A julgar pelas proposições legislativas que tramitam no Congresso Nacional, mormente na Câmara dos Deputados, o ano de 2018 promete ser de lutas no campo político e que demandará a costumeira resistência dos povos indígenas e de seus aliados frente às ameaças de um Parlamento conservador – com hegemonia dos parlamentares de perfil retrógrado.
Num breve olhar para 2017, torna-se quase impossível antecipar, com precisão, o que virá se consideramos a criatividade macabra dos “deputados anti-indígenas”, como os povos tradicionais já os denominaram. No ano findo há pouco, esses deputados, em sua maioria da chamada bancada ruralista, utilizaram-se de estratégias diversas na busca de abocanhar as terras indígenas que tanto cobiçam. Da articulação com o (des)governo do mâitre do cardápio ruralista, Michel Temer, para a publicação do Parecer 001/2017, ou buscando, a toque de caixa, emplacar um projeto para legalizar o arrendamento de terras indígenas para o agronegócio, o menu teve amplas opções.
O argumento dos ruralistas de que o arrendamento já é uma prática foi desmontado pelos indígenas, como bem expressou a liderança Kaingang ao afirmar que “o arrendamento tem causado muito conflito e expulsão de indígenas dessas terras”. Uma amostra desse “diálogo” sobre o tema ficou bem evidenciada quando, no dia 18 de outubro passado, indígenas foram recebidos com bombas, gás lacrimogêneo e prisões ao tentar participar de uma audiência que tratava dos tais arrendamentos.
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A consistente lama de 2017, que por certo respinga ainda neste ano, pode ser vislumbrada em um fato: muitas das proposições que tramitam no Congresso Nacional e que retrocedem em séculos os direitos dos povos são justamente de autoria dos deputados e deputadas ruralistas.
Dando nome aos bois: os deputados Nilson Leitão (PSDB-MT), Valdir Colatto (PMDB-SC), Alceu Moreira (PMDB-RS), Tereza Cristina (PSDB-MS), Luiz Carlos Heinze (PP-RS), entre outros, figuram na lista dos propositores do retrocesso no que diz respeito, principalmente, a direitos territoriais. Em levantamento realizado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), verifica-se que pelo menos 33 proposições, que reúnem mais de 100 projetos, estão sendo levadas a cabo por um conjunto de parlamentares que, se não for em causa própria, legislam em defesa de específicos setores econômicos.
Os deputados Heinze, Adilson Sachetti (PSB-MT), Jerônimo Goergen (PSDB-RS), Nicias Ribeiro (PMDB-PA) e Paulo Bauer (PSDB-SC), autores de proposições anti-indígenas, receberam mais de R$ 2 milhões da JBS e BRF. Heinz, Goergen e Alceu Moreira (PMDB-RS) também receberam mais de R$ 250 mil da Phllip Morris, produtora de tabaco. Esses dados estão bem expressos no texto de Guilherme Cavalli, publicado em outubro de 2017.
Não podemos esquecer que, neste ano eleitoral, o balcão de trocas entre Temer e os ruralistas tende a se intensificar e que articulações, como as ventiladas pelo ruralista e deputado Heinze, divulgada pelo Estadão, podem trazer “novidades”. Aliás, esse mesmo deputado foi quem antecipou as articulações entre ruralistas e governo Temer para a publicação do Parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU), chamado de “Parecer Anti-demarcação”, que em desrespeito às decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), obriga os órgãos do Executivo a aplicar a todas as demarcações de terras indígenas o marco temporal e as condicionantes estabelecidas pela Corte Suprema para o caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR).
A evidência de que o Parecer 001 não trata das habituais burocracias estatais e está longe de “fortalecer as demarcações”, como defendeu a advogada-geral da União, já se materializou nos processos de despejo – caso dos ocorridos em dezembro, no Mato Grosso do Sul. Sem qualquer garantia e em total desrespeito aos direitos humanos, indígenas Terena foram retirados à força por policiais da Tropa de Choque, sob bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha, enquanto suas casas eram destruídas por tratores.
Como afirma uma liderança Terena ao jornalista Renato Santana: a tese do marco temporal legaliza esses crimes, expulsões, assassinatos e genocídio, transformando a Constituição numa revista de piada.
Que neste ano possamos rir das vitórias dos povos e que as lágrimas sejam somente de alegria.
O autor se preocupa com um parlamento conservador, mas é bom lembrar que quem dizimou populações indígenas e povos tradicionais foi o PT, ao construir Belo Monte, verdadeiro crime contra a humanidade. O silêncio sobre isso é eloquente e demonstra clara parcialidade decorrente de viés ideológico.
Caro Fábio, o que não é ideológico? Há as ideologias de uns e as ideologias de outros. Sempre achamos que o que não é condizente com nossa opinião é ideológico. Mas até esta postura é ideológica (seja para Antoine Tracy, seja para Marx). Negar a ideologia é optar por uma. Não nego a minha.
Contudo, não trato dos governos PTistas, neste artigo, pois não é era o foco deste, mas concordo que foram governos com grandes prejuízos para os povos. Belo Monte, que você lembra, é um deles. Não só para os povos indígenas mas também para ribeirinhos e outras populações de Altamira e do Xingu.
Na base destes projetos, como BM, está a perspectiva desenvolvimentista, que desde Truman (EUA), desconsidera os povos. A manutenção deste modelo (também ideológico) e sua defesa, seja por governos mais “a esquerda”, seja todos os outros que passaram pelo Executivo brasileiro, os levaram a desconsiderar os povos. Agora, (com o Temeroso e sua bancada ruralista) ainda pior. Por isso, com todo respeito, quem TENTA dizimar os povos são todos que compactuaram com o desenvolvimentismo “desde Cabral”. Infelizmente, não se restringe aos governo PTistas. assim fosse os povos teriam sofrido somente 12 anos e não mais de 5 séculos.
Minha “parcialidade” é estar do lado dos povos e de todos os que, com eles e elas, estiverem dispostos a construir um país que não os negue.
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