Com a experiência de quem foi ministro, deputado e prefeito, o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) foi escalado no início do ano pelo presidente Jair Bolsonaro para fazer a interlocução com o Senado. Um dos principais articuladores do MDB na Casa até então, integrante do grupo de Renan Calheiros (MDB-AL), ele se viu revestido da condição de líder do governo.
Nesse papel, Bezerra entende que Bolsonaro poderia ter uma situação mais favorável no Congresso se tivesse distribuído cargos de primeiro escalão aos partidos políticos. E antevê, para 2020, uma grande dificuldade para a equipe econômica fechar sua proposta de reforma tributária: encontrar uma saída para compensar a desoneração da folha de pagamento.
Embora Bolsonaro tenha descartado a volta de um tributo sobre as movimentações financeiras, a exemplo da extinta CPMF, Bezerra reconhece que o governo ainda não encontrou alternativa para compensar a desoneração, estimada em mais de R$ 280 bilhões.
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“Todo mundo está buscando essa alternativa como Paulo [Guedes] colocou, não é fácil encontrar uma alternativa para a desoneração que não passe pelo imposto de transação, não quer dizer que o imposto de transação venha”, disse o senador em entrevista ao Congresso em Foco.
O emedebista ressalta a contrariedade de Bolsonaro com o imposto:
“Ele [Bolsonaro] foi categórico ao dizer que não gostaria de voltar com essa discussão. O problema todo é quando se faz as contas, seria interessante ter. Seria uma expectativa muito baixa no somatório [da perda da receita com a desoneração] e nenhuma outra alternativa está ali”.
PublicidadeO líder do governo no Senado nega que o ministro da Economia, Paulo Guedes, ainda trabalhe com a ideia de uma nova CPMF e que haja, nesse ponto, uma disputa entre o ministro e o presidente da República.
O cenário, mais provável, segundo ele, é que o imposto não volte. E, para isso, aposta no crescimento da economia no próximo ano para a ampliação de receitas. “Devemos ter até o próximo ano uma receita, poderão surgir outras ideias que não passem pela criação de um imposto sobre transações financeiras. Melhor aguardar”, pondera.
O deputado General Peternelli (PSL-SP) tenta recriar a CPMF e apresentou uma emenda substitutiva à reforma tributária em tramitação na Câmara, de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP).
Bezerra diz considerar otimista a previsão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de que a reforma tributária será concluída até o meio do ano. Para ele, a reforma pode até ser aprovada pelos deputados no primeiro semestre. Mas só deve ficar pronta no Congresso no fim de 2020. A compensação da desoneração da folha também foi apontada como o principal desafio da reforma pela secretária-executiva do grupo de trabalho que estuda o assunto no Ministério da Economia, Vanessa Canado, em entrevista ao site nesta semana.
Como mostrou o Congresso em Foco, a participação do Executivo no assunto se dará por meio de quatro fases que serão apresentadas ao longo de 2020. A ideia é que os projetos de Paulo Guedes e as propostas de emenda à Constituição que tramitam na Câmara e no Senado façam parte de um mesmo texto final. Para isso, segundo o senador, será criada uma comissão mista a ser presidida pelo relator no Senado, Roberto Rocha (PSDB-MA), e relatada por Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), relator da proposta da Câmara.
Planalto e Congresso
O líder considera positivo o saldo do governo no Congresso no primeiro ano de mandato de Bolsonaro, especialmente pela aprovação da reforma da Previdência, mas credita algumas dificuldades ao fato de os partidos não terem mais o comando de ministérios. A prática foi adotada por todos os presidentes a partir do período de redemocratização em 1985.
No entanto, o senador acredita que há espaço para Bolsonaro se relacionar individualmente com deputados e senadores, sem a intermediação de partidos. Isso tem acontecido em nomeações para cargos de segundo e terceiro escalão na máquina estatal e na divisão de verbas para as bases eleitorais nos estados e municípios dos congressistas.
Veja a íntegra da entrevista com o líder do governo no Senado:
Congresso em Foco – Qual a prioridade para o começo de 2020?
Fernando Bezerra – No Senado será aprovar as três PECs do Mais Brasil. A primeira que vai para Câmara vai ser a PEC dos Fundos, a segunda vai ser a PEC Emergencial e a última vai ser a do Pacto Federativo. A nossa expectativa é que as três sejam votadas até final de abril no plenário do Senado. Nós achamos que a dos Fundos vai no final de fevereiro, começo de março, a Emergencial no final de março e a outra em abril. A dos Fundos já foi lida, vão ter duas audiências públicas no início de fevereiro e estamos falando com a Simone [presidente da Comissão de Constituição e Justiça], tirar da CCJ entre 18 e 20 [de fevereiro], acredito que como tem muito consenso deve ser até a primeira semana de março.
