Clique abaixo para ouvir o comentário de Beth Veloso veiculado originalmente no programa “Com a palavra”, apresentado por Elisabel Ferriche e Lincoln Macário na Rádio Câmara:
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Para começo de conversa, o WhatsApp é o favorito de nove em cada dez usuários de mensagens rápidas. O assustador é que até e-mail está caindo em desuso. Telefonar, então, nem se fala. Agora é tudo via WhatsApp. A facilidade multimídia, que inclui mandar fotos, voz, áudio e textos, faz dele a tradução perfeita da convergência. E se o aplicativo tem 100 milhões, e não 200 milhões de usuários no país, é porque metade da população não tem telefone moderno com este tipo de funcionalidade.
O WhatsApp ficou fora do ar e dois milhões de pessoas correram para o Telegram, o aplicativo russo que permite “desintelegram” mensagens, para fazer um trocadilho, ou seja, as mensagens se desintegram, são apagadas automaticamente.
Foi outra lição que aprendemos. Primeiro: a gente pensa que não vive sem WhatsApp. A segunda é: a gente vive sem WhatsApp; basta baixar outro aplicativo de voz, adicionar os seus contatos. O que não é tão fácil assim é não trazer o WhatsApp para uma parte viva, à luz do dia, quando isso for necessário.
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O fato é que os aplicativos de mensagens estão ficando tão centrais em nossa vida que a gente está precisando olhar mais para eles e ver para que eles estão servindo. Como tudo na vida, tem o lado bom, e o lado ruim.
Não importa, mas isso importa, sim, para as autoridades, e aí não adianta fazer beicinho como as empresas estão fazendo, mas o WhatsApp e outros precisam se adequar às leis brasileiras, sim! O que eu estou dizendo: o WhatsApp não pode ser refratário às investigações policiais e criminais, mediante ordem judicial. Não porque por ali circulam também todo tipo de arquitetura de crime, como pedofilia, contrabando, atentados terroristas, apologia ao crime, mas porque as leis brasileiras dizem isso: ou seja, toda e qualquer comunicação é sujeita à investigação, e é assim que deve ser.
Sem ferir as garantias individuais, como o direito à privacidade e à liberdade de expressão, a polícia, mediante ordem judicial, deve poder interceptar sim a troca de mensagens no aplicativo, em nome da segurança da sociedade. Isso não quer dizer decretar aqui o Patriot Act, que reduziu drasticamente os direitos individuais nos Estados Unidos depois dos atentados de 11 de setembro de 2001 – que permite as interceptações e quebra de sigilo sem ordem judicial –, mas é fazer as empresas.com respeitarem a Lei de Interceptação Telefônica (Lei nº 9.296, de 1996) e o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965, de 2014), por exemplo, que obriga os provedores a colaborar com a Justiça mediante ordem judicial. Caso contrário, teremos aí um caso clássico de obstrução à Justiça, ou não?
É claro que este debate pegou fogo na CPI dos Crimes Cibernéticos, e é claro que as opiniões e posições foram acaloradas de ambos os lados: afinal, o WhatsApp já foi bloqueado pela Justiça brasileira quatro vezes, sendo três bem-sucedidas, como uma reprimenda por ignorar solenemente ordem judicial. Trata-se, pela Lei, de crime de desobediência, previsto no Código Penal, art. 330, mas que também pode ser enquadrado como obstrução ao trabalho da Justiça, pela lei das organizações criminosas, lei recente de 2013 (Lei nº 12.850, de 2013). Mas é claro que as paixões que defendem a internet livre a qualquer custo, patrocinadas ou incentivas pelas empresas.com logo gritaram a palavra “censura”.
E choveram, então, projetos nesta Casa proibindo o bloqueio do WhatsApp, como uma medida desproporcional, arbitrária, um “arroubo de vaidade de juízes de primeira instância, logo corrigido por magistrados mais experientes”. E eu pergunto: e se todos os 100 milhões de usuários do WhatsApp decidissem, agora, trocar mensagens para defender um golpe de Estado no Brasil? Porque só o WhatsApp e seu irmão comercial Facebook podem fazer o que quer e não respeitar a Justiça.
No mundo esta discussão já avançou e várias autoridades caíram na real de que não dá para blindar um aplicativo como quem blinda uma cidade digital de 95 milhões no Brasil para dizer para a polícia: em nome da liberdade individual, aqui você não entra.
