Fabiana Bentes *
Adotada e proclamada em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos tem como eixo principal a preservação da dignidade humana, independente de raça, credo, condição econômica, local de nascimento, orientação sexual, gênero, origem, opinião política ou de outra natureza, sem dar espaço a qualquer tipo de extremismo, intolerância ou ideologia antidemocrática, três condições que, naturalmente, violam a Declaração.
Os Direitos Humanos são para todos e são a garantia de que eu, você ou qualquer pessoa dentro ou fora da sua rede de relacionamento não soframos violações que atentem contra a dignidade humana. E para todo direito há deveres. Um deles, expresso no Artigo 29, item 2 da Declaração, é a proteção à vida de terceiros: “No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática”.
Entretanto, mais de 60vmil pessoas foram assassinadas em 2016 e apenas 8%** desses homicídios foram elucidados. Assistimos, desta forma, diariamente, ao dilaceramento de famílias, à privação do futuro de milhares de pessoas e ao fortalecimento da impunidade com quase uma “salvaguarda” para o próximo criminoso. Banalizamos o assassinato de forma tão assustadora que transformamos as vítimas como simples números, isso quando não são esquecidas, desprezadas nas ruelas das comunidades. Há pessoas que morrem como se nunca tivessem nascido. Há pessoas mortas por facadas, estrangulamentos, armas de fogo, violência sexual. Há pessoas morrendo de todas as formas e, junto com elas, suas famílias. Cabe a nós, como sociedade, buscarmos explicações para esses crimes quando elas não existem. Assassinos não são pobres coitados que não sabem o que estão fazendo. O ato de matar alguém é fruto de uma decisão pessoal. O desprezo pela vida, consumado no pior de todos os crimes, contamina a sociedade. Os assassinatos são cometidos por pessoas que confiam na “proteção da impunidade”. Quando alguém mata uma pessoa afundamos em dignidade, nossos direitos são violados indiretamente mas, mesmo assim, já não nos damos conta que a cada vítima, tal como um coro uníssono, dizemos: “mais um morreu” e continuamos nosso dia dia.
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Quando alguém tira uma vida, quem define a punição é a Justiça. Essa é a regra em qualquer país signatário da Declaração Universal de Direitos Humanos. Punir é a resposta constitucional. É a reafirmação de que não vivemos em uma sociedade em que se pode fazer tudo. A violação ao mais fundamental dos direitos humanos, o direito à vida, fica impune no Brasil em mais de 90% dos casos. Chama atenção o Artigo 3.º da Declaração: “todas as pessoas têm direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. E o que de fato estamos fazendo para proteger a vida? É necessária uma autocrítica de cada um de nós, cidadãos brasileiros, dentro do mais profundo pensamento, o que quer dizer uma pessoa assassinada quando se lê no jornal? Para você é apenas mais um ou provoca a mais profunda empatia com a dor alheia?
É preciso resgatar a essência da Declaração Universal dos Direitos Humanos e reforçar que toda e qualquer sociedade democrática tem como eixo principal a preservação da vida, e essa preservação vem acompanhada da legislação. Para quem assassinou, a punição da lei. Para os cidadãos de bem, a proteção da mesma lei.
Se não valorizamos a vida como essencial na nossa sociedade, não somos capazes de defender nada mais.
* Secretária de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro.
** Diagnóstico da investigação de homicídios no Brasil, Estratégia Nacional de Segurança Pública do Conselho Nacional do Ministério Público, 2012
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