“No espaço pra ficar 8 presos, tem 20, 24, 26… tem cela que tem até 30. Tem uns que dormem no banheiro, quase que com a cara dentro do vaso sanitário”.
De pronto, vem a réplica: “Cadeia, presídio, não é spa não, gente! Tem que ter as suas limitações. O preso não tá ali porque quis ir pra lá, não! O preso tá ali porque cometeu um crime”.
Um diálogo que, num mundo ideal, poderia democraticamente ter lugar nas redes sociais, como em um grupo de Whatsapp, ou num post no Facebook. Isso, não fosse a imaturidade reinante entre nós, que parece nos “castrar” para debates tão francos quanto necessários.
Na arena virtual, como muitos de nós já presenciamos, a conversa que abre essa coluna até acontece, mas quase sempre “deixa sequelas”: evolui (ou involui) para troca de farpas, ironias, rancores e laços de amizade desfeitos. Manifestações que só esterilizam, ou inviabilizam os diálogos de hoje, sobretudo aqueles de cunho político.
Nesse contexto, de aridez política e social, um documentário produzido pela TV Assembleia de Minas Gerais ousa avançar sobre a barreira de intolerância e incompreensões mútuas. Para isso, lança mão de estratégia própria: chama para a conversa oito entrevistados com visões distintas. Pessoas com ampla vivência e atuação nas áreas de segurança pública e de defesa social, colocadas não em volta de uma mesa, mas num estúdio de TV.
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O detalhe pacificador: uma de cada vez. Atrás delas, somente um fundo preto. À frente, só a lente da câmera. Nesse espaço minimalista, os únicos elementos de cena são os próprios indivíduos, cada um por sua vez. Somente eles e suas opiniões, ditas de maneira livre, direta, franca. É onde falam e podem ser ouvidos um sociólogo, um advogado, uma juíza, um promotor, um professor de direito, um desembargador, uma militante das pessoas em privação de liberdade e um agente penitenciário.
O material ganhou o nome de “Diálogos Possíveis”, como que a nos provocar, se essa forma de conversa – apartada, com monólogos compondo um diálogo – é mesmo a única em que possamos nos comunicar hoje, e praticar um raro exercício: de fala, sim, mas principalmente de escuta respeitosa de opiniões diversas.
Sendo a única forma possível de diálogo ou não, o fato é que a ideia, de essência simples se comparada com produções mais sofisticadas e caras, chamou a atenção inclusive lá fora, e a credenciou como finalista do Prêmio TAL (Televisión América Latina), na categoria “melhor produção de relevância social”. Vai disputar o título com TV’s públicas de quatro países: Argentina, Colômbia, El Salvador e Uruguai.
“O objetivo central na produção foi o de buscar depoimentos fortes, embasados em vivências pessoais e profissionais profundas, sobre embates polêmicos em uma sociedade violenta e desigual, na qual segurança pública e direitos humanos se entrelaçam e muitas vezes entram em rota de colisão. Nas divergências e convergências de opiniões, oferecer um leque ao público, para que ele reflita sobre desarmamento, maioridade penal, modelo de encarceramento, direito penal e justiça criminal, formulando ou revendo suas próprias teses”, explica o jornalista Marco Antonio Soalheiro, que assina a produção do documentário.
Caso o troféu venha para o Brasil, irá consagrar não apenas o material, mas o componente democrático que o constitui, e que ao mesmo tempo vem perdendo terreno em nossa sociedade, embaçado por um viés autoritário de múltiplas faces. “O documentário tem como princípio apostar na democracia e na liberdade de expressão como forma e processo para se superar temas que dividem a sociedade. Embora, obviamente, não esgote o assunto e tampouco promova reconciliação entre os que pensam diferente, a possibilidade de cada voz articular suas razões, sem distorções e confusões geradas pelos embates que se dão, por exemplo, nas redes sociais, coopera para clarear as posições e romper com preconceitos”, argumenta o também jornalista Brune Montalvão, responsável pela edição.
O anúncio dos vencedores do Prêmio TAL está marcado para o dia 26 de julho, em Montevidéu, no Uruguai. Ao documentário, você assiste neste link:
A série completa dos “Diálogos Possíveis”, que já tratou também de público e privado, de visões políticas (esquerda e direita) e de gênero e orientação sexual, pode ser vista aqui.
Diálogos Possíveis – Direitos Humanos e Criminalidade
TV Assembleia de Minas Gerais
Produção: Marco Antonio Soalheiro
Edição: Brune Montalvão
Imagens: Thiago Phillip, Heitor Costa, Antônio Pedroso Jr., Alex Ramos, Fausto Oliveira e Roberto Magno
Operadores de áudio: Eli Barbosa e Arnaldo Ferreira
Iluminação: Vanderlei Carvalho
Assistente de estúdio: Jean Carlos e Cristiano Rosa
Eu gostaria de ver um documentário com os pais do menino João Hélio que foi moído na roda do carro durante um assalto no Rio de Janeiro ou com o irmão da Suzane Von Richthofen, ambos crimes cometidos por esquerdistas (criminosos tentando tirar o que outros lutaram para conquistar). Parece meio ridículo perguntar o opinião de peças e apêndices do “judiciário” (“poder” que vive do crime e para o crime), como também de um sociólogo (seja lá o que faz essa gente). Precisamos de direitos humanos para humanos direitos e cada vez mais intolerância com quem está a favor de passar a mão na cabeça de esquerdistas porque não é sem explicação que estamos chegando ao índice de 70.000 homicídios por ano. Foi um projeto iniciado com a Constituição de 1988 e que está em franca operação.
Ótima reportagem, Heitor !!!
Principalmente pelo enquadramento democrático e dialógico.