Clique abaixo para ouvir o comentário de Beth Veloso veiculado originalmente no programa “Com a palavra”, apresentado por Mariana Monteiro e Márcio Salema na Rádio Câmara:
Rio Verde é uma cidade bem goiana. Música sertaneja. Muitos fazendeiros. Um polo do agronegócio. Ali residem 200 mil pessoas que tiveram o privilégio de receber, em primeira mão, tudo que a nova TV Digital pode oferecer. Hoje, Rio Verde sai do mapa do estado de Goiás diretamente para a história do Brasil. É a primeira cidade brasileira a pisar de vez no mundo digital da televisão, ou seja, adeus chuviscos.
Rio Verde antecipa o futuro para nós, mas não o futuro como ele é na ficção científica. A TV digital brasileira veio pela metade. A multiprogramação não faz parte dos novos canais de alta definição. Cinema sim, mas sem a variedade da TV paga. Ou seja, qualidade, mas sem quantidade.
Outro problema é a interatividade. No caso de Rio Verde, a ajuda do governo foi providencial para não atrasar o cronograma pela terceira vez, mas a entrega foi diferente do prometido. Os sites especializados já denunciam que os set up box, que fazem a conversão do sinal analógico para o digital, não trazem a interatividade, uma das habilidades dessa evolução tecnológica.
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Não, o modelo da TV Digital nem de longe passa pela informatização da mídia mais popular do Brasil. Simplesmente, a interatividade que deveria estar nos set up box, ou seja, o conversor que está sendo distribuído pelo governo às famílias carentes, especialmente, por meio dos programas sociais, como as do Cadastro Único do programa Bolsa Família, é uma interatividade bastante tímida.
Uma parte bem pequena da banda de transmissão é usada para transportar dados que poderão ser acessados pelo seu usuário no set up box. Ou seja, é quase como aparecer o nome da música no seu rádio, aquela informação é local, e não tem canal de retorno. Assim, para pagar a conta de luz via TV só se você acoplar a internet no seu monitor de TV, porque uma melhor imagem não trará com ela a customização da informação, que é o principal bônus da internet e das redes sociais: você é o seu próprio programador.
Se ainda vamos ficar reféns dos programas de domingo da TV aberta, o impasse para o gestor público é ainda maior. A substituição dos equipamentos das emissoras de TV comerciais por coisa mais moderna dependerá do fluxo de interesse das operadoras de telecomunicações em expandir a rede de 4G no Brasil. Isso porque a troca de sistema está sendo financiada pelas operadoras de telecomunicações, que assumiram uma dívida de R$ 3,5 bilhões só para ter o direito de usar a faixa de 700 MHz, que deixará de ser usada com o desligamento do sinal analógico.
Estima-se que o custo, na prática, seja ainda maior, e o problema que é o retorno financeiro, nas localidades mais pobres do país, não é garantido. Assim, será difícil para o governo fazer com que as teles cumpram o calendário nas cidades onde o 4G não tem mercado. A tendência é que esse cronograma, que foi definido pelo ministério das Comunicações, seja alterado para se adequar à realidade comercial do mercado e à viabilidade de investimento das emissoras em tempos de crise econômica. Vale lembrar que o primeiro decreto sobre a TV Digital foi editado em 2006, tendo como ponto de chegada para o desligamento total em todo o território nacional o ano de 2013. Mais cinco anos foram necessários para que se pense em cumprir a meta de 93% dos lares cobertos pela TV Digital até 2018, fazendo o switch off da TV analógica por completo.
As evidências do impacto negativo da conta pela implantação da TV Digital já foram sentidas. Para baratear o custo, ou por outra razão desconhecida, os conversores que estão sendo distribuídos pelo governo, ou seja, se a qualidade está em alta na TV digital no Brasil, a interativa está em baixa. As TVs públicas e legislativas já estão se mobilizando e aqui mesmo na Câmara, por meio da interlocução ativa da TV Câmara, para assegurar esse mínimo de interatividade, o que pode superar uma das falhas mais graves do modelo adotado no Brasil.
Lá na época do ministro das Comunicações Hélio Costa, os radiodifusores não queriam a entrada das operadoras de telefonia no mercado de TV no Brasil, e o modelo da interatividade plena, com canal de retorno via internet, foi sepultado pelo poderoso e histórico lobby das televisões junto ao governo. Os setores de esquerda lamentam: perdemos a chance de democratizar a comunicação no Brasil, afirmam, num luto que também inclui o descarte da multiprogramação pelos canais comerciais, que também não queriam ver a concorrência na produção de vídeo aumentar.
No futuro, a TV digital brasileira pode permitir um certo grau de acesso a serviços de governo eletrônico, como o agendamento de consultas pelo SUS (Sistema Único de Saúde), mas nem de longe se tornará uma internet, com aquele cardápio fantástico de informação que vem via novas mídias, como os filmes à la cart da internet. Ou seja, dez anos depois de lançada a pedra fundamental da TV digital no Brasil, a TV de alta qualidade ainda não chegou, e a internet via TV, com tudo que se tem direito, esta não chegará nunca. Não neste modelo.
Mande suas dúvidas e sugestões para papodefuturo@camara.leg.br
Coluna produzida originalmente para o programa Papo de Futuro, da Rádio Câmara. Pode haver diferença entre o áudio e o texto.
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