Edson Sardinha, Thomaz Pires e Lúcio Lambranho
Nenhuma região do país tem mais parlamentares processados, em relação ao tamanho de sua bancada no Congresso, do que o Norte. Quase metade dos 86 congressistas da região responde a algum tipo de processo. Levantamento do Congresso em Foco revela que 37 deputados e senadores desses sete estados são alvos de 115 processos, quase um terço dos 397 procedimentos em andamento no Supremo contra parlamentar.
Há 40 ações penais (denúncias que podem resultar em condenações) contra 15 deputados e três senadores, e outros 75 inquéritos (investigações preliminares) contra 24 deputados e dez senadores do Norte.
Veja a relação dos parlamentares
O que dizem os deputados e senadores
As denúncias contra esses congressistas alcançam pelo menos 22 tipos de crime. Os mais comuns são peculato (apropriação, por funcionário público, de bem ou valor de que tem a posse em razão do cargo, em proveito próprio ou alheio), 32 vezes; formação de quadrilha, 23 vezes, e crime de responsabilidade (praticados no exercício de outra função pública), que se repetem dez vezes. Também há oito investigações de crimes contra a Lei de Licitações, eleitorais e ambientais.
A relação inclui ainda denúncias de corrupção, trabalho escravo, estelionato, falsidade ideológica e crimes considerados de menor gravidade, como calúnia, difamação e desacato, entre outros. Em pelo menos seis casos, o STF não informa de maneira clara a natureza da acusação.
A lista dos parlamentares nortistas processados é encabeçada pelo ex-governador de Roraima e deputado Neudo Campos (PP), com 21 processos ao todo. Os deputados paraenses Jader Barbalho (PMDB) e Lira Maia (DEM) aparecem logo a seguir, com dez investigações cada, no ranking dos parlamentares da região com mais problemas na Justiça.
As bancadas de Roraima e Tocantins são as que têm, proporcionalmente, mais parlamentares com pendências judiciais: seis dos 11 congressistas desses estados respondem a inquérito ou ação penal. O mesmo se dá com cinco dos 11 deputados e senadores de Rondônia. Maior bancada do Norte no Congresso, o Pará tem nove de seus 20 representantes com processo no Supremo. Com 11 parlamentares na Câmara e no Senado, Amazonas e Amapá têm quatro sob investigação, e o Acre, três. O PMDB, com 13 nomes, o PSDB e o DEM, com quatro cada, são os partidos com mais representantes entre os investigados do Norte.
Praga do Egito
Parlamentar com maior número de investigações autorizadas pelo Supremo, Neudo Campos é acusado de peculato e formação de quadrilha e de ter cometido crimes de responsabilidade, contra a Lei de Licitações e eleitorais. Pré-candidato ao governo de Roraima, ele desponta como líder nas intenções de voto, em empate técnico com o atual governador, Anchieta Júnior (PSDB), segundo instituto de pesquisa local (Ipespe). No dia 31, sua candidatura ganhou o apoio do PT.
Em novembro de 2003, menos de um ano após deixar o governo, Neudo foi preso, juntamente com outras 40 pessoas, acusado de comandar um esquema de fraude na folha de pagamento do estado. O grupo, desarticulado pela Operação Praga do Egito (também conhecida como Gafanhoto), da Polícia Federal (PF), desviou mais de R$ 230 milhões dos cofres públicos, de acordo com denúncia do Ministério Público Federal (MPF).
O deputado não retornou os contatos feitos com seu gabinete pela reportagem. Mas, em entrevista concedida ao site há dois anos, Neudo rebateu as 17 investigações que estavam em curso, naquela época, contra ele. De lá pra cá, virou alvo de outras três. O ex-governador disse que os processos foram desdobrados apenas para prejudicá-lo e que nunca soube de desvios de recursos em sua administração.
“O mundo se voltou contra mim. Minha esperança é o Supremo. Tenho certeza de que serei absolvido. Meu advogado diz que, à luz do que se encontra, é impossível me condenarem”, declarou, na ocasião. Neudo disse que, quando voltar ao governo de Roraima, fará tudo diferente: “Não vou assinar um convênio. Vou fazer uma auditoria rigorosa”, garantiu.
Processado por formação de quadrilha, estelionato, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica, emprego irregular de verbas públicas e crimes contra o sistema financeiro, a ordem tributária e a administração pública, Jader também é um sobrevivente político no Congresso. Alvo de cinco inquéritos e cinco ações penais, lidera todas as pesquisas de intenção de voto para o Senado.
Jader, o sobrevivente
Como mostrou o Congresso em Foco em maio, Jader poucas vezes esteve tão forte em quatro décadas de vida pública. Seus aliados políticos comandam um orçamento público de R$ 7 bilhões nos governos federal e estadual. Na corrida eleitoral, é assediado pelo PSDB, o DEM e o PT, seus tradicionais adversários políticos. Presidente do PMDB paraense, decidiu lançar candidato próprio para forçar um segundo turno, provavelmente entre a petista Ana Júlia e o ex-governador tucano Simão Jatene.
Há uma década, Jader protagonizou uma histórica batalha pelo poder com o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), que acabou resultando na queda dos dois. Acusado de desviar recursos do Banco do Estado do Pará (Banpará), da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e do Ministério da Reforma Agrária, Jader renunciou à presidência do Senado e ao mandato para escapar da cassação em 2001.
