Thiago Rabelo Pereira e Marcelo Miterhof*
A pandemia em curso é um choque econômico de grandes proporções. Sua escala potencial e sua duração são ainda desconhecidas e incertas. Podem surgir ondas secundárias. É um brutal choque de demanda, acompanhado de restrições de oferta em várias cadeias produtivas, um forte choque contracionista, doméstico e externo ao mesmo tempo, atuando sobre o consumo, investimento e exportações.
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Para além dos aspectos de saúde pública, a pandemia gerou redução abrupta e acentuada da demanda, incerteza e destruição massiva de riqueza financeira, elevação do custo de capital e deterioração súbita nas condições de acesso ao crédito por empresas e famílias junto às fontes privadas. Justo quando a capacidade de financiar o buraco transitório das receitas correntes torna o acesso ao crédito de curto prazo barato e elástico imprescindível para suavizar o impacto da crise, a reação privada impõe encarecimento e racionamento quantitativo. A intensidade e a duração dos efeitos secundários dependerão da condução das políticas públicas e das respostas comportamentais face à crise no olho do furacão.
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A política fiscal precisa prover recursos para combater a epidemia e ampliar a capacidade de oferta do sistema de saúde, bem como gerar demanda compensatória autônoma para mitigar a contração de atividade e o sofrimento dos vulneráveis, com amplos programas temporários de transferência de renda. É a política econômica mais importante, mas há também questões sob a ótica financeira: é preciso amortecer a onda secundária e evitar a amplificação do choque pelo canal de crédito. O artigo se concentra neste último aspecto.
A racionalidade da restrição de crédito e o custo da inação pública
Se investidores e bancos privados respondem defensivamente ao choque – visando manter suas posições de caixa e reduzir simultaneamente os riscos dos balanços, liquidando ativos mais arriscados e cortando subitamente o fluxo do crédito novo – acabam por estrangular descontinuamente a atividade econômica, por restrições de financiamento ao capital de giro, que travam a operação das empresas e amplificam o choque contracionista original. Tal equilíbrio perverso pode no limite levar empresas a princípio solventes para iminência de default, caso esbarrem em dificuldades prolongadas para rolar dívidas vincendas, em quadro de forte frustração de receitas correntes não financeiras. Nesse contexto, mesmo empresas com baixa alavancagem e sólidas financeiramente tendem a pisar no freio e postergar gastos correntes, visando preservar defensivamente posição de caixa.
A restrição quantitativa de crédito é uma escolha racional de bancos e investidores privados. O risco de inadimplemento cresce pela queda de demanda e é amplificado pela perspectiva de parada súbita do fluxo de crédito novo, dadas as falhas de coordenação das fontes privadas. Cada agente financeiro privado corta o crédito em parte porque espera que os demais também o farão, o que acaba contaminando o risco de default percebido. Os preços de mercado são estressados em razão do maior risco de default e da preferência pela liquidez, que se retroalimentam. Para evitar o colapso o estado precisa agir.
Assim, está errado o diagnóstico de que problema não é de liquidez, mas apenas aversão ao risco de crédito, como defendido por aqueles que buscam justificar o comedimento na resposta do [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] BNDES. A aversão ao risco de crédito é parte central do problema, porém não exclusiva, e acaba se retroalimentando com a preferência pela liquidez em momentos de stress. A solução ao quadro atual exige uso intensivo de potencial de caixa e de assunção de risco de crédito de BNDES, [Banco do Brasil] BB e [Caixa Econômica Federal] CEF. A provisão de garantias, ainda que positiva e bem vinda, não removerá os efeitos contracionistas decorrentes da elevação do prêmio de liquidez dos ativos. Além disso, neste momento rapidez é fundamental. Não é hora de focalização ou seletividades excessivas, nem de obstruir as soluções tradicionais como abertura de giro amplo as empresas, que podem ser viabilizadas com rapidez, para apostar em inovações que podem demorar para serem efetivadas, mesmo que meritórias.
O risco de crédito das empresas leva uma paulada pela queda brusca de receitas e é inflado pela perspectiva de disfuncionalidade e parada súbita dos próprios mercados de crédito. A tarefa é evitar quebradeira de empresas em cascata que torne um choque temporário numa depressão duradoura. Custe o que custar do ponto de vista fiscal de curto prazo. O custo da inação será seguramente maior.
