Duda Alcantara e Mafoane Odara*
O aumento dos índices de violência doméstica durante a quarentena é uma realidade no mundo. O isolamento social, necessário para lutarmos contra o covid-19, tem revelado um aumento dos casos ao mesmo tempo que tem mostrado a diminuição das denúncias. Como a vítima está em quarentena com o seu agressor, a dificuldade de conseguir sair de casa para pedir ajuda ou o medo de denunciar são algumas das causas desses fenômenos. Antes da pandemia, os números já eram alarmantes: segundo pesquisa sobre vitimização de mulheres no Brasil do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no ano passado o lugar mais inseguro para as mulheres era a própria casa, dado reforçado pela ONU Mulheres. A violência doméstica figurava como a que mais afetava as mulheres do Brasil: 42% das mulheres relataram ter sofrido violência dentro de casa, 29% na rua e 8% no trabalho.
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Outro dado chocante revela que 52% das mulheres que sofreram violência não fizeram nada depois de sofrê-la. A falta de informação, o medo de ser estigmatizada ou de sofrer novas violências e o despreparo dos agentes públicos em acolher e ouvir as mulheres foram alguns fatores apontados pelas vitimas que não se sentiam confortáveis em procurar ajuda.
Por isso, diante da crise, a própria ONU, por meio do seu secretário geral António Guterres, tem recomendado aos países que tomem medidas para enfrentar e prevenir a violência doméstica durante a pandemia. Entre as propostas, destacam-se maiores investimentos em serviços de atendimento online, estabelecimento de serviços de alerta de emergência em farmácias e supermercados e a criação de abrigos temporários para vítimas de violência de gênero. Até o Papa chamou atenção ao assunto.
No Brasil, vemos o fenômeno se repetir. No mês passado, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em parceria com a Decode Pulse, divulgou um estudo sobre o impacto das medidas de isolamento social na vida de mulheres em situação de violência doméstica em seis Unidades da Federação: São Paulo, Acre, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Pará.
PublicidadeEmbora os registros administrativos aparentemente indiquem redução da violência de gênero, os números de feminicídios e homicídios femininos apresentam crescimento, indicando que a violência doméstica e familiar está em ascensão. Os registros do 190 vão na mesma direção indicando aumento dos atendimentos relativos à violência doméstica.
É importante ressaltar que, ao falarmos de violência, ela não se reduz apenas à violência física. Muitas vezes, nos momentos de briga, as mulheres podem se questionar se os sinais de violências são “normais”, “coisas de casal” ou até mesmo “demonstrações de amor e de preocupação”. Mas é muito importante saber identificar quando as brigas passam do limite e colocam em risco as mulheres e as crianças da família. Machucar e controlar não são formas de demonstrar carinho. Você sabe reconhecer se está diante de violências psicológicas, morais, patrimoniais ou sexuais?
Além do Quebrando o Tabu, que fez uma campanha para mulheres contarem suas histórias, no Awaken Talks você também encontra mulheres relatando quase sempre um começo sedutor e um mesmo ciclo, que intercala períodos de arrependimentos e carinho da parte do agressor com mecanismos de fragilização, controle, isolamento e desvalorização da mulher, podendo chegar até a agressões físicas – até que um novo ciclo recomeça. O pedido de quem já passou por isso é para que você, se estiver se sentindo ameaçada de alguma forma, confie e acredite no seu sentimento e peça ajuda. O Instituto Maria da Penha fez um vídeo bastante real, que viralizou nas redes sociais na semana passada, onde o final de alívio só ocorre porque uma amiga ofereceu ajuda e a vítima aceitou. Aumento no consumo de bebida, intensa convivência, frustração, ansiedade, estresse, depressão, crise econômica e dificuldades financeiras resultam em ofensas, ameaças e agressões. Nessas condições, a casa se torna uma bomba-relógio, e é nesse ambiente que muitas mulheres estão há quase 60 dias. A verdade que é vivemos em uma sociedade doente, violenta e patriarcal, e o covid-19 apenas intensificou as desigualdades e desequilíbrios sociais já presentes. Brasil é o país mais ansioso do mundo. O 5o mais depressivo. E o 5o mais violento.
Vizinhos: em briga de marido e mulher se mete a colher SIM!
“Vizinha, você não está sozinha”: Distribua em sua comunidade (casa, apartamento, bairro) cartazes se disponibilizando a ser um ponto de apoio virtual para mulheres nessa situação. Caso receba algum pedido de ajuda, encaminhe para o Ligue 180, canal que devemos divulgar sempre que tivermos a oportunidade – quanto mais mulheres tiverem a informação de que existe esse telefone e outros espaços e formas de pedir ajuda, melhor!
Ele funciona como uma central apoio, acolhimento, informação e denúncia. Mas em sinal de perigo e necessidade de ação imediata, o número é o da Polícia Militar – 190 ou Polícia Civil – 197 como manda o projeto que se tornou lei esse ano no Distrito Federal, que obrigada condomínios a denunciarem, sob pena de multa .
