Renata Camargo
Se os “brancos” continuarem enfeitando muito a conversa, a promessa é de derramamento de sangue. Os índios estão cansados de falatório e promessas e estão dispostos a declarar guerra. Os mais de 300 índios do Acampamento Revolucionário Indígena – um acampamento de lona preta feito em frente ao Congresso Nacional e ao Ministério da Justiça – deram ontem (19) um ultimato aos parlamentares: “Estamos cansados do silêncio, nos ajudem ou vai ter sangue”.
A principal reivindicação é a revogação do Decreto 7.056, editado pelo governo no dia 28 de dezembro de 2009, véspera de réveillon. O decreto reestrutura a Funai (Fundação Nacional do Índio) e causa polêmica por reduzir atribuições de postos de atendimento às aldeias. As lideranças indígenas afirmam que, pelo decreto, das 45 unidades administrativas regionais da Funai existentes, nove serão extintas, além de diminuir o número de postos avançados na entrada das aldeias.
Com essa redução, as unidades de Pernambuco e Paraíba terão suas regionais administrativas englobadas à unidade de Fortaleza (CE), o que logisticamente afetará em muito o atendimento das necessidades dos índios da região. Segundo o líder indígena Antoe Chucuru, apenas em Pernambuco são 42 mil índios de 11 etnias a terem que se deslocar para o Ceará se precisarem de assistência. Na Paraíba, são 17 mil indígenas espalhados pelos quatro cantos do estado.
Os índios afirmam que o decreto “privatiza” a Funai ao entregar a instituição a ONGs. O órgão se defende dizendo que a mudança é apenas um remanejamento de atribuições. O presidente da Funai, Márcio Meire – cujas comunidades acampadas pedem a saída –, tem dito que a reestruturação visa adequar o órgão às necessidades indígenas. Meire embasa seus argumentos no fato de o órgão estar aumentando o seu quadro de servidores. A intenção é passar de 2,4 mil funcionários para 5,5 mil até 2012.
As comunidades denunciam que para essa reestruturação não foram consultadas as lideranças. Elas alegam que, desta forma, a proposta do governo fere a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), segundo a qual os povos indígenas devem assumir o controle de suas instituições. Enquanto isso, servidores da própria Funai têm denunciado que, durante a elaboração do decreto, a própria Presidência do órgão pedia discrição sobre o assunto.
Ontem quando cerca de 100 índios bateram desesperados na porta do presidente em exercício da Câmara, Marco Maia (PT-RS), os povos conseguiram chamar a atenção especialmente de deputados da oposição. A presença dos índios no Congresso se deu às pressas assim que eles souberam de uma emenda à Medida Provisória 472/09 – uma dessas MPs cabeludas que o Congresso insiste em aprovar.
A emenda, incluída na MP pelo líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), cria o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), que as lideranças indígenas disseram que é ilegal, também por ferir a Convenção 169 da OIT. A criação do conselho já havia sido pleiteada por projeto do Executivo. Mas por meio de MP, a criação se dá mais rápido.
Por trás disso tudo, há coisas muito valiosas. Uma delas, menina dos olhos do governo, é o PAC da mineração em terras indígenas, representado no Congresso pelo substitutivo ao PL 1.610/96 – que será votado no dia 26 em comissão especial. O projeto libera a exploração mineral em reservas indígenas e traz facilidades para que as mineradoras explorarem os subsolos. Em contrapartida, as empresas devem promover projetos sociais para minimizar os impactos da atividade na área.
O que o projeto não explicita – nem o governo, nem mineradoras, nem qualquer interessado nas riquezas naturais das terras indígenas – é que com essa exploração e com a desestruturação dos postos nas aldeias vem junto um impacto irreparável: a entrada de doenças, a prostituição, a exploração sexual, o alcoolismo e a profunda degradação ambiental de áreas historicamente preservadas. E esse cenário não sinaliza na melhor das direções. Pois no lero lero da conversa enfeitada dos “brancos”, uma pepita vale muito mais do que mil cocares.
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