Como era de se esperar, a combinação do julgamento do chamado mensalão pelo STF com a campanha para as eleições municipais tem gerado muita polêmica. Mais ainda porque agora, diferente do entendimento que se tinha antes, começa a se disseminar a percepção de que o julgamento e o vasto noticiário a respeito incidem na formação de opinião dos eleitores. Vou me permitir, neste artigo, uma opinião a respeito.
Hipocrisia I
Começo falando das hipocrisias que têm cercado as discussões sobre o assunto. Primeiro, a hipocrisia da direita tradicional do país, representada partidariamente pelo DEM, PSDB, PPS e assemelhados. Declarações dos dirigentes políticos destes partidos apresentam o julgamento como uma evidência de que a corrupção na política brasileira é obra exclusiva do PT e de Lula, e que essa prática seria extirpada do cenário político do país com a condenação dos acusados, Zé Dirceu à frente. Fala-se até em resgate da política no Brasil. Inacreditável. Simplesmente deletam, só para dar um exemplo, a existência do mensalão de Minas, em torno das atividades do ex-governador Eduardo Azeredo, do próprio PSDB.
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Chegam a soar patéticas as peças da propaganda eleitoral do candidato do PSDB na cidade de São Paulo, José Serra, atribuindo ao candidato do PT, Fernando Haddad, a pecha de ser portador de relações perigosas com pessoas envolvidas no crime de corrupção em pauta. Um dos condenados no julgamento do mensalão apoia a candidatura do próprio Serra. O PSDB chega a apresentar o mensalão como o maior processo de corrupção que já ocorreu na história do nosso país. No entanto, para sermos justos, o mínimo que precisa ser dito é que este título é disputado, palmo a palmo, com a bandalheira com patrimônio e recursos públicos que foi feita nos processos de privatização nos governos do tucanato, nos oito anos que antecederam o primeiro governo Lula.
Essa é a verdade, evidente para qualquer cidadão medianamente informado em nosso país. A corrupção tem sido marca registrada de todos os governos e governantes que passaram pelo Palácio do Planalto (sem falar nos palácios anteriores). Não vale a pena perder tempo falando de Collor de Mello, mas é preciso registrar que essa prática foi utilizada com particular intensidade nos governos do PSDB/DEM /PMBD encabeçados pelo ex-presidente FHC. Isto se pode observar nos processos de privatização, passando pelas maracutaias para salvar banqueiros amigos, até a compra de votos no Congresso Nacional para aprovar emenda constitucional que possibilitou mais um mandato para o então chefe de governo.
A cumplicidade de boa parte da imprensa nacional (Veja e Rede Globo à frente), que dá guarida a essa versão falaciosa sustentada pela direita conservadora, apenas serve para nos lembrar que os grandes meios de comunicação não estão aí para informar o publico. Estão aí para difundir as informações que atendam aos interesses – quase nunca publicáveis – dos seus proprietários. Da mesma forma que alguns outros meios de comunicação usam os mesmos métodos para defender o governo e o PT, movidos também por interesses nada republicanos.
Hipocrisia II
Mas há outra hipocrisia em toda essa discussão, e por isso o plural no título deste artigo. Os defensores do PT e dos acusados no mensalão, contra todas as evidências e fatos concretos, teimam em dizer que não houve corrupção, que se trata de tentativa de golpe da direita contra Lula, que tudo isso não passa de invenção da mídia golpista. Com o maior cinismo, alguns dizem que tudo se resumiu a caixa dois de campanha, como se combater essa prática não fosse uma das razões que o PT alegava para a sua própria existência. Fosse isso apenas, e já seria grave o suficiente para ser repudiado por todos.
E não são apenas os fatos relacionados ao chamado mensalão. Que nome dar à troca do apoio de Maluf ao candidato do PT em São Paulo, pela nomeação de um apaniguado desse senhor para um alto cargo do Ministério das Cidades? Esse “afilhado” de Maluf foi nomeado para agregar competência técnica, preocupação social ao Ministério das Cidades? Alguém acredita nisso? Que falar dos acordos vergonhosos feitos pelo governo Dilma para segurar investigações que poderiam acabar com o mandato (e muito mais) do senador José Sarney, fato este ocorrido ainda no ano passado? Cadê a faxina?
