Resolvi hoje escrever sobre sensibilidade. Escrever, uma vez que não sou crítico de arte, o que senti ao visitar uma exposição de Cornelis Zitman. Tive a oportunidade de, em novembro do ano passado (2012), visitar uma exposição dele na Casa IberoAmérica em Cádiz, Espanha. Na minha ignorância, não conhecia este artista holandês nascido em 1926. Em 1947, ele foi chamado a servir o exército da Holanda e defender o império colonial. Negou-se, exilando na Venezuela onde vive até hoje.
Na Casa IberoAmérica, comprei um catálogo da exposição. Carlo Armas Ponce na orelha do belo catálogo escreve que as figuras de Zitman são “quase humanas”. Vou mais longe: são verdadeiros retratos dos humanos. Suas esculturas retratam o que é a pessoa (modelo humano e alma do artista) naquele momento, inclusive com suas dores de espírito.
É difícil descrever a sensação que se tem quando se vê a exposição. Há, além da sensação do todo (aquele conjunto de peças, todas marcantes, te desorienta), há a sensação de cada uma das peças. Como não poderia deixar de ser, cada visitante tem sua sensação, mas no geral pude constatar que ninguém fica indiferente. Cada pessoa reage de maneira singular quando vê a obra, mas não sei se a somatória deste singular dará um plural. Creio que não.
Zitman é singular e sua obra é singular, única e causa reações diversas a cada um dos que lhe assistem. Assistem? É correto: eu assisto à exposição? Para mim, sim, incapaz de elaborar qualquer teoria da arte ou de fazer qualquer observação sobre esculturas, só posso assistir. Assisto e me enamoro de cada uma de suas peças.
São figuras vivas, apaixonantes, piedosas, alegres e tristes. São figuras presentes no cenário, nos olhos e nas entranhas. Estarão presentes dentro de você para sempre.
Nunca fui tocado, com a profundidade que fui, por nenhuma escultura como fui pelas de Zitman. Entre as que vi, principalmente, pela Caribenha e pela Luna.
Elas (as esculturas) saíram de seus lugares e caminharam. Não caminharam para qualquer lugar, caminharam ao meu encontro e entraram em mim. Apoderaram-se da minha alma e do meu coração. Instantaneamente me apaixonei pelas peças, pois comigo ganharam vida. Ocorreu só comigo o ganhar vida? Deve ter ocorrido com todos que dentro de si levam uma Caribenha e uma Luna.
O bronze de suas esculturas não tem a dureza do minério, é frágil e simples como a alma. Olhei, não vi bronze, vi singeleza, humanismo, solidariedade, vida com dor, sofrimento e esparsas alegrias. Vi também fogosidade, erotismo e voluptuosidade. Ambas sabem que estão atraindo olhares, alguns maliciosos, outros de inveja e admiração. Não há quem não admire.
Quando vi a cabeça (busto) de Artêmio Cruz (personagem de um romance do escritor mexicano Carlos Fuentes), de Cornelis Zitman, fui tomado de uma sensação estranha e de admiração. Admiração: como pode alguém ter a capacidade de imaginar o imaginado e da imaginação construir? Não a construção de uma cova, de um muro, de uma faca e de uma casa. É o imaginar, ver, humanizar a visão e construir. Vê a tristeza e constrói. Vê a dor e reproduz. Vê a pobreza e retrata. Imagina a sensualidade e constrói o sensual e o erótico.
Artêmio com seus olhos apagados, ausentes furados (cegados) nos faz enxergar o real. Não vemos o adiante. Só vemos o momento.
Boquiaberto. Não, não é esta a palavra. Boquiaberto é pouco. Choque talvez seja a palavra correta. Tenho dificuldade de encontrar a palavra por que não entendo nada de arte. Não entendo nada de pintura, desenho, escultura, etc. Só aceito o que o olhar vê e revela. Inocentemente, aceito. Meu cérebro aceita a mensagem de maneira inocente como ver uma árvore, uma calçada, uma onda do mar, uma criança (pobre ou não). O cérebro recebe a imagem e interpreta dando a emoção que merece. O meu recebeu as imagens das esculturas de Zitman e chocou. Chocou pela realidade: fome, pobreza, miséria, beleza. Luna é toda sensualidade, a sensualidade que desperta paixão.
Em Zitman, o abstrato da arte vira o estrato e o substrato da vida. Há quase um ano escrevi este texto, porém não sabia se devia publicá-lo. Domingo passado (21/07), relendo-o, achei que deveria torná-lo público.
O Google pode dar vários sítios sobre Cornelis Zitman.
Deixe um comentário