BC na direção correta e timidez dos bancos públicos, em especial o BNDES
É verdade que o Banco Central (BC) e o Conselho Monetário Nacional vem atuando na direção correta: i) reduzindo o custo de provisionamento e alocação de capital regulatório dos refinanciamentos bancários; ii) reabrindo garantias do FGC para depósitos de bancos médios, o que tem impedido a parada brusca do funding desses intermediários; iii) liberando depósitos compulsórios iv) usando as reservas internacionais para abrir leilões de compra compromissada à venda dos global bonds da república para evitar pressão nos spreads soberanos, que contaminam toda a cadeia de crédito; v) intervindo no mercado cambial com instrumentos convencionais (leilão de linha para irrigar a liquidez, swaps para suprir demanda por hedge e spot para fechar buraco decorrente da saída líquida de investidores estrangeiros, amortecendo a já intensa depreciação do real. vi) abrindo linhas de até 1 ano para financiar bancos que adquirirem debêntures em mercado secundário, com uso cumulativo dos depósitos compulsórios e dos próprios títulos como garantia (com pouco êxito até o momento pelo excesso de colateral, aversão ao rico de crédito e expectativa de liberação adicional de compulsórios sem condicionalidades pelos bancos).
Como em 2008, o BC poderia ainda ampliar a parcela dos compulsórios de remuneração zero – podendo inclusive, dado o menor patamar dos juros atualmente – cobrar tarifa extraordinária pela retenção de tais compulsórios, com propósito de forçar retorno real negativo. É preciso impor pesado custo ao entesouramento. Sua liberação parcial deveria ser condicionada a rolagem ou aquisição de carteiras de crédito de bancos médios, caso esses fiquem estrangulados, e ou ao aumento direto da carteira de crédito às empresas. Não se deve liberar mais compulsórios sem condicionalidades, como feito até agora.
O BC poderia adicionalmente reduzir a alocação de capital associada à concessão de empréstimos que venham a ser contratados durante o período de emergência e onerar o entesouramento, impondo um “custo” de capital extraordinário pela manutenção de ativos líquidos acima das exigências regulamentares. Passada a tempestade, esses incentivos seriam recalibrados para voltar a se correlacionar com a intensidade de risco nos balanços. Na emergência esses instrumentos devem ser usados para elevar o custo do entesouramento, estimulando a desobstrução do crédito às empresas.
Outro aspecto relevante é o papel dos bancos públicos. Nos últimos anos, ocorreu um miniciclo de emissões de debêntures no mercado de capitais local, mais ligado à reestruturação de passivos do que a investimentos novos. A formação de capital seguiu deprimida. Tal expansão das ofertas no mercado de capitais foi observada em paralelo a redução forçada do BNDES, cujos desembolsos são vinculados a projetos específicos e liberados em linha com sua execução físico financeira, cuja contração foi ao mesmo tempo causa e efeito da redução da formação de capital. Resta saber se a retração (transitória?) dos mercados de crédito e capitais privados será compensada pela desejável atuação compensatória do BNDES e demais bancos públicos no cenário de crise, ou se o dogmatismo ideológico vai limitar o uso dos instrumentos disponíveis para suavizar a deterioração das condições de acesso ao crédito por parte das empresas brasileiras. O austero governo alemão não titubeou em abrir linhas de crédito em volume ilimitado pelo KfW, seu banco de desenvolvimento, antecipando-se à previsível contração das fontes privadas para estabilizar as expectativas e evitar a amplificação da crise.