O governo concorda com as mudanças feitas pelo relator na PEC dos Fundos?
O governo está acompanhando, orientando e o importante é manter o rumo da proposta, poderá haver ajustes. Um dos exemplos, o governo já citou, está mexendo nos fundos do Ministério Público, da Justiça,com uma redação que ficava muito exagerada. Isso no âmbito dos líderes, da união dos Poderes está havendo esse tipo de ajuste.
A PEC Emergencial tem muitos pontos de resistência.
A possibilidade de reduzir salários é uma matéria que enfrentará resistências, mas é importante destacar que ninguém está impondo a nenhum ente qualquer medida dessa. Se os estados quiserem aderir, já têm regras definidas, e ao aderir terão socorro da União. Se não aderirem, podem ter outros caminhos, mas não terão socorro da União. Ninguém é obrigado. O que se quer é o impacto. Ao longo dos últimos anos, embora exista a Lei de Responsabilidade Fiscal, houve muita negligência, irresponsabilidade fiscal dos entes federativos. Isso se dá pela pela precarização do serviço público, é uma série de coisas. Precisa ajustar agora as contas públicas como instrumento de alavancar o crescimento econômico e geração de emprego.
Mas tem muito estado quebrado financeiramente que vai querer aderir…
O que está se dizendo é o seguinte: aqui tem uma receita e aqui tem a disposição da União de ajudar a sair da situação que você se encontra. Se discordar, ou se estiver em uma situação que não está caracterizada na emergência fiscal, pode ter muita gente que diz “eu não preciso disso”. Ele não é impositivo, esse que é o charme.
Na PEC do Pacto Federativo qual a principal dificuldade?
Não é que seja difícil, a proposta do Pacto Federativo é mais fácil ser aprovada porque traz um bônus, reduzir gastos de estados e municípios, todo mundo está querendo que seja aprovado o quanto antes, só que a estratégia do governo é que, para aprovar essa, tem que aprovar as outras duas. Não dá para aprovar as outras duas e não aprovar essa, essa é a mãe.
Mas essa última PEC tem uma medida de extinguir municípios que pode ser difícil de passar no Congresso? Dizem que o governo colocou essa medida como uma gordura a ser queimada na PEC. O senhor confirma?
Ninguém está colocando para tirar, não. Ela é uma das medidas que mais têm apoio na sociedade. Ela não é como vocês estão imaginando. Nesse debate ela vai ter critérios mais duros para criar novos municípios e vai acabar com a farra. A segunda conquista que vai ser discutida é a velocidade da implementação. Porque não é possível que os municípios, que têm uma média hoje de 13,5% como receita própria, o que está se dizendo é que tenha no mínimo 10% [para não ser extinto]. Nós demos cinco anos [para a medida ser implementada], acha pouco, bota dez. O que está querendo é que o prefeito arrecade IPTU, pague sua dívida ativa. A gente não vai tratar isso como se fosse uma coisa pessoal. A imprensa tem que ajudar, vocês não podem analisar que um político é contra, tem um deputado com base eleitoral. Isso é verdade, fato, mas a proposta é boa, excelente do ponto de vista dos municípios adotarem políticas fiscais que tenham o mínimo de sustentabilidade. Não vai ser assim, não, não vai ser cortado assim. O que está havendo? Falei de prazo. No Norte, pega um estado grande como Amazonas, estão querendo que só desapareçam municípios que estejam a uma distância tal. Na lógica não é bom desaparecer município de 5 mil habitantes distante 200 quilômetros do outro que seria incorporado. Não estamos falando disso, mas da realidade que a gente conhece aqui, pensam que isso está no Nordeste? Está no Sul, está em São Paulo, Minas, é um grudado com outro, então não tem prejuízo. Em algumas regiões com distâncias maiores, como Amazonas e Pará, o cuidado de acrescentar o elemento da distância.
Do ponto de vista técnico a medida diminui gastos, mas não é difícil aprovar antes de eleições para prefeito?
Eu compreendo, aceito que o que você está falando é verdade, muita gente leva para o debate da campanha, “meu município vai desaparecer, não vai desaparecer”, mas olha só, isso já vai levar para o debate da campanha: “poxa, a gente vai viver sempre de transferência, não temos que pagar minimamente?”.
Essas medidas fiscais são prioridade para o começo de 2020, mas…
Isso mexe em muitos pontos. O Conselho Fiscal da República, interage com os outros Poderes, desvinculando as contas da União, tem muita inovação e é disso que se trata muito o debate, tem muita audiência pública, o ministro ouvindo o TCU, ouvindo outro Poder, para saber como é a participação dos Poderes, marcos novos de corresponsabilidade.
