O Brasil está às voltas com uma necessidade imperiosa: a reforma política. Embora seja unânime essa constatação, divergem os partidos quanto ao sistema eleitoral a ser adotado em substituição ao vigente. Temos regras para a composição do Parlamento que datam, como poucas alterações, de 1932, quando editado o nosso primeiro Código Eleitoral, sob influência da luta contra a fraude eleitoral aberta por Getúlio Vargas e seus apoiadores na Revolução de 1930. Desde então temos entre nós a experiência rarissimamente utilizada no mundo do sistema proporcional de listas abertas, marcada pela votação nominal transferível.
Esse sistema tem por base o exercício concomitante do voto num partido e num candidato. Ao sufragar o nome do postulante a um cargo de deputado, o eleitor declara sua preferência por um partido e, ao mesmo tempo, sua predileção por um candidato. Mas enquanto o primeiro voto serve diretamente para definir quantas cadeiras o partido conquistará, a segunda parte do voto possui um efeito meramente potencial. Se o candidato escolhido pelo eleitor não estiver entre os mais votados, cada voto por ele recebido terá ajudado a eleger outras pessoas, talvez em descompasso com a vontade livre do eleitor.
Para se explicar de forma simples e objetiva, deveria ser dito ao eleitor que seu voto em um candidato a vereador ou a deputado significa que ele escolheu um partido ou coligação, e que gostaria que o eleito fosse aquele da sua escolha, mas que não deve se incomodar se voto beneficiar outro candidato qualquer.
Trata-se de um modelo complexo e de duvidosa constitucionalidade: falta-lhe o devido respeito ao princípio da transparência. Hoje voto é uma lança atirada na escuridão, em que o eleitor não pode saber em qual alvo acertará.
A essa grave falha presente no sistema eleitoral, os maiores partidos respondem com sua possível substituição pelo sistema de lista fechada ou pelo sistema distrital – misto ou puro.
Ambos têm virtudes, mas apresentam defeitos que lhes retiram a capacidade de conquistar um número de adeptos suficiente para assegurar sua aprovação pelo Congresso Nacional.
A lista fechada tem o mérito de elevar o nível do debate político, levando-o do individualismo à discussão de programas. Mas cai ante a sua impopularidade, fundada na cultura popular de definição direta dos eleitos.
Já o sistema distrital tem o mérito de impedir a transferência de votos, mas tem o defeito de favorecer o clientelismo e os vínculos paroquiais. Além disso, para a adoção do modelo distrital seriam necessários três quintos do Congresso Nacional, algo que mesmo o analista menos informado sabe politicamente impossível.
Essas observações nos levaram a desenvolver a ideia do sistema eleitoral proporcional em dois turnos. Não se trata de uma ideia exótica ou sem alicerce na experiência histórica. Apenas separamos em duas etapas um processo que hoje ocorre de forma concomitante. Por esse modelo, o eleitor comparecerá à urna em primeiro turno para votar em uma sigla representativa de partido. Assim agindo, ele ajuda a definir quantas cadeiras o partido alcançará. No segundo turno, o partido apresenta candidatos em número proporcional ao de assentos conquistados na primeira volta.
Trata-se de um corte realizado por razões didáticas, apresentando muitas vantagens sobre o modelo atual. O eleitor é levado a uma campanha fracionada em dois momentos: um programático, outro pessoal. No primeiro exaltam-se bandeiras e propostas; no segundo, define-se quem serão os responsáveis por buscar a concreção dessas ideias. Ao votar no seu candidato na segunda etapa, o eleitor estará a salvo de que seu voto beneficie outro. Além disso, o modelo permite a redução do número de candidatos, algo necessário para a diminuição dos custos de campanha e para que os eleitores possam conhecê-los melhor.
O voto proporcional em dois turnos – também chamado de “voto transparente” – tem o mérito da lista fechada de elevar o nível do debate político e o do sistema distrital de assegurar a eleição dos mais votados. Garante ao eleitor a palavra final sobre os eleitos, ao passo em que assegura participação parlamentar às diversas correntes de pensamento.
O voto transparente tem ainda a virtude de ser passível de aprovação pela maioria simples dos congressistas, eis que veiculado por meio de projeto de lei ordinária.
Por esses méritos, esse aperfeiçoamento do sistema vigente conta hoje com o apoio de 104 organizações nacionais da maior envergadura, dentre as quais cito a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a Ordem dos Advogados do Brasil, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político. Juntas, elas integram a Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, e já coletaram 600 mil assinaturas para uma iniciativa popular que – nos moldes da Lei da Ficha Limpa – pautará o debate sobre o tema no Congresso Nacional neste ano de 2015.
É uma das partes mais importantes da reforma política por iniciativa popular.
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