Não sei se vocês lembram, mas escrevi uma crônica cujo título é “Os filhos de
FHC e Lula, e outras águas”. Tá aqui
no arquivo. Eu falava de uma entrevista que Cony concedeu a Mauricio Melo
Junior, na TV Senado.
Peço licença, e reproduzo um trecho: “Em
determinado momento da entrevista, antes de discorrer sobre Memórias de um
Sargento de Milícias, Cony estabelece a diferença entre o cronista e o
romancista. Segundo o autor de Pilatos (um livro histórico), o primeiro
é peixe de aquário, ele está ali para soprar amenidades no ouvido do leitor
passageiro. Podemos encontrá-lo nas ante-salas de consultórios dentários ou no
hall de entrada de churrascarias de gosto duvidoso, e geralmente carne de
primeira. O cronista é uma distração. Ele afaga, decora o ambiente. Um
fofoqueiro de luxo. Uma comadre remunerada. Nunca tem uma tese; se faz e ganha o
pão no reino das generalidades, dos palpites. Uma exceção óbvia e ululante me
vem à mente: Nelson Rodrigues – esse é outro
papo”.
“E o segundo é peixe cascudo, de águas profundas, vive e produz isolado: não
faz nenhuma questão de ser bonitinho e piscar luzinhas coloridas para o deleite
de sua audiência, aliás, ele dispensa a tal audiência. Escreve apesar dos
poucos leitores que o admiram, apesar dele mesmo. Com ele, não tem lero-lero. O
cara é ambicioso e intratável. O negócio dele são os desvãos da alma, os vôos
tonitruantes sobre abismos infernais. Um pé no saco. Claro que também há
exceções, e é claro que o mesmo sujeito pode fazer as duas coisas ao mesmo
tempo: os exemplos são numerosos, a começar pelo próprio Cony. Diferenças
estabelecidas, posso dizer o seguinte: não é raro que o cronista atrapalhe
o trampo do romancista e vice-versa. Sobretudo se ele for a mesma e problemática
pessoa. Está acontecendo isso comigo, aqui e agora. Depois de 90 crônicas
publicadas no Congresso em Foco, com apenas duas brevíssimas interrupções ao
longo de quase dois anos, sinto que o parafuso está dando uma espanada. Ou eu
faço uma coisa ou faço outra. Ou faço as duas coisas pela
metade”.
Pilatos é um livro histórico
porque é o pai do besteirol no Brasil,
leiam.
E
depois, confesso, estou um pouco frustrado. Não só com os desdobramentos dos
acontecimentos, que de certa forma são previsíveis. Mas com minha própria
ingenuidade. De nada adiantou e de nada adiantará me esgoelar aqui no
Congresso em Foco. Vocês viram a capa – outra vez eles se
superaram… – da Rolling Stone deste mês? Se Hitler, Stalin ou
qualquer carniceiro do século vinte atuasse hoje em dia, estaria escovando os
mesmos dentes podres que Bial escova na capa desse lixo de revista. Dá um
desânimo danado acompanhar 70 milhões de pessoas votando nessa merda chamada Big
Brother. Qual a diferença dos campos de extermínio nazistas? Nenhuma. Ou
talvez o BBB seja mais nefasto, porque manda a consciência de milhões para uma
câmara de gás que não passa de uma pegadinha… pensando bem, os corpos sarados
do BBB não são muito diferentes dos esqueletos produzidos pelos nazistas:
porque, embora o método seja diferente, a intenção de aniquilar almas é a mesma.
Chega uma hora que enche o saco. Pra dona Lindu que o pariu o Lula e suas
metáforas e comparações abjetas. O presidente boca de esgoto, o estadista
sem frase. Não bastasse, em fevereiro tem comercial de cerveja, carnaval,
o diabo. Me sinto um tonto, gritando, reclamando toda semana pra
quê?
Na
verdade, o que eu queria era revirar o mundo do avesso e falar com os meus
amigos ao mesmo tempo. Mas isso não consegui, e jamais
conseguirei.