Na direção correta, ainda que em escala insuficiente, foi o anuncio da cooperação entre Tesouro Nacional (TN), BNDES e bancos privados na estruturação de solução financeira para destravar o crédito emergencial às micro e pequenas empresas (MPEs), com faturamento de R$ 300 mil a R$ 10 milhões, combinando provisão de funding pelo Tesouro, ao seu custo de captação, e absorção do grosso do risco de crédito pela União. O crédito terá 6 meses de carência e prazo de 30 meses, limitado a 2 salários mínimos por empregado. Será operado sem spread pelo BNDES e agentes intermediários – devendo ser liberado diretamente aos empregados, em taxa fixa de 3,75% a.a., cobrindo a folha de pagamento no valor de até R$ 40 bilhões em 2 meses. A medida atua nos gargalos centrais, associados a: i) elevada preferência pela liquidez dos bancos e ii) aversão ao risco de crédito. Ela mitiga os efeitos da preferência pela liquidez dos bancos poque eles não precisarão reduzir reservas líquidas em escala relevante para emprestar, posto que o grosso do funding será provido pelo TN, ao seu custo de captação. Ademais, ela ataca a aversão ao risco de crédito, no quadro de incerteza radical, através da concessão de uma garantia pública quase integral (85% da exposição), eliminando pontos críticos de obstrução do crédito privado. Na ausência de tal intervenção dificilmente os intermediários teriam disposição de abrir mão da liquidez e continuar a emprestar para esse nicho de empresas.
A ação envolve um subsídio implícito às MPEs, não pelo lado do custo de funding, mas pela garantia de crédito oferecida, pois o risco de inadimplemento das empresas será absorvido pelo Tesouro. O custo econômico, inclusive o fiscal, de não oferecer esse apoio tenderia a ser muito superior, pois deixaria um rastro de quebradeira e desemprego em cascata, contratando uma depressão econômica.
Propostas de atuação dos bancos públicos, em especial do BNDES
Há outra lacuna nos mercados privados que poderia ser sanada sem a provisão de subsídios diretos. Seria possível ajudar as empresas e o mercado de crédito a recuperar alguma funcionalidade ao sinalizar, tal qual feito pelo alemão KFW, que o BNDES – com suporte de funding de curto prazo a ser aberto pela autoridade monetária para tais linhas – mitigará a falha de mercado privado na provisão de capital de giro e contribuirá com as médias e grandes empresas solventes no refinanciamento de dívidas vincendas e cobertura de necessidades adicionais decorrentes da frustração de receitas correntes. Tal apoio pode ser feito sem subsídios diretos, pelo lado do custo de funding, mas sem ser contaminado punitivamente pela escalada pro-cíclica dos spreads privados.
O BNDES tem folga de capital, limites de crédito aberto com amplas frações do setor produtivo e capacidade técnica de rapidamente abrir linhas diretas de capital de giro de curto prazo. Para tanto precisa de conforto de liquidez, caso precise complementar as fontes tradicionais. Assim, foi crucial a publicação da Resolução 4.795, de 2/4/2020, que abriu às instituições financeiras, incluindo o BNDES, a possibilidade de captar recursos de até um ano diretamente com o BC mediante emissão de Letra Financeira Garantida por carteira de créditos privados elegíveis. Removeu-se a preocupação de liquidez de curto prazo que poderia explicar a resistência do BNDES em assumir postura mais ativa na oferta de linhas diretas mais amplas de capital de giro às empresas brasileiras.
Poderia ademais ser aprovada alteração na lei da TLP para facultar às empresas contratar com custo financeiro em Selic, ao menos no estado emergencial, a ser posteriormente convertido quando da liberação para juros real em IPCA, evitando que a pressão sobre as taxas longas das NTNBs, decorrente da aversão ao risco sob estresse financeiro, contamine o custo de financiamento do investimento das fontes institucionais e estimule a postergação dos projetos de longo prazo em curso. O BNDES poderia mais facilmente se somar aos esforços de CEF e BB. Poderia também ser estabelecida a aplicação de redutores sobre a TLP – ou custo financeiro em SELIC para operações de capital de giro de até 2 anos, durante o estado de emergência, com alocação de subsídios condicionada a assunção de compromisso de manutenção de empregos pelas médias e grandes empresas.
