Há alguns meses o mundo tomou conhecimento do horror que se desenrolava nas prisões mantidas pelos órgãos de segurança norte-americanos. A imprensa divulgou, chocando todo o planeta, o caso de um preso submetido a 83 sessões de tortura ao longo de um mês – a cada nove horas, pois.
Neste caso, a tortura consistia em simular o afogamento, mergulhando a cabeça do preso repetidas vezes dentro de um tanque. Noticiou-se que outro preso foi ainda mais infeliz: passou por 183 sessões de tortura ao longo de 30 dias. Sim, a cada quatro horas durante todo um mês este preso era retirado de sua cela e submetido a uma sessão de tortura!
Todos estes procedimentos foram registrados, gravados, filmados e documentados. Faziam parte até de uma chocante coleção de “orientações escritas”. Cito um exemplo: havia o costume de se amarrar os presos a uma cadeira cujo encosto era fortemente inclinado. Aí, enfiavam um pedaço de pano na boca do preso e ficavam derramando água, dificultando ou mesmo inviabilizando a respiração. Acredite: as autoridades governamentais norte-americanas estabeleceram que não se poderia jogar água por mais de 40 segundos a cada vez.
Outros torturadores eram menos sutis – gostavam de arremessar os presos contra paredes. Mas não eram paredes comuns: eram de um tipo especial que desabava sob o choque violento de um corpo. De forma a evitar que a coluna vertebral dos presos se quebrasse, os policiais foram orientados pelo governo, por escrito, a colocar pedaços de pano ao redor do pescoço deles.
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Nem bem o mundo havia se recuperado das notícias desta barbárie oficializada, outra surgiu. Trata-se dos “Manuais de Interrogatório” das forças armadas do Reino Unido, objeto de recente divulgação pela própria imprensa daquele país.
Lê-se, neles, que os interrogadores deveriam provocar “humilhação, insegurança, desorientação, exaustão, ansiedade e medo nos prisioneiros que questionavam”. Assim, uma apresentação em PowerPoint, datada de setembro de 2005, ensinava que a primeira coisa a se fazer era retirar a roupa dos presos. Outro manual orientava a colocar vendas sobre os olhos dos presos. Um terceiro, datado de 2008, sugeria que os presos fossem colocados em situação de desconforto físico – isto incluía não permitir que dormissem mais de quatro horas contínuas.
Um grupo de advogados britânicos colecionou diversos casos nos quais foram aplicadas estas orientações. Chegaram a 11 de tortura por choques elétricos, 52 de privação do sono e até 39 nos quais os presos foram mantidos nus e humilhados por longos períodos.
Aliás, sobre este último caso, a orientação era fazer uma revista detalhada no preso tão logo suas roupas fossem retiradas – esta revista seria parte de um “processo de condicionamento”, nada tendo a ver com segurança.
O mais chocante nisto tudo é que uma das apresentações em PowerPoint dizia que estas “técnicas” haviam sido desenvolvidas durante décadas por interrogadores militares servindo em Bornéu, Malásia, Arábia, Palestina, Chipre e Irlanda do Norte.
É diante da banalização do horror e da crueldade simbolizada por estas lições de barbarismo institucionalizado, objeto de inspiração de tantos monstros pelo planeta afora, que ficamos a recordar as palavras de Auguste Rodin: “a civilização não é, em suma, senão uma camada de pintura que qualquer chuvinha lava”.
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