.
Flávia é servidora pública federal de carreira e especialista em Regulação de Transportes Aquaviários na própria Antaq, com experiência de mais de dez anos em matérias relacionadas com o setor portuário brasileiro. É a primeira mulher a ocupar o cargo na diretoria da autarquia.
Na cerimônia, com a presença do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, Flávia destacou o fato de ser a primeira mulher na diretoria em seu discurso: “No aniversário de 20 anos da lei de criação da ANTAQ, temos a primeira mulher indicada para compor sua Diretoria Colegiada. E, sendo eu a mulher a virar esta página, reconheço minha responsabilidade ainda maior ao assumir este cargo”.
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“Como uma mulher atuante no setor aquaviário, sempre fui muito bem acolhida e recebida nos debates técnicos e reuniões de que participei, mas também em algumas oportunidades a minha fala foi solenemente interrompida, não escutada ou ignorada na mesa de discussões”, disse Flávia.
“Durante meus 11 anos de atuação no setor aquaviário, em várias oportunidades fui a única mulher na sala de reuniões. E embora tenha sido sempre tratada com respeito e atenção nessas ocasiões, tenho que confessar que não é um processo natural estarmos sós”.
E concluiu: “É por isso que eu digo, mulheres, sentem-se à mesa. E homens, sejam gentis. Não lhes custarão muita coisa, mas permitirão, no mínimo, que sejamos ouvidas quando dermos nossas opiniões”.
PublicidadeVeja abaixo a íntegra do discurso de Flávia Takafashi:
“Como servidora de carreira da Agência desde 2010, me orgulho de ter feito parte de sua história e do seu processo de amadurecimento regulatório.
Semana passada, eu e o Fábio Queiroz estávamos nos lembrando quando entramos na Agência e fomos lotados na Gerência de Fiscalização da Navegação Interior e ainda patinávamos nos debates das metodologias fiscalizatórias. Hoje a Antaq avança em outro patamar nesse assunto por meio da fiscalização responsiva.
Em 2012, quando eu visitei com o Giovani Paiva, superintendente de Portos à época, o recém-iniciado Porto do Açu, não tínhamos ainda desenvolvido a regulação que permitiria a implantação de um terminal de GNL conectada a uma FSRU. Hoje é uma realidade.
Em 2013, quando eu era assessora do Dr. Mário Povia, me lembro quando o Fábio Lavor me entregou um calhamaço de documentos do Bloco I de Licitações que seriam os primeiros leilões a serem realizados pela Antaq no novo marco licitatório.
Naquele momento, não tínhamos ideia que o modelo regulatório avançaria tanto e que chegaríamos hoje com 42 leilões já realizados desde então, quatro a serem realizados no próximo dia 13 de agosto e outros tantos a serem realizados mês que vem.
Em 2014, quando estava à frente da Superintendência de Outorgas e começamos a aprovar as primeiras prorrogações antecipadas e ordinárias de contratos de arrendamentos, não tínhamos um manual de EVTEA tão consolidado como temos atualmente.
Em 2016, quando estava à frente da Superintendência de Regulação, e iniciávamos o debate para a aprovação das regras dos estudos simplificados de arrendamentos, não poderíamos imaginar que agora em agosto teríamos já o primeiro leilão de instalação portuária com base nessa nova metodologia, o SSD09.
E em 2019, quando recebi o convite do Dr. Diogo Piloni para compor a equipe da Secretaria de Portos, não poderia sequer imaginar que no meio de uma pandemia eu participaria de uma importante mudança do marco regulatório portuário com a aprovação da Lei nº 10.047/2020 e do Decreto nº 10.672/2021, e tampouco que voltaria como diretora da Antaq.
O setor portuário se fortaleceu, e a regulação da Antaq amadureceu muito nos últimos anos. E eu me orgulho de ter feito parte da sua história, pois ela impacta diretamente o cenário econômico brasileiro.
A regulação da Agência permite que centenas de pessoas se desloquem com segurança pelos rios e travessias da Região Norte do país. A regulação da Antaq garante a movimentação eficiente de mais de 90% dos bens que são importados e exportados do país.
