“Sorrindo para a câmera sem saber que estamos vendo
Chorando que dá pena quando sabem que estão em cena
Sorrindo para a câmera sem saber que são filmados (…)”
Trecho da música “Vossa Excelência”, dos Titãs.
Daniella Borges
Nos últimos meses, quando a temperatura no cenário político subiu a níveis altíssimos, a linguagem utilizada por parlamentares em embates verbais – e por outras personalidades de passagem pelo Congresso Nacional – desceu, muitas vezes, a patamares baixíssimos. A senha para dizer o que realmente se quer pode vir logo após a formalidade que impõe o uso do pronome “Vossa Excelência”, adequado para se dirigir a deputados e outras autoridades.
“Tenho respeito por Vossa Excelência, pelos gostos de Vossa Excelência, que é um homem conhecido como mulherengo, jogador, boêmio…”, disparou Roberto Jefferson (PTB-RJ) contra Valdemar Costa Neto (PL-SP), em depoimento ao Conselho de Ética. A resposta também veio abaixo da linha da cintura.
“Prefiro gostar de mulher a gostar do cidadão lá de Cabo Frio”, reagiu, em bicas, um suado Valdemar, em alusão a Durval da Silva Monteiro, sorveteiro da região dos Lagos, apontado como laranja de Jefferson no comando de duas rádios no estado do Rio. A platéia, que lotava o auditório da reunião, reagiu em coro com a mais previsível das interjeições: “Oh!”.
Ambos estão fora da Câmara. O primeiro saiu cassado, o segundo renunciou ao cargo para não sofrer o processo disciplinar de perda do mandato por envolvimento no escândalo do mensalão. O que não sai de pauta do Congresso é o hábito de trocar ofensas recorrendo-se, por vezes, a expressões cerimoniosas. Por enquanto, nem uma das Excelências ousou chamar outra de verme. Mas as qualificações emprestadas têm se diversificado: de mentiroso a chefe de quadrilha, de “desastre” para o país a pedófilo.
O tiroteio verbal deixou marcas profundas em alguns dos personagens da atual crise política. O bate-boca entre os deputados Fernando Gabeira (PV-RJ) e Severino Cavalcanti (PP-PE), por exemplo, detonou o movimento que resultaria na derrubada do presidente da Câmara. “Vossa Excelência está em contradição com o Brasil. A sua presença na presidência da Câmara é um desastre para a imagem do Brasil! Ou Vossa Excelência fica calado, ou vamos iniciar movimento para derrubá-lo!”, afirmou Gabeira. Severino só se calou diante da apresentação de um cheque que confirmou o seu envolvimento com o mensalinho.
Quando elogiar ofende
“Usa-se a palavra Vossa Excelência pelo tom respeitoso que se espera que seja usado dentro do Parlamento. Mas há um contraste muito grande no que é dito após esse pronome de tratamento”, observa a professora da Universidade de Brasília (UnB) Denize Elena Garcia, especialista em Lingüística. Para ela, o uso de linguagem rasteira pelos parlamentares deve-se, principalmente, à mudança do perfil do político brasileiro. “No Parlamento, há políticos de diversas camadas sociais, de diversos instintos. Por um lado, é natural que a linguagem também se modifique, com o uso de palavras de baixo calão”.
Calão, segundo Elena Garcia, é palavra de origem cigana, vem de caló que seria o uso de termos baixos e grosseiros, com atos rudimentares da fala. Etimologicamente, é uma vara curta com que se amarra cada lado da rede de pesca. O desprezível, o que sobra na rede, é o de “baixo calão”: o insulto, a ofensa por meio das palavras.
Os excessos e as evasivas dos personagens envolvidos no lamaçal verde-amarelo romperam a Esplanada dos Ministérios e foram parar nas grades das rádios. “Vamos arrumar vossas acomodações, Excelência. Filha da Puta! Senhores! Corrupto! Senhores! Bandido! Senhores! Ladrão!”, dizem os últimos versos da sugestiva “Vossa Excelência”, música de Paulo Miklos, Tony Bellotto e Charles Gavin, dos Titãs.
Especialista em Análise do Discurso, a professora da Universidade de Brasília Célia Ladeira considera comum, embora inaceitável, a agressividade no discurso político: “O político procura construir sua identidade a partir da polêmica com o outro, contrapondo-se ao outro. E, às vezes, essa polêmica é levada às últimas conseqüências. Vale até mesmo atingir a honra alheia”.
Acusado de formador de quadrilha pelo deputado Onyx Lorenzoni (PFL-RS), o ex-ministro de Comunicação de Governo Luiz Gushiken foi duro com o adversário durante depoimento à CPI dos Correios. “Espanta-me a leviandade com que trata o governo. Para me acusar de formador de quadrilha, apresente provas. Não se esconda sob seu mandato para fazer acusações levianas”. Lorezoni retrucou: “O senhor pode se indignar à vontade. Estamos descobrindo que seu governo montou uma quadrilha e saqueou os cofres públicos".
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