Clique abaixo para ouvir o comentário de Beth Veloso veiculado originalmente no programa “Com a palavra”, apresentado por Elisabel Ferriche e Lincoln Macário na Rádio Câmara:
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Tartus é uma cidade na Síria. Tartus é um balneário às margens do Mediterrâneo. Tartus é o segundo maior porto na Síria. A ensolarada Tartus permite crianças e família brincando nas águas quentes do Mediterrâneo. Não estão indiferentes aos helicópteros russos que cruzam os ares a todo tempo, ou a navios de artilharia que estão à distância, no horizonte. Mas é como se fossem alheias a tudo.
Tartus está a quase 200 km de Aleppo e quase à mesma distância de Damasco, as duas capitais (econômica e política, respectivamente) da Síria, devastadas por uma guerra nada silenciosa. Mas, em Tartus, só se houve o barulho de helicópteros, não de bombas! As boias no mar dão a sensação de que o tempo não passa, como se fosse outro o tempo naquela base militar russa.
Os aviões voam e retornam, depois de cumprirem sua missão suja! Porque da portuária Tartus partem não apenas máquinas de guerra em busca de seus alvos, aleatórios ou não; mas partem também pessoas que buscam de alguma forma lidar com a destruição total que essa guerra suja já provocou nos últimos cincos anos.
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Tanto a calmaria de Tartus – tão tranquila quanto Jericoacoara, no Ceará – quanto o inferno de Aleppo são surreais. Nenhum dos dois cenários é aceitável para aqueles que embarcam, em Tartus, para ver familiares, ou ali chegam em busca de outra vida, fugindo da guerra. Não é que esteja ali a rota marítima para os imigrantes rumo à Europa. Porém, é de Tartus que partem os transportes, taxis, ônibus e vans – não se sabe bem em qual o transporte que o retirante ou estrangeiro irá conseguir embarcar rumo a Aleppo.
Algumas pessoas estão nesta jornada exatamente agora, exatamente neste minuto, numa viagem que talvez não tenha volta, e que talvez não termine com uma mensagem, no final do dia, destinada a um parente, via WhatsApp: “Eu cheguei”!!! Tudo é um inferno, tudo é incerto: as barreiras, as barricadas, os controles, quem domina as estradas e até mesmo o cessar fogo conciliado sob as bençãos de russos e americanos. Se a mensagem no aplicativo não chegar, talvez algo tenha acontecido.
E por que Tartus, onde a internet funciona com perfeição, nos ensina quando se leva oito horas para percorrer uma distância que poderia ser feita em duas horas? Nos ensina que, muitas vezes, o inferno, a guerra, o desastre pode estar próximo, e nós não estamos vendo.
Essa história me inspira muito – e é uma pena que muitas outras não sejam contadas desta forma na internet (não a história de uma guerra interminável, sem nomes e sem atores, analisada do ponto de vista político, militar; mas a história das dores, das perdas, do fim de uma nação e de uma população digna que habitava o que já foi o berço histórico da humanidade. Tudo destruído, numa morte lenta e previsível, como o que se avizinha no caso da chamada super-tele brasileira, a nossa Oi.
Lendo as poucas notícias na mídia especializada, e diante da apatia das autoridades, dos governos e dos reguladores sobre o desastre anunciado, nós nos perguntamos: como ficarão os 70 milhões de clientes da operadora, cuja dívida é impagável? Como pode uma empresa que atua no rentável e borbulhante mercado das telecomunicações cavar um buraco tão profundo? Como a ausência de transparência pode levar poucos “gerentões” e acionistas a determinar o futuro, ou o não futuro, de uma companhia que seria a referência, a bandeira brasileira no mapa das telecomunicações mundiais, a exemplo do que é a Telmex para os mexicanos ou a Telefônica para os espanhóis? O fato é que a Oi não consegue mais sequer manter os orelhões em Quixará, no Ceará, quiçá disputar o mercado africano, como se sonhou na época da sua criação.
Mais uma mudança às pressas vem sendo arquitetada para salvar a Oi, permitindo que a mesma incorpore em seus ativos os bens patrimoniais que deveriam voltar para a União em 2025. Seria mais uma gota no oceano, como o cessar fogo decretado na Síria e incerto para quem está, hoje, cruzando o triste caminho que separa a calmaria e o ar idílico de Tartus da outrora reluzente Aleppo – hoje cenário de uma terra abandonada, completamente destruída, sem água encanada, sem garantia de energia elétrica, com uma internet precária e onde um pãozinho pode custar o valor de um filet mignon. E, ainda assim, há pessoas que vivem, ou sobrevivem, nesse lugar, mas o futuro delas é tão incerto quanto o dos estimados 70 milhões de clientes da maior operadora brasileira, que não é mais brasileira, e que não se sabe por quanto tempo será operadora de telecomunicações.
Ampliar esse debate é missão da Câmara, antes que a Oi, assim como a ameaça que ronda um país chamado Síria, suma de vez do mapa.
Coluna produzida originalmente para o programa Papo de Futuro, da Rádio Câmara. Pode haver diferença entre o áudio e o texto.
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