O BNDES pode cooperar mais com o BC
A crise de liquidez reflete e também alimenta a incerteza sobre a capacidade de pagamento dos emissores de dívida privada face ao curso futuro da economia. Investidores cortam subitamente e em manada seus orçamentos de risco. Resgatam mandatoriamente instrumentos de crédito privado e títulos públicos de maior duração, botando pressão nos spreads de crédito e na inclinação da curva de juros (ETTJ – estrutura a termo da taxa de juros). Os BCs de países chave reagem comprando títulos públicos na ponta longa da curva de juros – financiando com emissão de reserva bancária (sugando e absorvendo em seu balanço risco de mercado dos balanços privados). Busca achatar a curva de juros, inflada por prêmios de risco gordos em quadro de forte incerteza. Também reagem com a compra direta de ativos de crédito privado em mercados organizados – tentando mitigar a pressão altista nos spreads de crédito, na expectativa de que bancos na ponta voltarão a emprestar em termos menos punitivos às empresas.
A “PEC do Orçamento de Guerra” sinaliza provável e desejável disposição do BC em atuar em coordenação com o TN na compra de títulos públicos de longo prazo, em escala mais agressiva do que observado atualmente, dadas as restrições e metas do Plano Anual de Financiamento do Tesouro. Assim, evita-se sancionar a demanda pelos investidores de prêmios de risco inflados em títulos de longo prazo, que elevam o retorno e a inclinação da curva de juros, em quadro de forte redução esperada das taxas de curto prazo.
Além disso, sinaliza-se, com a autorização de atuação direta do BC em mercados de crédito privado. Aqui cabe uma observação: uma instituição como BNDES atuaria mais rápida e vigorosamente no mercado secundário de debêntures, adquirindo a preços de mercado ativos pressionados pela busca de liquidez.
Mais importante, ainda que ajudem a distensionar os mercados, a absorção direta de risco via mercado secundário tende a não ser suficiente para desobstruir o acesso das empresas ao financiamento de curto prazo, que é o ponto central para evitar a quebradeira em cascata. Joga-se uma boia de salvação para segmentos da indústria de fundos, sem clara efetividade de que esses movimentos suscitarão melhoria imediata nos mercados primários – que injetam recursos no caixa das empresas. Nos EUA, 70% do crédito às empresas não financeiras é feito via mercado de capitais[1]. Assim, para estabilizar o financiamento direto às empresas é crítico munir o FED de instrumentos que evitem pressão disfuncional nos preços de ativos de crédito privado em mercado secundário. No Brasil, o peso dos instrumentos de mercado de capitais, apesar do forte crescimento nos anos recentes, é de cerca de 13% do passivo consolidado das empresas não financeiras, considerando a soma do crédito bancário doméstico, mercado de capitais local (notas promissórias e debêntures) e endividamento externo, bancário ou via emissão de bônus[2].
Mais eficiente para desobstruir o fluxo de crédito novo junto às fontes bancárias privadas e do mercado de capitais seria botar os bancos públicos que ainda estão em compasso de espera para atuar mais agressivamente na abertura de linhas de capital de giro as empresas. Ou mesmo pensar em mecanismo transitório, durante a emergência, de garantia pública parcial do crédito novo de bancos privados às empresas elegíveis, com condicionalidade de ampliação da carteira e de manutenção de empregos. A desobstrução do crédito novo às empresas terá poder de mitigar a percepção do risco de default, inflado em parte pela perspectiva de parada súbita do próprio crédito, e, dessa forma, poderá ser fator de acomodação dos spreads estressados e reequilíbrio nos mercados secundários.
A vantagem de dispor de um banco de desenvolvimento, como KFW e BNDES, está em poder prover crédito compensatório direto em escala sistemicamente relevante às firmas sem o risco da obstrução dos canais intermediários entre os bancos/investidores privados e os tomadores finais, como observado em modelos de financiamento às empresas mais diretamente dependentes do mercado de capitais. O BD pode atuar compensatoriamente, sem sancionar elevação punitiva dos spreads de crédito. A existência de agentes com tal capacidade de absorver risco e mandato para remar contra o movimento de manada é crucial para evitar dinâmicas financeiras disruptivas de deflação de ativos e débitos.
O BNDES pode assumir risco de crédito e usar sua folga de capital para oferecer, sem subsídio direto do TN, financiamento de ciclo curto (até 24 meses ), repassando o custo de captação em SELIC, com a abertura de linhas de espectro amplo para ofertar giro às empresas médias e grandes. O BC toma risco do BNDES, mitigado por cessão fiduciária de empréstimos e outros ativos. O BNDES operacionaliza e toma o risco de crédito direto das firmas e cobra seus spreads regulares – maiores que os praticados pelos mercados na fase da euforia e menores e mais estáveis do que os oferecidos no pânico. O banco ajuda a estabilizar o mercado, evitando sancionar o exagero da pressão altista dos spreads.
