Clique abaixo para ouvir o comentário de Beth Veloso veiculado originalmente no programa “Com a palavra”, apresentado por Elisabel Ferriche e Lincoln Macário na Rádio Câmara:
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Eu não sei se sinto nostalgia ou uma leve melancolia ao ver as velhas cabines de telefone de Londres, a capital inglesa. Elas impulsionam o meu lado fotográfico, afinal, a decadência tem sempre o seu romantismo. Mas tirar fotos não basta entender a mensagem deixada nas ruas por esses velhos ícones da cidade mais cosmopolita do mundo: as cabines vermelhas não representam mais do que um cubículo sujo e cheio de fotos do marketing pornográfico do velho estilo “me liga”.
Falar sobre as cabines é um pouco decantar este novo mundo conectado, em que a gente assiste, assustado, a um ciclista teclando uma mensagem nesse trânsito dos infernos, e imagina como a vida das pessoas está por um fio, ou sem fio, no caso do celular. O celular tutela a vida do próprio ciclista, que ignora o risco a que se expõe como condutor irresponsável. Na Inglaterra é assim: definitivamente, em poucos anos, todo mundo estará conectado: a era do smartphone já chegou, e pode ser resumida em três palavras: dependência, fator humano e customização.
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Estamos tão viciados nos tabletes e nos smartphones que as pessoas relatam sintomas de abstinência, ou descontinuidade do uso, quando privadas, mesmo que por pouco tempo, dos seus aparelhos celulares. Elas se sentem paralisadas e mentalmente deprimidas com isso, não apenas porque precisam da internet para viver, mas porque precisam desse pequeno aparelho para se conectar a outras pessoas! Esse fenômeno clínico ainda não chegou aos consultórios psiquiátricos, mas nas ruas já é possível sentir a ansiedade da comunicação a cada minuto, e o paradoxo é que precisamos dessa interface para nos conectarmos não com informações, coisas ou serviços, mas pessoas.
Ninguém sabe o que vai acontecer quando desenvolvedores criam aplicativos para bebês de seis meses, mas são as novas gerações que transmitem hoje o conhecimento para as antigas. E não só: a internet hoje é onde se promove o verdadeiro caldeirão cultural, porque, nas ruas, não é preciso mais do que uma hora de caminhada para entender que inglês vai com inglês, japonês com japonês e assim por diante. No corpo-a-corpo, as pessoas ainda buscam e se sentem mais seguras nas relações com seus semelhantes. Com o conterrâneo é mais fácil.
A segunda tradução desse mundo digital é “fator humano”. Ou seja, a tecnologia é importante, mas o ser humano dentro da tecnologia é mais divertido, como os games jogados online. Portanto, compartilhar, curtir, encontrar, reunir são palavras chave da internet como a conhecemos hoje, e não é pecado se você estiver apenas atrás de uma opinião melhor do que a sua. Gamificação, ou seja, transformar resolução de problemas em jogos, fóruns de perguntas e respostas online ou simplesmente a rede social são modelos desse novo padrão de relacionamento, em que a internet é mais do que um facilitador. Ela é o objeto em si, em que você simplesmente “casar-se com aquilo que você procura”.
E nesse “match”, ou seja, encontro, finalizamos este comentário com a terceira tradução do mundo digital a partir de uma imersão empírica nas ruas da capital inglesa: a customização. Ou seja, paradoxo dos paradoxos, nessa sociedade de bilhões de aparelhos, a internet parece ter sido feita para mim. Sim, são os robôs que atuam para te fornecer a informação, ou melhor, a propaganda, o marketing digital, na medida do seu gosto, das suas necessidades e dentro do seu estilo de vida. E como o Google e o Facebook sabem do que você precisa? Porque você, sem pensar, clica em aceitar os termos e as condições em todos os aplicativos e páginas pelas quais você navega, dando autorização expressa para que seus dados sejam processados e customizados pela indústria do marketing que funciona por dentro da internet. Eu sei, é tudo business, negócio, mas a maioria das pessoas não se importa. Uma pesquisa feita aqui no Reino Unido e na Bélgica demonstrou que 93% das pessoas clicam cegamente em aceitar os termos e condições e as 7% restante levam menos de 10 segundos para dizer sim aos termos impostos pelos aplicativos, que atacam seriamente a privacidade dos seus dados. Mas quem se preocupa com isso? Foi o que disseram os respondentes da pesquisa. “Abrir mão da privacidade parece assustador, disse um internauta, mas em retorno você tem acesso a toneladas de coisas bacanas.” Simples assim: o internauta é viciado, egoísta e pragmático ao extremo.
Enquanto as famosas cabines telefônicas de Londres se transformam em souvenir e nem o governo inglês sabe mais o que fazer com elas, eu oscilo entre a nostalgia e a melancolia desse mundo indecifrável em que o ciclista arrisca a vida teclando sobre duas rodas!!!! E no meio da bibliografia em que busco respostas para esse novo mundo digital, encontro apenas questões sobre o surpreendente poder da mídia digital e como ela está mudando as nossas vidas, e por que esperamos mais da tecnologia do que de nós mesmos.
Se você tem a resposta, escreva para papodefuturo@camara.leg.br e eu ainda poderia fazer uma rápida enquete nas ruas de Londres para tentar saber de que será feito nosso amanhã: por agora, tudo que posso sugerir é um Google na música “Bom dia”, interpretada por Zizi Possi. Os dias não são nunca iguais. E tudo que sei por agora. Só as cabines de Londres não mudam. Por enquanto!!!
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