O jornal Le Figaro, recentemente, publicou manifestação do ministro do Interior Francês, Bernard Cazenueve. Ele anunciou que uma legislação está em curso para regular os procedimentos de investigação dentro do aplicativo, onde o recurso da criptografia torna inviável o acesso ao conteúdo das mensagens. Tornaria, dizem as autoridades francesas, alemãs e italianas, diante da escalada de atentados terroristas pelo mundo!
Após os ataques ao Charlie Hebdo, em Paris, o então primeiro-ministro britânico, David Cameron, disse que tentaria proibir serviços de mensagens encriptadas – como as do WhatsApp e do Snapchat – caso o conteúdo não pudesse ser acessado pelos serviços de inteligência do país.
A tendência é de que haja um acordo entre os governos e as empresas como WhatsApp, Facebook e Google, uma espécie de protocolo de colaboração, em que a parceria internacional também é fundamental neste caso. Proibir que as mensagens se apaguem, como no Telegram e Snapchat, talvez seja uma das medidas; ou, pelo menos, encontrar uma forma para que elas sejam recuperadas. Mas vale explicar que a criptografia, que embaralha a mensagem no caminho, juntando a informação apenas de ponta a ponta, é um protocolo usado pelas empresas.
A dificuldade, e muita gente duvida que isso vá mudar, é que este protocolo teria que ser mudado no mundo, e empresas como a Apple, por exemplo, já se negaram, peremptoriamente, a quebrar o sigilo de seu código-fonte para colaborar com a CIA, serviço de inteligência americana, que teve que contratar, por milhões de dólares, um hacker para viabilizar o acesso.
Hoje, a Justiça vai lá e apreende o telefone, como no caso da Operação Lava Jato. A Operação Hashtag, da Polícia Federal, que levou para a prisão preventiva oito suspeitos de planejar atentados durante as Olimpíadas no Brasil, encontrou outras formas de ter acesso às mensagens em que se armava, por exemplo, comprar armas na fronteira – mas não revelou por razões óbvias as táticas de investigação utilizadas. Agentes podem entrar na conversa como se fossem fanáticos ou simpatizantes de organizações criminosas – ou é possível clonar o número de terceiro de maneira legal para receber as mensagens, ou ter acesso ao backdoor das empresas, o grande registro, não importa a maneira.
Estamos fartos de saber, por exemplo, como fundamentalistas islâmicos usam a net, e especialmente as redes sociais, para fazer a sua propaganda política de guerra e ódio, por meio de vídeo em que carrascos decapitam prisioneiros, numa versão moderna da barbárie medieval, ou simplesmente te ensinam a fazer bombas caseiras. As autoridades policias já sabem disso e os governantes, com a ajuda dos reguladores de telecom e dos políticos, precisam entrar uma fórmula mágica para não proibir o bloqueio do WhatsApp, mas que essa ferramenta seja o remédio mais amargo de um tratamento que pode passar por multa e prisão do responsável que lacrar a sua casa e não deixar a polícia entrar: afinal, será que a segurança de várias pessoas não é mais importante do que a privacidade de alguns?
Para os ativistas da web livre, dá arrepios qualquer tipo de debate sobre controle da rede, mas ninguém reclama se grampearem o seu telefone, se você estiver tramando contra a vida de alguém ou destruindo a reputação de outros, como ocorreu, agora, na Itália, em que o suicídio de uma jovem de 31 anos vítima da chamada “vingança pornô” comoveu todo o país. A Justiça demorou demais para remover da rede o conteúdo de um vídeo com cenas íntimas da jovem e, ainda, condenou a vítima a pagar 20 mil euros de custas processuais. A moça não suportou ser motivo de piada nacional e tirou a própria vida.
Como eu ia dizendo, o que está por trás dessa blindagem da internet é a recusa em tratar de questões delicadas, como os direitos autorais. Mas é claro que discutir o tema e não cortar o debate pela raiz é a melhor solução para que a internet não seja, a qualquer custo, um espaço livre, inclusive para que floresçam toda sorte de crimes e pecados da sociedade moderna. Segurança não é censura quando o meu direito individual não pode ser maior do que o interesse coletivo.
Mas se você não concorda ou quer comentar, escreva para nós: papodefuturo@camara.leg.br
Coluna produzida originalmente para o programa Papo de Futuro, da Rádio Câmara. Pode haver diferença entre o áudio e o texto.
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