Quando vim ao mundo, por tudo que ouvi do meu pai e da minha mãe, não vim só. Comigo veio um sonho. Acredito que um sonho bem complexo, e que dentro dele deveria haver muitos outros sonhos.
Pela maneira com que me educaram, imagino que eles sonharam ter o filho e educá-lo para o bem. Educá-lo para ser trabalhador, honesto, humano e solidário. Creio que é assim com todos os pais e mães (se os filhos corresponderão ou não, é outra história) que se propõem a educar um filho ou uma filha.
Duvido que algum pai e, principalmente, alguma mãe coloque uma filha ou um filho no mundo e diga: “Esse ou essa vou educar para fazer maldades”, e passa a educar a criança para, na vida adulta, cometer crimes.
Penso nisso todas as vezes que vejo ou leio algum ato de maldade e violência. Penso sempre na mãe da vítima, e também na do criminoso. Acredito que, além da vítima e sua mãe, a grande maioria das mães dos criminosos também sofre. Não acredito que uma mãe vai educar um filho para sair cometendo crimes.
Escrevo filho porque a maioria – chuto em torno de 99,99999999% – dos crimes de violência sexual são cometidos por homens.
Quando tomo conhecimento, e é quase todos os dias, de crimes violentos e hediondos no sentido de atentado à vida de qualquer ser humano, penso muito. Penso muito na própria vida e creio que não sou o único a fazê-lo. Acredito que muitos, que milhares, milhões de pessoas devem pensar na própria vida. O pensar na própria vida é pensar o que fiz e o que posso fazer para ser solidário à vitima, e o que fazer para impedir outros crimes.
Mas também penso, e bastante, na vida dos outros. Não no sentido de fofoca e de curiosidade sobre que o fazem, mas no sentido de vida do significado dela, e se têm noção que vivem e para quê vivem. Sempre imagino que tem gente que vive sem a noção da importância que a vida tem para consigo e para a sociedade – por exemplo, os criminosos.
O pensar na vida é algo difícil. Não é só pensar o ontem: o que fiz. Não é só pensar o amanhã: o que vou fazer. Não é só o acordar, comer, trabalhar ou vadiar e dormir e, às vezes, amar. Não é só isso. É muito mais.
Quando falo em pensar na vida é no sentido da história, não só pessoal, mas na história da civilização: de onde viemos, onde estamos e onde poderemos chegar. E, nessa civilização, qual o papel me cabe. Ou não me cabe nada, só vim ao mundo para ser mais um. Só vim ao mundo para ser maltratado e maltratar? Para ser vitima ou réu? Para respeitar e ser respeitado, ou somente para ser desrespeitado?
Faço este tipo de reflexão quase que cotidianamente. No momento com mais ênfase, pois uma menina de 16 anos (queiram ou não os machistas, os criminosos, é uma menina) foi vítima de um estupro coletivo.
A dor da vítima e de seus familiares, principalmente a mãe, é indescritível, mas há ainda aqueles que não respeitam e insistem em acusá-la pelo crime de que foi vítima. Será que estes não pensam ou foram eles educados para ser violentos?
Assim que tomei conhecimento do fato, me veio à mente o caso de Queimadas, município do interior da Paraíba. Na noite de 12 de fevereiro de 2012, ocorreu uma “festa de aniversário”. O aniversariante escolheu a dedo como “presente” algumas meninas para serem estupradas. Foram submetidas a um estupro coletivo, e duas delas, assassinadas.
Com esses dois fatos na cabeça e tantos outros, me lembrei de uma resposta que Umberto Eco deu a Serena Kutchinshy quando perguntado: “O que faria se governasse o mundo”?
Eco respondeu: “Só posso dar uma resposta polêmica sobre o que eu faria se governasse o mundo, já que não existe chance de que isso aconteça. Na medida em que fui envelhecendo, comecei a odiar a humanidade. Assim sendo, se fosse dono do poder absoluto, deixaria que a humanidade persistisse no caminho da sua autodestruição, de modo que ela seria mesmo destruída, e eu seria mais feliz”.
Às vezes, num momento de desilusão e tristeza, chego a dar razão a Umberto Eco. Mas, com melhor reflexão, acho que ainda há possibilidades de a humanidade, ao fim e ao cabo, dar certo.
A esses 30 ou mais criminosos, desejo que tenham o mesmo fim que os de Queimadas. Que sejam condenados.
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