O BNDES está capitalizado. Ainda assim, pela escala da crise, caso preciso para mitigar os riscos de sua atuação e remover gargalos regulatórios para assunção direta do risco privado em escala mais relevante, poderia ser desenhado compromisso contingente de conversão de parte dos empréstimos com o Tesouro em capital, em cenários de absorção de perdas de crédito que superem determinados níveis, como acontece, por exemplo, com o BD Koreano, que tem garantia de recapitalização do Tesouro, caso necessário. Esse mecanismo poderia também ser usado para que o Tesouro e o BNDES ofereçam garantia parcial em operações indiretas, usando a capilaridade da rede de agentes financeiros do banco para ajudar a desobstruir o crédito para as empresas brasileiras, se preciso.
Mesmo para firmas grandes que não se interessem pelos recursos de giro do BNDES, a simples sinalização da abertura de uma fonte estável de refinanciamento em condições de custo aceitáveis reduz o valor imputado à retenção do caixa, bem como a probabilidade de default das empresas percebida pelas fontes privadas, contribuindo para manter suas atividades correntes e o reestabelecimento da funcionalidade nos mercados financeiros.
Preservar as fontes do BNDES para a retomada pós-pandemia
Por fim, ainda que o apagar do incêndio da crise sanitário seja bem sucedido, as empresas sairão com maior alavancagem e necessidades de rolagem. Isso demandará o alongamento dos passivos de curto prazo para dívidas de maior maturação, com custos adequados e estáveis, para evitar indesejável asfixia financeira das empresas que dificulte a recuperação. O reequacionamento financeiro ao fim da pandemia precisa ser planejado desde já.
Dado o provável acanhamento no apetite das fontes privadas – pela maior aversão ao risco e contração da riqueza financeira deflagrada pela crise -, será preciso preservar as fontes de longo prazo institucionais do BNDES (FAT e empréstimos do Tesouro). É prudente rever a estratégia em curso, focada no objetivo de reduzir a dívida bruta da União via pagamento antecipado pelo BNDES dos empréstimos do TN – ainda que sem gerar a redução da dívida liquida, que melhor retrata a sua posição patrimonial. É necessário interromper essas antecipações de créditos do BNDES ao Tesouro, bem como evitar o financiamento do défict do FAT com resgate de recursos aplicados via BNDES no setor produtivo. O aumento esperado dos beneficiários do seguro desemprego e a forte queda da arrecadação do Pis-Pasep na crise farão esse déficit atingir escala inédita, com potencial de estrangular fortemente a capacidade de atuação do BNDES. Contudo, o Ministério da Economia pode resolver o problema, optando por cobrir o déficit com recursos do TN.
Faz-se necessário, ademais, neutralizar no parlamento as ameaças de desmonte das fontes de longo prazo mais estáveis disponíveis para o financiamento do setor produtivo, contidas nas propostas que visam cortar o fluxo de transferências constitucionais do Pis-Pasep ao BNDES. A agenda da desalavancagem em marcha forçada do BNDES e do desmonte das fontes institucionais de longo prazo, deveria ser interrompida ao menos até existirem sinais robustos de retomada do apetite a risco e vigor das emissões nos mercados primários de crédito privado, em escala e perfil adequados às necessidades do setor produtivo. Preservar as fontes institucionais e o capital do BNDES será crítico para permitir a consolidação dos passivos empresariais e para cobrir lacunas nas fontes dos projetos de infraestrutura, essenciais na retomada, que deverão se abrir pelo provável e indesejável recuo no apetite de risco nos mercados de debêntures.
[1] Relatório do banco UBS: “Global Economics & Strategy: Covid 19 – The Toughest Investor Questions”; Abril de 2020.
[2] Elaboração própria com base em dados do BACEN e AMBIMA para fevereiro de 2020.
* Thiago Rabelo Pereira e Marcelo Miterhof são economistas do BNDES. O artigo não reflete necessariamente a opinião do banco.
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