Como vai ser a tramitação da reforma tributária? A equipe econômica diz que a primeira a ser apresentada vai ser a que unifica PIS/Cofins. Começa no Senado ou na Câmara?
Começa na Câmara. Ainda há expectativa que será instalada [comissão mista] na próxima semana. Vai ser criada para poder unificar os textos, sem discussão Hauly/Appy, o papel da comissão mista é de aproximação dos textos. O relator deve ser [deputado do PP-PB] Aguinaldo e o presidente [senador do PSDB-MA] Roberto Rocha, os dois vão trabalhar ao longo do período do recesso para quando voltarem em fevereiro estarem prontos para receberem as medidas do governo.
O que dá para aproveitar das reformas da Câmara e do Senado?
Muita coisa, na realidade têm que fazer ajustes. Eu acredito que é importante tirar a leitura que são duas propostas e passar a leitura que é um projeto só. Depois o governo federal vai mandando as suas propostas para serem incorporadas. Se depender de Rodrigo Maia, ele gostaria de ter a reforma tributária aprovada até junho. Acho muito otimista, mas é muito provável que a Câmara termine em junho e o Senado conclua até o final do ano. O governo federal tem expectativa de concluir ela até o final de 2020.
Compensar a desoneração na folha de pagamento é a grande dúvida da reforma tributária?
Tem que achar como vai compensar, já estamos no exercício do que é que vai vir para frente. Na realidade a proposta do governo é reduzir os encargos sobre a criação do emprego, trabalho, agora não pode desonerar e deixar passar um déficit grande com emprego. Quer se fazer um teste em um segmento específico, que são os mais jovens, até a aprovação da reforma vai ver qual o nível de extensão para compensar isso com receita.
Taxar seguro-desemprego não passa na MP verde e amarela, certo?
Muito provavelmente vai ser substituído, mas ainda não está claro qual vai ser.
Mas não tem opções?
Por enquanto não, deputados e senadores instalaram a comissão especial, vai começar a discutir, o próprio relator vai avaliar.
O deputado Mauro Benevides Filho falou que é impossível desonerar a folha sem uma nova CPMF. Está completamente descartado isso, ou tem alguma possibilidade?
Mauro Filho é deputado e estuda a área, mas eu diria o seguinte, como a economia está tendo uma retomada, devemos ter até o próximo ano uma receita, poderão surgir outras ideias que não passem pela criação de um imposto sobre transações financeiras. Melhor aguardar.
Mas não está 100% descartada ainda?
Pelo presidente está, ele foi categórico ao dizer que não gostaria de voltar com essa discussão. O problema todo é quando se faz as contas, seria interessante ter. Seria uma expectativa muito baixa no somatório [da perda da receita com a desoneração] e nenhuma outra alternativa está ali.
Há um embate entre Paulo Guedes e o presidente sobre isso?
O Paulo Guedes já esqueceu isso pela decisão do presidente. O que se discute é encontrar uma alternativa, toda vez que você vai em busca de alternativa, percebe que, digamos assim, terá que criar alíquotas em determinados setores de produção e você fica na dúvida se é o melhor. Não estou querendo colocar Paulo Guedes contra o presidente, o assunto morreu, agora todo mundo está buscando essa alternativa como Paulo colocou, não é fácil encontrar uma alternativa para a desoneração que não passe pelo imposto de transação, não quer dizer que o imposto de transação venha.
Qual foi o grande acerto e o grande erro da articulação política de Bolsonaro neste ano?
O grande acerto foi aprovar a reforma da Previdência, um grande ganho. Há um apoiamento da agenda econômica em prol de temas como a questão da reforma tributária, desestatização, tem hoje um ambiente favorável. Nós certamente melhoramos muito em relação ao final do ano passado, o país é outro. Se a gente não se perder em burburinho, os avanços que precisam são muitos, em relação ao emprego, abertura fiscal, acho que macro-temas, os resultados vão aparecer. Qual é o ponto onde devemos perseverar mais? Acho que o presidente tem demonstrado mais nos últimos meses, ouvir mais, você não tem uma base formada, essa base ainda não está definida, mas o ambiente é muito positivo em relação à agenda econômica do governo. Em relação às outras agendas do governo, como a questão dos costumes, naturalmente vai encontrar resistência e as votações expressam isso, as bandeiras não têm a mesma receptividade.
Este ano o governo trabalhou sem ter uma base, acha que o desafio para o ano que vem é construir uma?
