Há algum tempo, relendo uma robusta entrevista concedida ao jornal Pravda pelo primeiro-ministro da Rússia, Vladimir Putin, encontrei o seguinte trecho:
“Tony Blair [ex-primeiro-ministro do Reino Unido] é um bom amigo meu. Seu partido ganhou as eleições sob sua liderança. Depois, seus companheiros decidiram que ele deveria ir embora. Mr. Brown imediatamente tomou o seu lugar e automaticamente tornou-se primeiro-ministro sem nenhuma eleição. O que é isso? Democracia?”
E é assim, pelos tortuosos caminhos da legislação, que começa a cair por terra um dos mais sagrados atributos concedidos pelo sistema democrático, qual o da legitimidade! Desta realidade não tem escapado o Brasil, cujo sistema de “legendas” e “suplências” tem dado margem a disparates e injustiças de difícil descrição.
Tudo isto tem um custo, e um custo pesado, para o cidadão comum. Em um primeiro momento, basta que nos recordemos da praga da corrupção, presente em todos os países do planeta, quase sempre filha de um sistema democrático claramente defeituoso.
Males outros há, porém, de intensidade ainda maior. Citaria, nesta rubrica, o domínio do aparelho público por interesses privados. Simboliza este câncer recente pesquisa levada a termo na Califórnia (EUA), comprovando que nada menos que 39% das leis introduzidas naquele Estado ao longo de dois anos foram patrocinadas pelo “lobby” de empresas privadas e grupos comerciais. Fico a me perguntar sobre a extensão do mal causado por um quadro desses – que é verdadeiramente mundial.
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O mais assustador dos efeitos da má qualidade de um sistema democrático, porém, vem a seguir, através de uma significativa frase do paquistanês Mohammed Tariq, 22 anos de idade, motorista de táxi de Islamabad: “Nós não queremos democracia. Nós só queremos lei, ordem e preços estáveis”. Está aí, nesta declaração prestada à revista Time nos já distantes idos de 1999, o risco maior, que há de merecer nossa máxima atenção.
A quem disser que este é o raciocínio isolado de um obscuro habitante de um país distante, recomendaria a leitura de uma pesquisa levada a efeito pelo PNUD, retratando que 54,7% dos cidadãos latino-americanos aceitariam um governo autoritário se ele pudesse resolver seus problemas econômicos. O mesmo estudo demonstrou que, para 56,3% da população, o desenvolvimento é mais importante que a democracia – e eis aí um diagnóstico que não veio lá do distante Paquistão, mas das mesmas ruas que frequentamos cotidianamente!
Dia desses li os resultados de outra pesquisa de opinião pública, realizada em 2006, demonstrando que 13,5% dos brasileiros preferem uma ditadura. Outros 16,9% se disseram indiferentes. E apenas 64,8% dos nossos compatriotas declararam preferir a democracia. Haveria algum erro nesta pesquisa? Não creio. Outra, mais recente, realizada pela ONU junto a 18 países da América Latina, constatou que o Brasil ficou em 15º lugar quanto ao nível de adesão da população à democracia.
Isto é sério. Muito sério. Retrata uma insensibilidade vergonhosa por parte de nossas elites. Enquanto isso, ressalvadas pequenas alterações pontuais em nossas leis, conseguidas à custa de incontáveis horas de debates e discussões, vamos tocando nossa rotina modorrenta, fruto de um imobilismo ampliado por alguns poucos falsos interesses corporativos. Renunciamos à ordem, e ficamos apenas sonhando com o progresso. Acorda, Brasil!
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