Por Joelson Dias* e Marcelli Pereira**
Em que pese a legislação brasileira contemplar cotas de gênero para candidaturas desde 1995 e dos visíveis esforços nacionais em estimular a participação política feminina, mediante a definição de regras referentes também ao tempo de propaganda eleitoral e à distribuição dos fundos partidário e de financiamento de campanha, passados oitenta e oito anos desde a conquista dos seus direitos políticos, ainda há um lamentável déficit de representatividade política das mulheres.
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Em uma república estabelecida como uma sociedade livre, justa e solidária, e que tem como fundamentos, dentre outros, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político, não se pode admitir a sub-representatividade de contingente humano equivalente à mais da metade da população e do eleitorado na amostra política dos representantes de toda a sociedade no parlamento.
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A histórica e persistente gravidade desse quadro exigiu e segue exigindo políticas públicas de promoção de igualdade de gênero na representação política da sociedade, inclusive as chamadas ações afirmativas.
Daí porque, não obstante a reserva de candidaturas femininas, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deram passo decisivo no incremento da efetividade das cotas de gênero ao interpretarem que os partidos políticos devem destinar recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha em percentual no mínimo idêntico ao número de mulheres candidatas.
Mas o fato é que, na exata proporção dos seus números na população e no eleitorado, não encontramos ainda uma forma efetiva de incluir as mulheres nas arenas oficiais de decisão.
Sabemos que as desigualdades sociais afetam a participação de determinados grupos na vida pública e política, diminuindo suas chances de exercerem uma função pública ou mesmo influenciarem no resultado das decisões políticas.
Daí a importância de se garantir a presença de mulheres nas esferas representativas oficiais, o que significa assegurar a sua presença também nas cúpulas partidárias.
Afinal, na sua democracia interna, e sem qualquer contrariedade a sua autonomia, mesmo os partidos políticos devem refletir a multiplicidade de vozes, incluindo as femininas, que caracterizam as sociedades pluralistas contemporâneas.
Com efeito, ao responder a Consulta nº 0603816-39, da relatoria da ministra Rosa Weber, o TSE passou a entender que o percentual mínimo de 30% de candidaturas por gênero, estabelecido no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97, alcança também a composição dos órgãos dirigentes partidários, como comissões executivas e diretórios nacionais, estaduais e municipais.
Não obstante, conquanto tenha sido louvável a deliberação, para reafirmar a importância da participação política das mulheres, o TSE perdeu, na ocasião, a oportunidade de emprestar efeito vinculante a sua decisão, tendo ficado vencido o ministro Edson Fachin, no entendimento de que a Justiça Eleitoral não deveria anotar os respectivos órgãos de direção dos partidos que não observassem a reserva mínima de gênero na escolha de seus dirigentes.
Com referida decisão, portanto, em caráter meramente abstrato e sem natureza sancionatória, o que se viu foi apenas uma recomendação aos partidos políticos.
Em outros países, porém, como no México, por exemplo, os partidos políticos devem observar a paridade de gênero na composição de seus órgãos de direção, em respeito ao regime democrático, conforme decidido pela Sala Superior do Tribunal Eleitoral do Poder Judiciário da Federação:
[..] o princípio da paridade de gênero não se esgota quando os partidos políticos nomeiam seus candidatos para os cargos eletivos, mas, além disso, transcende à conformação de seus órgãos internos, de acordo com um de seus objetivos constitucionalmente designados, consiste em promover a participação do povo na vida democrática, uma vez que a paridade de gênero na participação política é uma das peças fundamentais que enriquecem a vida democrática.
Voltando-se ao caso brasileiro, o que se espera, agora, é que, no exercício da sua competência, e com a relevância que o caso requer, o Congresso Nacional regulamente a matéria atinente à obrigatoriedade do cumprimento da reserva de gênero de 30% nas candidaturas dos órgãos internos de partidos, com a previsão, inclusive, de sanções às legendas que não a cumprirem.
De qualquer sorte, independentemente de qualquer regulamentação, o que se espera é que os próprios partidos políticos, voluntariamente, se antecipem e assegurem às suas filiadas mais essa importante ação afirmativa ou, até mesmo, quem sabe, realizem esforço ainda maior em busca da própria paridade e do incremento da participação política feminina.
Afinal, a atuação do Estado e da sociedade, e, portanto, também dos partidos políticos, deve ser pautada pela máxima efetividade à regra constitucional de isonomia entre homens e mulheres, consagrada, ainda, na seara infraconstitucional, como bem exemplificam o art. 10, §3º, da Lei nº 9.504/97 e art. 44, V, da Lei nº 9.096/95.
Na verdade, considerando a diversidade dos seus próprios filiados, os partidos políticos deveriam levar muito a sério a participação em seus órgãos dirigentes e inclusão em lista de candidatos não só de mulheres, mas também de negros, pessoas com deficiência, jovens e homossexuais.
Certamente, tal iniciativa configuraria excelente oportunidade para angariarem número ainda maior de apoiadores em cada um desses segmentos sociais vulneráveis, com seus direitos políticos histórica e sistematicamente tão comprometidos. E, principalmente com o fim das coligações nas eleições proporcionais, em muito inclusive não contribuiria, quem sabe, para que cada partido político supere o desafio que tem agora de, sozinho, alcançar o quociente eleitoral que o habilita para disputar as vagas nos parlamentos.
No particular, temos a mesma opinião que nosso querido amigo e ex-Desembargador Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE), Delmiro Campos, que, no grupo de Whatsapp do prestigiado Colégio Permanente de Juristas da Justiça Eleitoral Brasileira (COPEJE), ao reagir às intervenções de não menos ilustres eleitoralistas acerca do caráter não-vinculante da decisão do TSE sobre a reserva de vagas para as mulheres nos órgãos dirigentes partidários, indagou, com o bom humor e a sagacidade que lhe são peculiares: “e se conselho fosse bom?”.
*Joelson Dias, advogado, sócio do escritório Barbosa e Dias Advogados Associados, Brasília-DF. Ex-Ministro Substituto do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mestre em Direito pela Universidade de Harvard. Presidente da Comissão Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Representante Adjunto do IAB no Distrito Federal. Membro fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP).
**Marcelli Pereira, advogada, sócia do escritório Barbosa e Dias Advogados Associados, Brasília-DF. Pós-Graduada em Direito Eleitoral pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), Brasília (Brasil). Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP).
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