Considerando os 10 últimos anos, em média, 96% de tudo o que foi exportado em volume pelo Brasil foram transportados pelo modal marítimo, e isso corresponde a 85% do valor FOB da nossa Balança Comercial.
No caso da importação, 90% em volume foram importados por via marítima, correspondendo a 73% do valor FOB total.
Nossos atos impulsionam investimentos, ampliam a concorrência, promovem segurança jurídica, harmonizam interesses e conflitos, asseguram a movimentação de pessoas e bens, sustentam direitos e fazem cumprir padrões de eficiências, segurança, modicidade e adequação dos serviços prestados pelos agentes regulados.
Nossos atos implementam a política pública de expansão, modernização e otimização da infraestrutura e superestrutura brasileiras.
Nossos atos legitimam a garantia da modicidade e da publicidade das tarifas e preços praticados no setor.
Nossos atos estimulam a modernização e o aprimoramento da gestão dos portos e instalações portuárias.
Nossos atos incentivam a valorização e a qualificação da mão de obra portuária e a eficiência das atividades prestadas.
Nossos atos asseguram a liberdade de preços nas operações portuárias e o controle da abusividade.
O papel da Antaq é grande. E cabe a nós atuarmos à altura dessa grandiosidade.
E, justamente por isso, faço um apelo aos meus colegas servidores: conheçamos o mercado regulado. Mas conheçamos de verdade.
Conheçamos suas peculiaridades, suas especialidades, suas características próprias.
Não podemos exercer nosso papel de regular sem entender o impacto das nossas decisões na missão da nossa Agência, que é “Assegurar à sociedade a adequada prestação de serviços de transporte aquaviário e de exploração da infraestrutura portuária e hidroviária”.
Precisamos tomar decisões que vão ao encontro dessa nossa missão.
Em muitas oportunidades, vi decisões que apesar de serem juridicamente adequadas e logicamente estruturadas, eram decisões que, na prática, se mostravam claramente contrárias aos nossos objetivos ou desalinhadas da realidade fática regulada. E isso não podemos permitir. E é por isso que digo: conheçamos o mercado.
E, por fim, já encerrando minha fala, digo também que hoje é um dia histórico.
No aniversário de 20 anos da lei de criação da Antaq, temos a primeira mulher indicada para compor sua Diretoria Colegiada.
E sendo eu a mulher a virar esta página, reconheço minha responsabilidade ainda maior ao assumir este cargo.
Como uma mulher atuante no setor aquaviário, sempre fui muito bem acolhida e recebida nos debates técnicos e reuniões de que participei, mas também em algumas oportunidades a minha fala foi solenemente interrompida, não escutada ou ignorada na mesa de discussões.
Durante meus 11 anos de atuação no setor aquaviário, em várias oportunidades fui a única mulher na sala de reuniões.
E embora tenha sido sempre tratada com respeito e atenção nessas ocasiões, tenho que confessar que não é um processo natural estarmos sós.
Por isso eu convido as mulheres que trabalham no setor a sentarem-se à mesa.
E quem usou essa expressão “sentar-se à mesa” pela primeira vez foi Sheryl Sandberg, diretora de Operações do Facebook em seu livro “Lean in”.
Para ela, a mesa se torna a metáfora do comparecimento: você tem que comparecer e acreditar que merece estar ali, se você não ocupar o seu espaço, ninguém fará por você.
Me lembro de uma reunião de equipe que eu fiz na SNPTA, onde chamei todo o time para debater processos que estavam tramitando na Diretoria.
A equipe foi chegando e naturalmente as mulheres foram sentando-se no fundo, e os homens sentando-se à mesa.
Depois de todos acomodados, pedi gentilmente que os rapazes cedessem seus lugares para que as mulheres pudessem se sentar à mesa, e se não tivesse espaço para todos, que eles, e não elas, se sentassem atrás.
É por isso que eu digo, mulheres, sentem-se à mesa.
E homens, sejam gentis.
Não lhes custarão muita coisa, mas permitirão, no mínimo, que sejamos ouvidas quando dermos nossas opiniões. Meu muito obrigada!”
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