No texto número 19, da série “Saúde e bem-estar”, registrei: “O melhor alimento do mundo para os seres humanos é o leite materno. Existe um virtual consenso em torno dessa afirmação. Ele contém todos os nutrientes necessários para a saúde do bebê, muda de composição e aparência em fases para atender a necessidades distintas e funciona até como a primeira vacina (por conta das imunoglobulinas do colostro).
Atualmente, existe um controverso, por várias razões, mercado de venda de leite materno pela internet. Os interessados na compra envolvem: a) pacientes com câncer; b) fisiculturistas; c) fetichistas e d) mães que não conseguem amamentar”.
Verifiquei, pela imprensa, que entre os dias primeiro e sete de agosto de 2018 ocorre a Semana Mundial de Aleitamento Materno. Nesse período, o Ministério da Saúde, fazendo eco ao proposto pela Organização Mundial de Saúde (OMS), insiste na amamentação exclusiva nos primeiros seis meses de vida. A recomendação é clara e taxativa no sentido de que mesmo água e chá devem ser evitados. A rejeição aos outros leites e fórmulas industriais também é categórica.
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Os principais benefícios da amamentação são os seguintes, segundo os especialistas:
- Para o bebê:
- o leite materno contém todos os nutrientes e anticorpos essenciais até o sexto mês de vida;
- tem menos chance de se tornar obeso ou com sobrepeso no futuro;
- a amamentação previne alergias, anemia e infecções respiratórias, como a asma;
- tem risco menor de desenvolver diabetes tipo 2;
- crianças que tiveram amamentação exclusiva até os seis meses tiveram três pontos em média a mais em testes de QI;
- Para a mãe:
- a amamentação reduz a depressão pós-parto;
- o leite materno é acessível;
- a amamentação ajuda no controle da natalidade (taxa de proteção de 98% nos primeiros seis meses);
- efeito protetor contra o câncer de mama e de ovário e
- a amamentação reduz o risco da mulher desenvolver diabetes tipo 2 após a gravidez.
Em 2017, segundo a Organização Mundial de Saúde, apenas 38% das crianças foram alimentadas exclusivamente com o leite da mãe até os seis meses de idade. Apenas 32% continuaram sendo amamentadas até os dois anos. Ainda segundo a OMS, se todas as crianças do mundo fossem amamentadas, seria possível salvar 820 mil vidas de até cinco anos de idade anualmente.
Além dessas valiosas informações, uma rápida pesquisa na internet revelou alguns fatos inusitados relacionados com a “indústria do leite”, a bilionária “concorrente” do aleitamento materno. Eis alguns deles:
a) “Durante reunião, em maio [de 2018], da Assembleia Mundial da Saúde, promovida pela OMS, representantes dos Estados Unidos tentaram retirar trecho de uma resolução que prevê que os países devem proteger e promover a amamentação. O texto recomenda ainda que os governos coíbam propaganda e campanhas para uso de fórmulas industrializadas em substituição ao leite materno. De acordo com reportagem do jornal The New York Times, a investida seria a favor dos fabricantes de fórmulas infantis. Apesar da ação, os EUA não conseguiram eliminar o trecho do texto final”;
b) “Duas das principais indústrias fabricantes de leite artificial são as patrocinadoras oficiais do Congresso Brasileiro de Pediatria, organizado pela SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria) que acontece em Fortaleza (CE) no mês de outubro [de 2017].(…) Ela [médica neonatologista Ana Paula Caldas] ressalta que atualmente apenas cerca de 40% dos bebês de 0-6 meses estão em aleitamento materno exclusivo, sendo que quase 20% dos bebês que frequentam o pediatra recebem algum complemento já no primeiro mês de vida e 50% das crianças entre 6 meses e 2 anos consomem fórmulas lácteas ou farinhas. (…) A médica diz que o pediatra não prescreve a fórmula porque ganhou brindes e amostras no congresso. ‘Ele prescreve porque a indústria que nos patrocina o leva a crer que seu leite é quase tão bom quanto o materno. Isso chama-se propaganda subliminar’, relata. Como no Brasil há normas que impedem a publicidade de leite artificial, o foco do marketing das indústrias passou a ser os pediatras”;