E, à exceção do trabalhador comum, que muitas vezes tem em relação a Lula uma confiança quase messiânica, todos os demais defensores do legado Lula o fazem com a consciência de que, sim, a corrupção foi um elemento importante na constituição da base de sustentação do governo Lula (e agora Dilma). Muitos são dirigentes e ativistas das lutas sindicais e populares, muitas vezes estão nas lutas dos trabalhadores junto conosco. Isso é o que causa mais tristeza.
Parecem ter esquecido que no sistema político vigente há séculos em nosso país, os altos cargos da administração pública são utilizados como instrumentos dos grupos políticos que estão no poder para oferecer benefícios – quase sempre pouco lícitos – aos grupos empresariais. Estes, em troca, financiam as campanhas eleitorais dos políticos donos dos cargos. O que mudou dessa prática nos governos Lula e Dilma? Nada! O nome disso, caros companheiros, é corrupção. O mesmo nome que tinha quando o governo era FHC e todos nós, juntos, denunciávamos essa prática.
Para sermos um pouco mais precisos, teríamos de registrar que a corrupção é parte essencial do sistema político e do sistema de governo da sociedade capitalista. Apropriar-se dos recursos públicos e/ou usar de favores dos governantes para potencializar seus ganhos privados é uma política universal do grande empresariado de todas as partes do mundo. Qual explicação, se não essa, para a prática generalizada dos bancos e grandes empresas em investir (sim, o termo é esse mesmo, investir) centenas e centenas de milhões de reais para financiar candidatos em todas as eleições?
Identidade política ou ideológica não vale como resposta, pois os grandes financiadores têm dado dinheiro igualmente para o PT, PSDB, PMDB (ou outro partido qualquer que apresente chance de ganhar as eleições). Isso é assim para que, depois, o governante eleito fique comprometido em atender os interesses não do eleitor que lhe deu o voto, mas sim do financiador que lhe deu milhões de reais (afinal de contas, em quatro anos haverá outra eleição e alguém terá de pagar sua campanha milionária).
É preciso, portanto, repudiar sim, com veemência as práticas corruptas que estiveram presentes no governo Lula e que estejam presentes no atual governo. Da mesma forma que é preciso, com igual veemência, repudiar a corrupção dos governos do PSDB, DEM, PMDB e companhia. Não se pode admitir a ideia de que, por sermos “todos iguais”, seria hipocrisia um falar da corrupção do outro. Não! Nós não somos todos iguais. Eu sou dirigente de um partido que não tem nem aceita essa prática, assim como há muito dirigentes e militantes políticos em outras organizações que não coadunam com a corrupção.
O STF está frente ao desafio de, além de condenar aqueles contra os quais haja provas de corrupção no processo em curso do mensalão, também julgar com celeridade e condenar aqueles contra os quais haja provas de corrupção no processo de mensalão de Minas. Isso para não falar de tantas outras denúncias paradas nos escaninhos da Justiça brasileira. Se não o fizer, estará apenas confirmando mais uma vez o caráter político, e não jurídico, da atuação dos tribunais em nosso país.
Fraude
Mas não quero terminar estas linhas sem tocar numa questão que surge do julgamento em andamento no STF. Uma fraude, gigantesca, que teria sido praticada contra o país, no Congresso Nacional. O relator do julgamento, ministro Joaquim Barbosa, afirmou em seu voto que a aprovação da reforma da Previdência em 2003 (além de outras leis importantes aprovadas naquele período) foi garantida na base da compra de votos de parlamentares. Aliás, a própria Procuradoria-Geral da República em sua denúncia já havia chamado a atenção para a coincidência entre votações importantes no Congresso e o repasse de dinheiro do esquema do mensalão a parlamentares.
Já havíamos feito esse questionamento antes junto à Procuradoria-Geral da República, que naquele momento não aceitou dar curso à denúncia. Confirmada essa hipótese pelo julgamento, estará provado que a aprovação daquela reforma se deu tendo como base uma fraude. Uma fraude não pode – pelo ordenamento legal brasileiro – constituir ato jurídico perfeito. Teremos então que direitos de milhões de trabalhadores foram e estão sendo prejudicados por uma lei que não pode ter sua validade mantida, pois foi fruto de uma fraude. Há que se corrigir essa ilegalidade!
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