Rogério Schmitt *
A distribuição de cargos ministeriais entre o PT e os demais partidos que comporão a base parlamentar do presidente Lula no seu segundo período de governo tem ocupado merecida posição de destaque no noticiário político pós-eleitoral. De fato, a composição dos gabinetes ministeriais em sistemas presidencialistas multipartidários é uma variável decisiva para a governabilidade do sistema político.
No presidencialismo de coalizão, o apoio efetivo da base parlamentar governista à agenda de projetos e de reformas propostas pelo poder Executivo e que tramitam no Congresso tende a ser diretamente proporcional à simetria entre, por um lado, a composição partidária da base parlamentar do governo e, por outro, a composição partidária do ministério.
Por essa lógica, um partido cuja bancada represente 20% dos votos do governo na Câmara dos Deputados deveria ser contemplado também com 20% dos ministérios. Teoricamente, a situação mais favorável para a capacidade de um presidente dispor de uma base parlamentar disciplinada seria a extensão, para todos os partidos governistas, dessa proporcionalidade entre os seus votos no Congresso e o seu número de ministérios.
Na prática, no entanto, a simetria nunca é de 100%. Ao nomear seus ministros, os presidentes sempre acabam favorecendo alguns partidos em detrimento de outros. Vários ministérios também podem ser entregues a técnicos e especialistas sem filiação partidária. Os levantamentos feitos pelo cientista político Octavio Amorim Neto mostram, por exemplo, que o grau de proporcionalidade na distribuição das pastas ministeriais oscilou entre 64% e 66% durante a presidência de José Sarney, entre 30% e 46% durante a presidência de Fernando Collor, entre 22% e 62% durante a presidência de Itamar Franco, e entre 37% e 70% durante os dois governos de Fernando Henrique Cardoso.
Nos primeiros quatro anos do governo Lula, o principal obstáculo à proporcionalidade entre as bancadas dos partidos governistas e as suas respectivas cotas ministeriais tem sido a persistente sobrerepresentação do Partido dos Trabalhadores no primeiro escalão. O fato de a maioria dos partidos governistas nunca ter conseguido obter uma representação nos ministérios equivalente ao tamanho de suas bancadas parlamentares pode ser considerado o principal fator que explica a crise do mensalão e a virtual paralisia política dos últimos dois anos.
De acordo com os mesmos critérios utilizados pelo cientista político Octavio Amorim Neto, o presidente Lula teve quatro ministérios diferentes nos seus primeiros quatro anos de governo. O primeiro gabinete durou de janeiro até dezembro de 2003. As pastas ministeriais foram distribuídas entre PT, PTB, PL, PSB, PDT, PPS, PCdoB e PV.
Essa fase do governo chegou ao fim com a decisão presidencial de promover uma reforma ministerial que incluísse formalmente o PMDB no poder Executivo (o PDT havia rompido com o governo). Esse segundo ministério foi o mais longo de todos, e durou de janeiro de 2004 até junho de 2005, quando explodiu a crise do mensalão. O gabinete incluía ministros oriundos do PT, do PMDB, do PTB, do PL, do PSB, do PPS, do PCdoB e do PV.
O terceiro gabinete ministerial se estendeu de julho de 2005 até março de 2006, quando vários ministros se desincompatibilizaram para disputar as eleições. As principais novidades deste ministério foram a incorporação do PP e a saída do PPS. Nessa fase do governo, estiveram representados o PT, o PMDB, o PTB, o PL, o PSB, o PP, o PCdoB e o PV. A quarta e última equipe ministerial do primeiro governo Lula teve início em abril deste ano. Com exceção do PL, todos os partidos que integravam o gabinete anterior continuaram fazendo parte do poder Executivo.
Os quadros a seguir (para vê-los, clique nos respectivos links) resumem numericamente o grau de assimetria política existente nos quatro ministérios formados ao longo do governo Lula. Mesmo tendo promovido três reformas ministeriais, o presidente não quis (ou não soube) reduzir a excessiva e visível sobrerepresentação de seu próprio partido no primeiro escalão do governo federal.