E essa sensação de gritar no
deserto já me acompanha há um bom tempo. Vejam só o que escrevi em 2004, no
falecido site da
Aol:
“O que eu quero dizer é que não adianta nada escrever aqui, nem em lugar
nenhum. Ou, por acaso, adiantou alguma coisa falar em Big Brother, dizer que
aquilo é um zoológico nefasto e desejar ter dois filhos retardados com
Antonella? Nada, não adiantou nada. O Big Brother tá lá, firme e forte, a gringa
me enfeitiçou para sempre e, dentro de alguns meses, Sílvio Santos vai enfiar
sua Casa dos Artistas 5 ou 6 goela abaixo da minha realidade derrotada. De que
adiantou falar do oba-oba que se fez quando do lançamento do livro do Chico
Buarque? Nada, absolutamente nada, o livro é um sucesso de vendas e
provavelmente ganhará um monte de prêmios e medalhas, Daniel Piza continuará
despejando aforismos “pequenas empresas, grandes negócios” na cabeça de todo
mundo, todo domingo no Estadão. Alguma providência foi tomada pelo
Ministério Público quanto às barbies anoréxicas? O que adianta esculhambar e
reiterar a esculhambação? Os tribalistas e todos os desdobramentos sensuais e
odaras do coronelzinho de Santo Amaro da Purificação são tão certos na próxima
temporada quanto as enchentes no Jardim Pantanal e a cara feia dos manos do rap.
De nada adiantou estrebuchar, lançar pragas e trovoadas em cima de lugar nenhum.
Acho que é isso. Nem vou falar do Ed Motta. Estou perdendo meu tempo e gastando
o tempo de vocês, leitores, que, toda quinta ou sexta-feira, vêm até aqui para
ver onde cairá a próxima bomba. Eu vos digo: no Ed Motta ou em lugar nenhum, dá
na mesma. Sou um crédulo, este é meu problema. Um bobalhão apartado de si mesmo
que imaginou ter duas lésbicas deslizando sobre o calçadão do Leblon somente
para o meu regozijo e o consumo do Takeda, um japa amigo meu que é chegado
nesses lances e que, além de persuasivo e discretamente camicase, adora comer um
frango a passarinho e discorrer sobre adagas e mutilações genitais amiúde… Sei
lá, é mania dele falar desses assuntos enquanto chupa asinhas de frango a
passarinho. Escrevo para o Takeda, pro Mário e pro Nilo, pros meus amigos… E
se o Lísias, que mais do que amigo é também meu ideólogo de plantão, achar que
tá bom, pra mim tá ótimo.
A grana que recebo é decente (descontados os
impostos escorchantes….) mas não me livrou dos ônibus lotados nem dos
congestionamentos de São Paulo, tampouco me ajudou a comprar mulheres melhores
do que aquelas que eu consumia (com a mesada da mamãe) antes de escrever na AOL.
Sou um sujeito de hábitos simples, quase um monge, nem cama eu tenho, durmo
sobre um colchonete furreca e moro numa quitinete na praça Roosevelt, quem
quiser me achar e acabar com isso tudo, por favor, vá ao teatro dos Satyros que
fica na mesma praça, veja o Hotel Lancaster do Bortolotto, e pergunte ao
Loureiro, que é o diretor do Hotel…, por mim: é a coisa mais fácil de se
achar. Mas vá armado que eu costumo
reagir.
Depois da peça, estou lá. Triste e amargurado, nem sei por quê. À espera da
mulher que idealizei desde os meus doze anos de idade e que jamais aparecerá,
estou lá, eu, minhas bochechas e minhas olheiras, assim meio que cambaleante,
uma parte mussarela e a outra metade calabresa… Sobretudo convencido de que
não adiantou nada estrebuchar, escrever quatro livros geniais e, agora, estas
crônicas acima da média; não comi ninguém por causa / nem apesar disso e, quero
dizer que sou uma besta quadrada e que, daqui pra frente, tudo o que eu fizer
vai ser feito deliberadamente em vão — como se isso fosse
possível…”.
Quem levou o tiro foi o Bortolotto, que graças a Deus está
se recuperando e passa bem. De resto, basta somar onze livros geniais,
trocar a Casa dos Artistas pela Fazenda do bispo Edir, e Ed Motta por Mano Brown
, trocar São Paulo pelo Rio e o colchonete furreca por uma cama de casal e…
voilà! A mesma merda. Tudo bem que minha vida deu uma
melhoradinha, mas continuo desanimado como sempre. Em 2004 – como vocês
podem conferir – eu já andava desiludido com toda essa merda, e achava que
as coisas só iam piorar, e pioraram muito. Na sexta-feira um fanático matou
Glauco e Raoni, seu filho. Daqui pra frente, ainda teremos terremotos, tsunamis
e o Big Brother 11, 12,13,14,15… eleições, Copa do mundo, enfim, eu preciso
dar um tempo para poder voltar e reclamar das mesmas coisas, enquanto isso não
acontece, me recolho ao silêncio dos abismos marinhos e vou viver minha vida de
peixe cascudo, mas eu volto. Obrigado pela audiência, e abraços a
todos.
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