Clique abaixo para ouvir o comentário de Beth Veloso veiculado originalmente no programa “Com a palavra”, apresentado por Elisabel Ferriche e Lincoln Macário na Rádio Câmara:
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Morar na capital da República é realmente um privilégio. Não que Brasília seja uma ilha da fantasia ou a cidade dos marajás. Esqueçamos estes estereótipos que não ajudam a entender os problemas de toda cidade grande como Brasília. É que, no dia 26 de outubro, o brasiliense vai se sentar no sofá com pipoca para comemorar: a TV Digital chegou ao Planalto Central!
Chegou cercada de dúvidas. Chegou com incertezas. Quantos televisores não terão acesso à nova tecnologia? Qual a qualidade do conversor distribuído pelo governo no Cadastro Único do Programa Família? Todas as famílias já receberam? Como é mesmo que funciona essa tal de multiprogramação? Minha TV vai ficar igual monitor de segurança de portaria de prédio, com quatro telinhas? Não! A TV Digital veio para dar show, pelo menos no que diz respeito à imagem! O conteúdo pouco vai mudar – quem já manda no mercado, vai continuar mandando! E a boa notícia é que se você tem um pacote de TV por assinatura, não precisa fazer nada, a linha digital já vai chegar até você, mesmo que a sua televisão não seja de alta definição. Esse foi o requisito básico na escolha do padrão japonês de TV digital, feita dez anos atrás. O processo foi lento porque preciso desenvolver um middleware, ou seja, um programa de computador que pudesse descarregar os dados e informações das torres até a sua televisão, que foi chamado de Ginga. É a isso que chamamos de interatividade, na verdade, bem moderada mesmo. Você vai poder consultar mais informações sobre o que está assistindo na tela do que antes, e não muito mais que isso.
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Então, a esperada revolução da TV Digital vai ficar para muito depois, porque o modelo preferido dos radiodifusores garantia que não haveria muitas mudanças no mercado de TV, ou seja, sem o ingresso de novos operadores ou nada de transformar a sua televisão num computador com acesso à internet para fazer serviços de banco, marcar uma consulta ou emitir uma certidão junto a um órgão público. Não, essa funcionalidade de uma interatividade plena a TV Digital brasileira não tem e talvez nunca terá. É certo que o brasileiro adora televisão e a programação é dita de qualidade – embora eu questione muito isso. Mas, na disputa com a internet, a rede mundial de computadores sempre ganha, mesmo nas famílias com menos familiaridade de computador, é apenas uma questão de tempo.
É assim que a migração da TV brasileira, famosa no mundo inteiro pelas novelas, não é nada tão espetacular assim, mas o impacto verdadeiro que essa mudança terá no setor de televisão ainda está por vir. Não dá para saber ao certo o que será feito com todo o investimento que está sendo feito pelos radiodifusores. Bem, na verdade não são bem os radiodifusores que estão pagando a conta da implantação da TV Digital, porque o custo da distribuição do set-up-box – que são os receptores de sinal com antena adaptados na sua televisão – está sendo bancado pelas teles, ou seja, as empresas de telecomunicações. Foi o preço pago para poderem usar parte da frequência antes ocupada pelo sinal analógico da TV, e que foi vendido a valores de ouro para as empresas de telecomunicações para alavancar o 4G e até o 5G no Brasil. É a chamada faixa dos 700 MHz, um verdadeiro filet mignon neste mercado de transmissão de sinais que os governos administram aqui e no mundo.
Como parte do acordo para a limpeza no espectro, como está sendo chamada a liberação da faixa de 700 MHz das emissoras de televisão para as empresas de Telecom, estava a previsão de transferência neste ano do valor de R$ 3,6 bilhões de reais para cobrir as despesas operacionais da mudança, incluindo a distribuição gratuita do kit formado por conversor e antena para as famílias, além das despesas com pagamento do kit de conversão para as famílias mais carentes. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome na Internet, só o Bolsa Família pagava, em fevereiro deste ano, 13 milhões e 900 mil benefícios. O atraso da parcela foi anunciado com as bênçãos da Anatel.
No sítio do Ministério das Comunicações noticia recente dá conta de mais de 260 mil kits distribuídos em Brasília e mais 9 municípios do entorno, onde o sinal analógico será desligado no próximo dia 26. Corra e pegue o papel e lápis para anotar se você tem direito a algum benefício, consultando no sítio sejadigital.comb.br. No total, mais de 400 mil pessoas estão habilitadas. Caso contrário, se não quiser gastar mais de R$ 2 mil num televisor novo, pode pesquisar na internet a compra de um kit a um preço médio de R$ 170 mil – na verdade, bem inferior ao custo do kit que está sendo fornecido pela EAD (Entidade Administradora da Digitalização), que é a entidade responsável pela implantação da TV Digital no Brasil. Para ter mais esclarecimentos ou saber se você é uma das famílias eletivas para o programa, ligue para o telefone 147 ou entre no site sejadigital.com.br.
Aqui na Câmara já foram apresentados pedidos de informação ao governo para saber por que a diferença de preço, em que pé está a mudança na TV Digital, e qual é a qualidade e durabilidade dos equipamentos distribuídos.
A verdade é que, na previsão inicial do Decreto 5.820, de 2006, o sinal analógico deveria ter sido desligado por completo em todo o país neste mês! O prazo foi esticado em dois anos, ou seja, agora é 2018, mas o problema é que a segunda parcela para custear esse pagamento só será liberada no ano que vem, com autorização da Anatel, o que pode levar a novos atrasos.
Além de permitir que você assista a televisão do seu celular, talvez o maior ganho da TV Digital, a novidade irá permitir que se invista muito mais na banda larga móvel no Brasil, e esta deve ser a melhor notícia de todas – apesar de a maioria dos aparelhos celulares hoje não estarem preparados para receber os sinais da TV Digital. Por hora, mesmo o cidadão que vive no apagão digital vai ter que lutar para não ver a TV também sumir do mapa.
Embora 97,1% dos domicílios tinham pelo menos uma TV, pelo menos 23,1% dos lares brasileiros não têm antena parabólica, TV por assinatura nem televisão digital aberta, segundo o suplemento digital da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) IBGE. Essa parcela representa 15,1 milhões de casas que perderiam o sinal, se a TV analógica deixasse de existir hoje. Desafios e dilemas que dizem respeito não apenas às políticas e seus financiamentos, mas à capacidade do brasileiro de participar das decisões que, de fato, invadem a sua casa e ocupam o seu sofá. E essa capacidade de diálogo e intervenção, infelizmente, ainda é muito pouca. Quem manda na telinha não somos nós, e isso é tudo que sabemos!
Mas se você não concorda ou quer comentar, escreva para nós: papodefuturo@camara.leg.br
Coluna produzida originalmente para o programa Papo de Futuro, da Rádio Câmara. Pode haver diferença entre o áudio e o texto.
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