Em fevereiro do ano seguinte, o peemedebista foi algemado e passou 16 horas preso na sede da Superintendência da Polícia Federal em Tocantins, acusado pelo Ministério Público Federal de comandar uma “organização criminosa” que desviou pelo menos R$ 130 milhões da antiga Sudam. O deputado sempre negou as acusações, alegando ser vítima de perseguição política.
“Se Jesus foi violentado, por que eu não poderia ser?”, provocou em setembro de 2002. “Também fui apanhado de manhã cedo, como Jesus. Disseram a Pilatos que Jesus era um malfeitor, e portanto, um bandido. Naquela época, eles não tinham algemas e fizeram uma coroa de espinhos”, discursou em ato público em sua defesa, realizado em Belém na época.
As imagens de Jader encobrindo as algemas com um livro, ao desembarcar do avião em Palmas, correram o país, mas não a ponto de abalar sua popularidade no estado natal. Oito meses depois da prisão, recebeu 344.018 votos que fizeram dele o deputado mais bem votado do Pará e lhe devolveram o chamado foro privilegiado, a prerrogativa de ser julgado apenas pelo Supremo. Benefício estendido quatro anos mais tarde, por igual período, quando se reelegeu com 311.526 votos, e que pode ser prorrogado por outros longos oito anos caso se candidate e vença a disputa ao Senado. Procurado pela reportagem, Jader não retornou o contato.
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Legado da prefeitura
Também do Pará, o deputado Lira Maia é réu em quatro ações penais e alvo de outros seis inquéritos. Na Ação Penal 524, aberta pelo Supremo em setembro do ano passado, ele é acusado pelo Ministério Público (MP) por crimes contra a Lei das Licitações. O deputado é investigado por envolvimento em irregularidades em 24 processos licitatórios promovidos para aquisição de merenda escolar da rede pública de Santarém (PA), em 2000, quando era prefeito do município. O superfaturamento, segundo a denúncia, passou de R$ 1,9 milhão, em valores da época. Os dados constam da página do STF.
A passagem de Lira Maia pela prefeitura de Santarém ainda lhe rende outros processos no Supremo. Nas ações penais 517 e 518, por exemplo, apura-se o envolvimento do então prefeito em desvios de verbas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), entre 1998 e 2000.
Segundo a denúncia, auditoria feita pela Delegacia da Receita Federal constatou que parte dos R$ 18 milhões repassados pelo Fundef ao município foram desviados para pagar outros serviços prestados pela prefeitura, em vez de serem aplicados na educação fundamental e na valorização do magistério.
Lira Maia atribui as acusações ao “calor da disputa política local” e as classifica como “ônus” do cargo de prefeito, que exerceu entre 1997 e 2004. “Todos os processos relacionados são frutos do calor da disputa política local com denúncias infundadas junto aos órgãos da esfera judicial aos quais tenho me defendido ao longo dos anos. Acredito fielmente na Justiça brasileira e tenho a convicção de que os fatos serão devidamente esclarecidos”, declarou.
O deputado diz que confia na Justiça e que ter pendência judicial faz parte da vida dos parlamentares que já foram prefeitos. “Até a presente data, alguns processos foram arquivados, e, quando aos que estão em curso, acredito que a justiça prevalecerá. Infelizmente, esse é o ônus de ser um homem público, principalmente tendo exercido mandato de prefeito. Esse ônus não é privilégio meu, a esmagadora maioria dos parlamentares que já exerceu o cargo de prefeito também responde a processos judiciais”, ressaltou.
Foro privilegiado
Os parlamentares brasileiros, assim como ministros e o presidente da República, entre outras autoridades, só podem ser julgados nas ações criminais pelo Supremo Tribunal Federal. É o chamado foro privilegiado. Em março de 2007, quando o Congresso em Foco fez o primeiro levantamento das pendências judiciais da atual legislatura, nem todos os processos contra deputados e senadores novatos que corriam nas instâncias inferiores haviam subido para o Supremo.
A tendência de crescimento nas ações e inquéritos envolvendo congressistas se consolidou de lá pra cá. Em setembro do ano passado, por exemplo, levantamento deste site apontou para a existência de 331 processos contra 151 parlamentares. Entre arquivamentos e abertura de novas investigações, o número de parlamentares sob suspeita e de processos cresceu mais de 10% de lá pra cá. Como mostrou ontem (8) este site, durante o período de tramitação do projeto ficha limpa no Parlamento, o Supremo abriu 87 processos contra 59 congressistas.
A nova lei, assinada pelo presidente Lula, veda a candidatura de políticos condenados em órgãos colegiados da Justiça por uma série de crimes. Como ainda não há condenação nos demais casos em análise no Supremo, os parlamentares não estão sujeitos à perda do direito de se candidatar. Foi durante as discussões do ficha limpa que os ministros condenaram, de maneira inédita, dois deputados em maio. Zé Gerardo (PMDB-CE) e Cássio Taniguchi (DEM-PR) foram condenados por crime de responsabilidade. O paranaense, no entanto, ficou livre da pena porque o STF entendeu que o caso dele já havia prescrevido. O cearense, no entanto, não pode recorrer da decisão. Ele ainda corre o risco de ter o mandato cassado.
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