Yoani Sánchez é uma jornalista e blogueira que narra o cotidiano da ilha. Sua prosa nunca foi propriamente militante nem ostensivamente política, o que, junto com seu inegável talento como escritora, contribuiu para seu grande sucesso no exterior, onde sua audiência é maior do que em Cuba. Seus escritos e atitudes irritam ao extremo o regime, e ela sofre uma perseguição sistemática, inclusive o regular assédio e agressão por pequenas turbas hostis a serviço do governo – uma arma frequente de hostilização dos dissidentes cubanos.
Cuba passa por um lento e sinuoso processo de mudanças cujo rumo final permanece indefinido. Um pouco mais de espaço para o mercado, uma repressão um pouco menos violenta, libertação de parte dos presos políticos e, agora, permissão para que opositores pacíficos como ela possam viajar com passaporte cubano e depois regressar ao país.
Seria de se imaginar que o governo cubano quisesse capitalizar politicamente isso: “Viu, estamos deixando os opositores viajar e podem se expressar livremente!”. Assim, Yoani viria ao Brasil, sua visita renderia uma ou duas noticias no primeiro dia, seria entrevistada aqui e ali e, logo, sumiria do noticiário. Nada demais.
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Foi o que imaginei que fosse ocorrer. Mas, ao imaginá-lo, subestimei o fator burrice. O da inteligência/diplomacia cubana e de suas correias de transmissão locais, os comitês ditos de “solidariedade”, em geral da órbita do PC do B, onde pontificam militantes cuja identidade de “esquerda” nesses tempos de mensalão e de aliança com a direita e os ruralistas resume-se a referências-fetiches internacionais e a um simplório anti-imperialismo (antiamericanismo).
O antiamericanismo primitivo e o culto a Fidel, Raul, Hugo Chávez, Evo Morales e outros caudilhos é tudo que resta de identidade “de esquerda” de quem, aqui no Brasil, não tem mais vergonha alguma em se aliar à direita ruralista mais reacionária contra o Código Florestal, por exemplo. É bem verdade que, numa perspectiva mais histórica, esse culto a Fidel Castro é quase um progresso para os adoradores de Stalin. Há duas décadas ainda eles cultivavam o ditador pedófilo da Albânia, o sinistro Enver Hoxa. Comparado com o camarada Enver, de fato, Fidel e Chavez até que são mais simpáticos… O social-fascismo mafioso albanês – tido então como farol da humanidade – desmoronou, e a Albânia acabou sendo o único país da Europa a ovacionar em massa uma visita do então presidente George W. Bush, em plena guerra do Iraque.
A agressão histérica dessas pequenas turbas, repetindo seus slogans de forma infantil – na Câmara eram apenas seis, inclusive dois assessores parlamentares – contra Yoani, na verdade, acabaram promovendo sua visita e fazendo-a se sentir ainda mais em casa, onde vive com os comitês de defesa da revolução (CDR) fungando no seu cangote.
Que coisa patética ver esses energúmenos, incapazes de sentar-se para debater civilizadamente, com os olhos esbugalhados de ódio, gritando coisas idiotas do tipo: “Yoani, vai para Miami!” Ora, de fato, ela vai para lá em breve visitar a irmã e, se o que Raul Castro prometeu valer, voltará para Havana, como qualquer viajante normal.
Resultado final: a visita de Yoani e suas palavras tiveram uma imensa repercussão, muito maior do que se a tivessem deixado em paz. Se mão da CIA houvesse nessa história – penso que a CIA têm mais o que fazer nesses tempos de terrorismo jihadista –, a provocação mais apropriada seria justamente esta: pagar umas ridículas turbas fascistóides/debilóides para desmoralizar a “abertura” de Raul Castro em relação ao direito de viajar ao exterior.
Depois dos incidentes, ninguém mais fala desse progresso do regime cubano, apenas da truculência dos seus esbirros contra uma mulher charmosa, simples e simpática. E, cá entre nós, pobre feito rato de igreja, que não tem recursos nem para um tratamento dentário, que obviamente necessita com urgência.
O mais chato disso tudo foi a bola levantada para a direita. Foi meio desagradável ver ao meu lado, pontificando sobre democracia e liberdade, o indefectível Jair Bolsonaro, que aparece no Youtube do meu discurso como papagaio-de-pirata, ou o Ronaldo Caiado (este de uma direita já mais civilizada), quase que se apossando do ícone Yoani. Graças a Deus lá estava também o bom e velho senador Eduardo Suplicy, salvando a honra da esquerda petista, muito embora na turba fascistóide se notassem assessores de uma parlamentar do PT.
O episódio, revelado pela Veja, do embaixador cubano interagindo com um alto funcionário do Palácio do Planalto nessa armação insana para hostilizar uma visitante ao nosso país, completa o teatro do absurdo.
Não consigo imaginar a presidente Dilma compactuando com tamanha burrice, com tanta boçalidade…
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