Gilmar Piolla *
Que o Brasil vem andando para trás de uns dois anos para cá, disso ninguém duvida. Coincidentemente, o período negativo teve início com a lavada histórica de 7 a 1 que o Brasil levou da Alemanha no Mineirão, na semifinal da Copa do Mundo de 2014.
A Operação Lava Jato, que teve início no primeiro semestre daquele ano, ganhou destaque na ressaca da Copa. Mas passaria a dominar a agenda do país após a disputa acirrada que reelegeu a presidente Dilma Rousseff, por margem apertada de votos, cujo resultado nunca foi aceito pela oposição.
A cada dia fica mais evidente que a Lava Jato – embora tenha começado com o legítimo propósito de desbaratar esquemas de corrupção que assolavam a estatal há décadas – deixou-se contaminar por interesses político-partidários. Desvirtuada, elegeu o PT como alvo, submetendo o ex-presidente Lula a uma odiosa devassa persecutória. Irresponsavelmente, promoveu o vazamento ilegal de grampo telefônico, com o intuito nefasto de insuflar o movimento pelo impeachment da presidente Dilma.
O debate político baixou tanto o nível que nos envergonha perante o mundo. A irresponsabilidade dos nossos políticos e dos órgãos de fiscalização, incluindo o Poder Judiciário, é tão grande que contaminou a economia. Atingidas em cheio pelas denúncias, as principais empresas do setor de construção pesada estão quebradas, o que ameaça de paralisação as principais obras de infraestrutura em andamento. E sem investimentos em infraestrutura, todos sabemos, a economia brasileira continuará estrangulada. Não há país algum que consiga retomar o crescimento econômico com tanta confusão.
Leia também
Por isso, a crise sem precedentes que vivemos hoje. O impeachment da presidente Dilma passou a ser a única proposta da oposição, das entidades patronais e da mídia golpista, incapazes de apresentar alternativas que nos permitam superar o quadro atual.
É o samba de uma nota só, multiplicado pelos alto-falantes da imprensa conservadora, que apenas repete, no mesmo tom monocórdio, a “solução” para um problema que jamais será resolvido com a simples deposição de Dilma. Mas as manchetes gritam isso diariamente, e a crise política ganha a dimensão do espetáculo, uma novela sem fim, com capítulos diários.
O Brasil parou à espera da promessa redentora da Lava Jato. Já não há notícias boas. Elas são sufocadas pelo noticiário negativo, que passa a ideia de caos absoluto. Sim, a situação econômica é delicada. O Produto Interno Bruto cai, o desemprego aumenta, a inflação está acima da meta e o nível de confiança dos investidores é perigosamente baixo.
Mas as principais entidades empresariais, como a outrora poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI), já não se preocupam em discutir soluções inteligentes e medidas concretas que possam tirar o Brasil do atoleiro. Também caíram no conto do simplismo: basta tirar a presidente e tudo estará resolvido.
Quanta hipocrisia! Nosso sistema político está falido, mas a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que no passado sempre teve um papel importante nas discussões fundamentais para o país, não oferece qualquer proposta que contribua para um pacto de superação da crise. Envergonhando o seu passado de lutas democráticas, a OAB se oferece como arrimo do movimento golpista.
A corrupção é cultural e sistêmica, atinge todos os partidos políticos, níveis e esferas de governo. Mas só o PT é execrado e responsabilizado. Não se discute sequer uma reforma política e eleitoral, como se a solução estivesse na proscrição do partido e na prisão de seus dirigentes, jogados na vala comum dos culpados mesmo antes de se concluir qualquer investigação mais profunda. Sem qualquer direito ao contraditório e a ampla defesa.
Um dia a história mostrará isso, mas, no presente, o brasileiro que se informa pela grande mídia ignora que foram os governos do PT os que mais se empenharam em promover o fortalecimento das instituições vitais do Estado para o combate à corrupção.
Se hoje há um Ministério Público Federal e uma Polícia Federal fortes e independentes, que de fato apuram e investigam, é preciso reconhecer que isso é reflexo das políticas adotadas nos últimos 13 anos.
Ironicamente, muitos dos promotores e delegados à frente da força-tarefa da Lava Jato têm vindo a público reconhecer que as investigações que estão em andamento só se tornaram possíveis em razão do fortalecimento e autonomia do MP e da PF nos governos do PT.
Mas o que mais faz falta é de gente que pense o Brasil como um todo, não partidariamente ou facciosamente. Que entenda que o país, para sair da crise, precisa fazer amplas reformas – na política e na economia –, mas que, para isso, não basta partir para soluções voluntariosas e ingênuas. Acreditar nelas é deixar que a crise nos engula, sem exceção e sem piedade.
As instituições da sociedade civil, que já foram bem mais atuantes no sentido de prevenir-se contra aqueles que apregoam o impeachment como panaceia, têm que ajudar a pensar o Brasil, e não se atordoarem com o som dos autofalantes do samba de uma nota só. O movimento em defesa da democracia que tomou as ruas nas últimas semanas traz um alento.
No entanto, o clima beligerante, de ódio e sectarismo, só faz aumentar a intolerância política. Falta muito pouco para o país descambar na violência entre os grupos pró e contra o governo. Lamentável ver alguns integrantes da Lava Jato e de setores do Judiciário, que deveriam zelar pelo Estado Democrático de Direito, contaminados pela partidarização.
Temo que, sem uma pauta para enfrentar a crise, sem a discussão de soluções concretas, de uma agenda mínima de consenso, entre governo e oposição, será muito difícil sair do fundo do poço que nos metemos. O fundo do poço parece não ter mais fim. Triste ver o nosso Brasil dividido desse jeito.
Nessa toada, 2016 poderá ser um dos piores anos das nossas vidas. E a culpa será de todos nós. Se continuarmos nesse cabo de guerra entre os que são contra e os que são a favor do impeachment, ao final dessa luta inglória não haverá vencedores, apenas derrotados: a democracia e o povo brasileiro.
* Gilmar Piolla é jornalista.
Deixe um comentário