Para quem é líder o ideal é ter a base definida, você entra no plenário sabendo quantos votos tem, mas você não tendo base tem que fazer trabalho de convencimento a cada votação, tema, por isso exige muito mais cuidado, trabalho, empenho, para que você possa conquistar, ao mesmo tempo tem que conceder temas de interesse da oposição. Acho que essa base está sendo formada, a medida que o presidente não trocou… Como era o termo que Fernando Henrique usava?
Presidencialismo de coalizão.
A coalizão que entregava ministérios a indicações partidárias. O governo se recusou o que foi tradição na Nova República, então está inaugurando um novo momento, não se dá a participação através dos partidos, é uma participação que é limitada em determinadas posições no segundo e terceiro escalão por parte dos congressistas, ajudando, trabalhando e apoiando o governo. Por outro lado o Congresso começa a perceber que também é uma coisa boa, essa construção não é toda ruim, os partidos têm menos responsabilidades e os parlamentares podem ter acesso aos programas de governo para poder ajudar o desenvolvimento de suas bases eleitorais. No ano que está terminando, dentro do Senado Federal há mais apoio que resistência. Evidente que tem reclamação, crítica, que se dá ou pela agilidade desse processo de indicação, elas ainda estão ocorrendo de forma muito lenta. Tem que passar, não é o dirigente partidário que está ali no ministério, não é o líder, então o processo é muito mais lento para a nomeação, participação dos parlamentares dentro da estrutura do governo. E também em função da execução orçamentária, a economia só começou a melhorar a partir de setembro para cá, a receita cresceu, os fatos extraordinários de arrecadação, leia-se cessão onerosa, se deram só agora a partir de outubro e novembro, então o orçamento foi destravado em novembro. O atendimento ficou comprimido ao longo do ano, por isso que você via ao longo do ano muitas reclamações e insatisfações com o governo em liberação de recursos, mas o ano está terminando com o atendimento muito maior. Pode haver críticas: “podia ter começado mais cedo porque alguma coisa vai se perder, não vai ter tempo de cadastrar”. Isso é uma coisa do processo, não foi culpa de A, B ou C. O espaço fiscal para o atendimento dos pleitos se deu pelo desempenho da economia, que começou a acontecer de forma mais forte a partir de setembro.
No início do ano foram prometidas muitas emendas.
Não era prometido, na realidade você não tinha participação dos partidos nos ministérios, então os parlamentares começaram ser atendidos através da liberação de recurso de emenda, extraordinários, só que a execução orçamentária não permitiu, só se deu no final. Não foi uma má vontade, o governo não querer, não foi quebra de compromisso. A velocidade do lançamento não é que o governo tinha e não liberou, é que o governo não tinha e quando passou a ter, começou a atender.
Há perspectiva de reforma ministerial no começo de 2020?
Que eu saiba, não, pelo menos pelo diálogo meu com o presidente e os ministros Ramos e Onyx.
Mas não ajudaria a construir uma base?
Eu não defendo, o que estou dizendo é o seguinte, é óbvio que se você… O Congresso era habituado a formar base a partir de sua participação nos ministérios, o que Bolsonaro fez nunca foi feito, isso foi pouco valorizado. O Congresso está se amoldando a essa relação com o presidente que não está dando sequência ao presidencialismo de coalizão, mas a outra coisa que surgiu. O Congresso por seu lado vai ocupando espaço com o orçamento impositivo, o poder do Congresso certamente não vai ser maior, mas não diminui a influência do Congresso. A grande agenda de Bolsonaro, a agenda econômica dele encontra grande receptividade nas duas Casas e o pessoal está apostando na formação e participação do projeto que vai tirar o Brasil da estagnação que se encontrava. Hoje nós temos expectativa de crescimento do PIB de 1,8% [em 2020], não sou eu que estou dizendo, são consultores de mercado, na média todos são acima de 2%.
Dá para ter o resto do mandato de Bolsonaro sem representantes de partidos nos ministérios?
Acho que sim, na medida que a economia for apresentando resultados, mais fácil.
Orçamento dá para aprovar antes do recesso?
Nos dias 17 e 18, todo mundo tem interesse em aprovar, como o orçamento é impositivo [os congressistas definem as áreas de destinação das verbas, não o governo].
E a PEC que facilita os deputados e senadores destinarem verbas para suas bases?
Também vai ser votada. Até porque isso tem interesse de todo mundo, vai quebrar interstício, vai quebrar tudo [A proposta está em tramitação na CCJ do Senado e, regimentalmente precisa de um intervalo de cinco sessões para ser votada no plenário. No entanto, acordo de líderes pode suprimir esse tempo].