Chego de Brasília, em uma quinta-feira recente, e encontro minha mulher muito indignada. Pergunto por que e ela diz: “Fui caminhar no Parque Barigui e ouvi coisas de que não quero nem falar”. Para quem não é de Curitiba, o Barigui é um parque bastante frequentado pela (boa) classe média curitibana.
Disse-me minha mulher que estava caminhando quando dois rapazes com um pouco mais de 20 anos de idade saíram de um dos bares ali localizados e passaram a proferir frases e palavras incompatíveis para qualquer ser educado. Incompatíveis para qualquer ouvido ouvir.
Enquanto ela me contava a humilhação pela qual tinha passado, recordei a piada sem graça que tinha ouvido no dia anterior, no gabinete de um deputado federal em Brasília. Contou “que depois de certo tempo, 15 anos de casado, a mulher é como chuchu, que só se c. para o vizinho não c”. Contou e riu, riso que foi acompanhado por outros parlamentares que também acharam (muito) engraçado. Eu já não consigo rir com esse tipo de piada.
No dia seguinte à indignação da minha mulher, encontro um professor da rede pública estadual que dá aulas em Colombo, município da região metropolitana de Curitiba. Colombo ficou conhecida pelo bárbaro crime do assassinato da garota Tayná, 14 anos. Tayná foi violentada e assassinada. Os acusados (quatro) foram presos e submetidos a bárbaras torturas.
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Só para informar: a polícia incompetente do Paraná ainda não resolveu o caso. Enquanto isso, alguns policiais e alguns radialistas tentam transformar a vítima em réu. Afinal, é uma adolescente, quase mulher, filha de família humilde que não tem poder para negar as histórias que estão sendo inventadas.
Volto ao caso. Contou-me o professor que dia desses ouviu um menino de nove anos de idade, aluno dele, afirmar que a Tayná mereceu o que lhe aconteceu, pois era uma vagabunda.
Estarrecido, o professor perguntou por que ele estava fazendo tal afirmativa. O menino respondeu que era vagabunda porque ela usava shorts curtos. Veja como o machismo é construído: o uso de um short significa vadiagem. Assim se constrói o machismo e a maldade e, sem exagero, pode se estar construindo o criminoso do futuro.
As coisas foram surgindo em sequência e me convidando a escrever este artigo. Primeiro, as piadas, depois a indignação da minha mulher, a história que o professor me contou e, por fim, tomo conhecimento de que uma estudante belga, Sofie Peeters, fez um documentário com o título Femme de la rue. Durante meses, ela filmou os insultos que ouvia nas ruas de Bruxelas.
Segundo o que li, no filme, Sofie faz um percurso habitual, de casa para outro local. Ao longo do caminho, é abordada por assobios, piadas, gracinhas, convites de todos os tipos e assim por diante.
Esses “galanteios”, “convites”, piadas, “elogios”, ou seja lá o que forem, a mulher que está na rua não pediu para ouvir. Para ela, isso é violência, tira-lhe a liberdade e o direito de ir e vir por ruas ou calçadas, tanto que muitas chegam a mudar trajetos para não passar em frente a determinados locais.
O palavreado do dia a dia na rua ou em qualquer ambiente é que leva à “passada de mão”, à agressão física e ao sexo forçado (estupro).
Por conta do documentário, o Ministério Público da Bélgica e a prefeitura de Bruxelas fizeram um acordo e passarão a cobrar multa de até 250 euros, mais de 600 reais, dos (machões) machistas que molestarem mulheres nas ruas. O Ministério do Interior da Bélgica também propôs um projeto de lei sobre o tema. Que tal fazer o mesmo por aqui?
A multa provavelmente não resolverá. Tomarão algum cuidado na rua para não serem multados, mas continuarão machistas. O que se precisa, tanto lá como cá, é investir na (educação) promoção da igualdade de gênero. Caso contrário, não se cura a doença do machismo.
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