Clique abaixo para ouvir o comentário de Beth Veloso veiculado originalmente no programa “Com a palavra”, apresentado por Elisabel Ferriche e Mariana Monteiro na Rádio Câmara:
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Houve um tempo em que o desconhecido nos colocava na berlinda. Era como se nossa vida ficasse por um fio, e qualquer sensação de segurança ou aconchego pudesse se esvair num minuto. A casa era o lugar do repouso, do retorno, da identidade de estar no lugar certo e na hora certa, sem os pés na areia movediça. Nos meus tempos de criança, tinha medo de ser engolida pela terra, uma imagem que me veio da TV, ainda que nunca fosse viver num deserto. Não sabia o que essa terra comedora de gente significava para mim, mas sentia que não teria uma mão para me tirar do buraco. A sensação de cair no vazio, o medo de não pertencer, a perda da conexão é o que pode nos levar à sensação de virar pó, ou ser engolido por ele.
No ioiô da internet, me deparo mais uma vez com o texto de Eliane Brum, sobre a dor dos filhos, que relata a impotência dos pais diante do fracasso da filha no simples ato de brincar, descobrindo a aridez da vida ainda na tenra idade. Tinha ali a angústia de uma mãe acumulada numa vida inteira, e não apenas a ausência do manual para socorrer o outro nas suas próprias agruras. E como a internet entra nessa brincadeira fracassada? Nessa sensação que todos nós temos de estarmos enlouquecendo? Entra na mesma medida em que saí e podemos ser testemunha de nossas tentativas e erros, assim como fez Eliane Brum com a filha. Apenas testemunhar a ausência de controle, a tentativa e erro, a forma evasiva com que a vida nos escapa.
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Esse papo pode ser bastante careta, afinal, estamos mais conectados do que nunca, e ninguém mais está só. O fato é que, sim, os pais estão cada vez mais distantes de seus filhos no ato de testemunhar o engatinhar por uma vida cheia de buracos na alma. Nem mais tempo temos para proteger uma infância dos medos, das frustrações, dos abismos que vêm do fato de que a jornada é individual, e que a única coisa que se herda nesta vida é a capacidade humana de aprender a jogar e perder, amar e perder também, acreditar e perder de novo, inclusive as ilusões.
A internet é o terreno árido das “deletações” premiadas, dos descartes digitais, da renúncia à reconciliação com o outro, por meio do deletar ou bloquear, e nesse sentido fica difícil partir de uma inteligência cognitiva focada na informação para um campo emocional cercado de conexões energéticas, duradouras e saudáveis.
Só não nos desligamos da nossa necessidade de conexão, com não a máquina, mas com o outro, e é isso que nos dá sustentação num mundo movediço e nos ajuda a perder a inocência com suavidade. Porém, na era da comunicação móvel digital, isso acontece sem o reconhecimento dos pais, sem o olhar dos mais próximos, olhar que, agora, está grudado no Ipad ou no telefone que nos leva a tropeçar pelo caminho, tamanho o seu magnetismo.
Eu me pergunto se as novas gerações, entregues aos braços da babá digital que o tablet se transformou, serão capazes de estabelecer laços que vão muito além do biológico. Eu duvido que as redes sociais facilitem a construção de um tempo observador, aquele em que, como pais, o que de melhor podemos oferecer aos nossos filhos é a compaixão silenciosa, que requer o olhar demorado, o tempo dedicado, a presença plena, para que nossos filhos não se sintam sozinhos no fazer e no refazer, numa repetição aparentemente sem sentido sem a qual é impossível construir sua própria história. E cabe a você, pai ou mãe, deixar o celular de lado e estar ali, na mesa, no sofá, no tapete, na prontidão inteira para o outro.
Saber calar ou saber falar, não importa. Aguentar a dor do outro sem se ausentar talvez seja o ato mais profundo de amor. E nesse momento não consumimos mais informações ou distrações tão típicas da internet, mas apenas testemunhamos a luta sem fim para que a vida, como diz Eliane Brum, não mate a própria vida!
Mas se você não concorda ou quer comentar, escreva para nós: papodefuturo@camara.leg.br.
Coluna produzida originalmente para o programa Papo de Futuro, da Rádio Câmara. Pode haver diferença entre o áudio e o texto.
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