Aproxime-se da vítima, utilize maneiras criativas para se colocar à disposição para conversar sobre qualquer coisa, não necessariamente sobre o fato em si. “Como posso te ajudar?” – ouça sem julgamento e apoie emocionalmente, isso pode salvar uma vida. Você encontra mais dicas sobre como agir aqui.
Não existe uma única solução. Precisamos de uma articulação entre governo, sociedade e setor privado.
O problema é complexo e precisamos de ações coordenadas. Será uma soma de fatores, de curto a longo prazo, que conseguirá reverter essa situação.
O principal marco institucional de combate à violência contra a mulher no Brasil hoje é a Lei Maria da Penha no 11.340/06, que é reconhecida pela ONU como uma das três melhores legislações do mundo sobre o assunto.
Na última quinta-feira, foi aprovado na Câmara dos Deputados um projeto com a assinatura de 32 mulheres dos mais diferentes partidos. PL 1291/20 classifica o atendimento à mulheres vítimas de violência como essenciais em tempos de pandemia, o que garante seu funcionamento sob qualquer circunstância – o projeto agora segue para o Senado.
Desde o começo de abril, ocorrências de violência doméstica podem ser registrados on-line em alguns estados. Vários estados têm usado as tecnologias sociais para manter os atendimentos no Sistema de Justiça e nos Centros de Referência e Defesa das Mulheres. O Ministério de Direitos Humanos anunciou a criação de um aplicativo para denunciar violações de direitos humanos, em especial violência doméstica, durante a pandemia de coronavírus.
A iniciativa privada também está se mobilizando. Avon, Natura e The Body Shop, marcas do grupo Natura & Co criaram a plataforma #IsoladasSimSozinhasNão visando enfrentar e prevenir a violência doméstica durante a pandemia. A plataforma tem três pilares de atuação: Campanha, Advocacy e Intervenção. Na parte de intervenção, o Instituto Avon criou o Programa Você Não Está Sozinha, um plano de ações coordenadas em parceria com mais 16 instituições da iniciativa privada, sociedade civil e do setor público, com o objetivo de mitigar os impactos do isolamento na vida de mulheres e meninas em situação de violência por meio da prestação de serviços. Entre os recursos oferecidos pelos parceiros do Programa Você Não Está Sozinha estão a doação de cestas básicas a mulheres em situação de alta vulnerabilidade, apoio para deslocamento durante o dia ou à noite, atendimento psicológico e jurídico oferecido por voluntárias do Mapa do Acolhimento, além do fornecimento de recursos para abrigos provisórios e casas de passagem em São Paulo, Amazonas, Paraíba, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Ceará e Pernambuco. O apoio é acionado pelas mulheres via Whatsapp no número (11) 94494-2415 e é válido no Brasil inteiro.
O Grupo Mulheres do Brasil também está com uma grande campanha, que traz lives e conteúdo sobre estupro marital, Boletim de Ocorrência online, Lei de Auxílio Aluguel para vítimas de violência entre outros. O projeto Justiceiras também vem com força. Iniciativa da Justiça de Saia, Bem Querer Mulher e Instituto Nelson Willian, reúne mais de 900 “justiceiras” voluntárias numa rede de apoio para atendimento jurídico, psicológico, assistência social e médico.
Você encontra um mapeamento com mais de 280 iniciativas de prevenção à violência e/ou proteção da mulher no portal EVA do Instituto Igarapé, além de um estudo sobre iniciativas inovadoras do Fórum de Segurança Pública nesse link.
Vemos ao redor do mundo outros exemplos bem sucedidos. Na Argentina, o governo criou um tipo de código para vítima de violência doméstica usar nas farmácias para pedir ajuda. A Itália adaptou a sua tecnologia de denúncia de bullying para denunciar violência doméstica.
Para além da tecnologia, Itália, França e Espanha transformaram quartos de hotéis em abrigos para as mulheres vítimas de violência. O PL 1552/20, que está hoje na Câmara dos Deputados, solicita exatamente isso, que caso seja necessário, que essa opção exista, medida extremamente importante visto que um dos maiores calcanhares de Aquiles dessa cenário é que as mulheres não têm para onde ir por depender financeiramente do agressor.
Segurança da mulher é um dos pilares do Vote Nelas, e esperamos que neste texto você tenha encontrado formas de se engajar e atuar. A ação é fundamental para combater o vírus da violência que impede que mulheres se sintam seguras dentro de suas próprias casas. A sensação de impotência e falta de apoio são fatores que perpetuam a situação de violência de muitas mulheres, e só a solidariedade e mobilização organizada de toda a sociedade pode nos livrar desse cenário.
*Duda Alcantara, Vote Nelas
Mafoane Odara, Instituto Avon
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