A base aliada na primeira fase do governo Lula era formada por oito partidos, os quais contavam nominalmente com 248 votos na Câmara no início da legislatura. Dos 36 ministérios originais, nada menos do que 20 foram atribuídos ao PT. Outras oito pastas foram preenchidas por ministros sem filiação partidária. Os outros oito ministérios remanescentes foram distribuídos quase que paritariamente entre os demais partidos da base aliada. O grau de proporcionalidade na distribuição das pastas ministeriais neste primeiro gabinete foi de 58% (o mais elevado de todo o governo Lula). A taxa de sobrerepresentação do PT (a razão entre as proporções de ministérios e de votos do partido na Câmara) foi de 53% (veja quadro 1).
Após a inclusão formal dos peemedebistas, a nova e mais duradoura coalizão partidária do governo Lula passou a contar com o apoio nominal de 319 deputados federais, ainda distribuídos entre oito legendas. O PT perdeu apenas um cargo no primeiro escalão, e passou a controlar 19 dos 36 ministérios. O número de pastas dirigidas por ministros sem filiação partidária permaneceu constante. O PMDB teve direito a indicar somente dois ministros, apesar de ter uma bancada parlamentar quase do mesmo tamanho que a petista.
Os demais sete cargos de primeiro escalão permaneceram divididos entre os outros seis partidos de menor expressão da base governista. Neste segundo gabinete, o índice de proporcionalidade reduziu-se para 50%, com a sobrerepresentação do PT atingindo o surpreendente patamar de 87% (veja quadro 2).
O terceiro gabinete presidencial foi também o que contou com o maior apoio nominal na Câmara (363 deputados), graças à incorporação formal do PP à base aliada. O número de ministérios foi ligeiramente reduzido para 34.
Pela primeira vez, o PT passou a controlar menos da metade das pastas (14). A cota de ministros sem filiação partidária foi ampliada para nove. Aumentou também a quantidade de partidos com mais de um ministério: três deles ficaram com o PMDB, enquanto que PL e PSB ficaram com dois ministérios cada um.
As quatro pastas restantes foram distribuídas paritariamente entre os outros quatro partidos. O grau de proporcionalidade política da coalizão subiu para 55%, com a correspondente redução (para 64%) da sobrerepresentação do PT (veja quadro 3).
A atual equipe ministerial do presidente Lula possui as características típicas de um governo que está chegando ao seu final. Há nada menos do que 12 ministros sem filiação partidária, tendo em vista que a desincompatibilização eleitoral dos antigos titulares abriu espaço para a posse de muitos ministros de perfil exclusivamente técnico. A base aliada reduziu-se nominalmente para 300 deputados.
Neste momento, apenas sete partidos integram formalmente o ministério, pois o PL (atual PR) não está mais representado no primeiro escalão do governo. O PT manteve as mesmas 14 pastas do gabinete anterior. O PMDB e o PSB possuem dois ministérios cada um. Os últimos quatro cargos de primeiro escalão estão divididos entre um número idêntico de partidos. O índice de proporcionalidade do gabinete voltou a ser de 50%, ao mesmo tempo em que a sobrerepresentação do PT retrocedeu para 53% (veja quadro 4).
A história deste primeiro governo não oferece muitas razões para otimismo nos próximos quatro anos. A possibilidade de o PT manter sua presença desproporcional no governo é real e é também o principal fator de risco para a governabilidade no segundo governo Lula. No entanto, segundo os relatos da imprensa, o presidente Lula estaria disposto a não repetir os mesmos erros do seu primeiro mandato.
A perspectiva de ampliação da participação do PMDB no governo, se for mesmo confirmada, certamente produziria efeitos muito positivos sobre a governabilidade. De fato, o PMDB foi o partido mais prejudicado pela distorcida distribuição dos ministérios feita pelo atual presidente desde 2003.
*Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), foi professor da Universidade de São Paulo (USP), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP-SP). É consultor político da Tendências Consultoria.
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