c) “A IBFAN divulgou recentemente os resultados do seu último monitoramento. “Breaking the rules, Stretching the rules 1998” (Violando as regras, Ampliando as regras 1998) relata as violações ao Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno da OMS/UNICEF e às resoluções subsequentes da Assembleia Mundial de Saúde (AMS). O monitoramento foi realizado em 31 países entre janeiro e setembro de 1997. Os resultados mostram que em quase todos estes países os principais produtores de substitutos do leite materno, de alimentos complementares, de mamadeiras e chupetas não cumprem as exigências requeridas pela AMS. O achado mais significativo é a ênfase que a indústria continua dando aos serviços de saúde como canal de promoção. As evidências mostram que as companhias continuam a prejudicar o aleitamento materno e a saúde infantil. As maternidades representam o caminho mais direto para atingir mães e bebês, e os profissionais de saúde são a melhor autoridade para recomendar novos produtos. Quase metade das 54 páginas do relatório é dedicada a exemplos de violação contínua ao Código Internacional em hospitais e clínicas. As companhias ainda utilizam a distribuição de cartazes, relógios, calendários e brindes para mães e trabalhadores de saúde como forma de promover seus produtos. Os materiais informativos destinados a mães, tais como livretos, cartões de crescimento, cartazes e outros impressos produzidos pela indústria continuam fazendo propaganda de marcas de produtos e descumprem o artigo 4º do Código. Os resultados indicam também que a amamentação exclusiva e a continuidade da amamentação são as práticas mais ameaçadas pelo marketing. As propagandas das companhias colocam que o leite materno necessita ser suplementado, querendo dizer que embora seja bom para o recém-nascido, sozinho não será suficiente por um longo tempo; que a fórmula de seguimento é necessária aos 4 ou 6 meses, implicando que a amamentação deve cessar; que mulheres que trabalham fora precisam de substitutos; que os pais precisam tomar parte na alimentação; e que bebês necessitam de chás, água especial e alimentos complementares”;
d) “Já que estamos falando do Curso Nestlé de atualização em pediatria, este vídeo vem complementar toda a nossa indignação. Ele comprova que, ao contrário do que muitos médicos insistem em defender, as empresas se esmeram em influenciar a manipular os profissionais de saúde para que as mães desmamem as crianças e usem seus produtos. Em 1989, a TV australiana fez esta reportagem mostrando a desnutrição infantil no Paquistão por conta da invasão do marketing das industrias de fórmulas de leite infantis. O vídeo é um soco no estômago. Em uma hora, ele mostra a realidade dos hospitais invadidos pelas indústrias, a conivência dos médicos e as conseqüências do marketing para crianças pobres que vivem em péssimas condições de higiene e saneamento básico”;
e) “A influência da Nestlé (e outras empresas) sobre a pediatria do Brasil é tão grande que na primeira página da Associação Brasileira de Pediatria, você logo se depara com o logo da Nestlé. E isso não é novo. Desde as décadas de 30 e 40, a Nestlé já colocava vendedoras vestidas de enfermeiras dentro dos hospitais para estimular o consumo do leite artificial como o substituto adequado ao leite materno”;
f) “Podemos grosseiramente estimar que, se uma mulher receber na Maternidade uma prescrição de fórmula infantil (Nan, por exemplo) de um pediatra de sua confiança – o qual teve sua inscrição e congresso na Florida pago pela Nestlé – ela não vai amamentar. Do nascimento aos 6 meses de vida uma criança deve receber só leite materno; se este faltar (a mãe não ofereceu ao nascer… assim, em poucos dias sua produção de leite humano se interrompe) a criança deve receber 6 meses de fórmula infantil. Qual o custo? Uma lata de Nan, 800g, custa de 45 a 73 reais, média de 60. Estima-se que na maior parte dos países, alimentar uma criança com fórmula nos 6 primeiros meses de vida significa um gasto de 1/3 a 1/2 do salário mínimo mensal. Isto para famílias pobres é bastante, especialmente considerando que este leite oriundo (em geral) da vaca não traz ao recém-nascido a proteção imunológica devida contra doenças comuns, o que o leva a morbidades frequentes e às vezes internações. Não amamentar não é trivial”.
Percebe-se, com segurança, uma das facetas mais perversas do sistema capitalista. Ele tenta transformar tudo (ou quase tudo) em mercadoria (vendida no mercado para formação de lucros). O resto é, na prática, secundário nas engrenagens objetivas, impessoais e insensíveis do sistema.
O livre mercado (livre iniciativa, supremacia do mercado, etc.), cantada em verso e prosa por ingênuos e conscientes, é a licença, um verdadeiro passe livre, para a acumulação de riqueza mesmo contra os valores civilizatórios mais nobres (no âmbito da indústria do leite e praticamente de todas as demais grandes “indústrias” – farmacêutica, alimentícia, agropecuária, da pesca, de crédito, etc.).
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