No alto dos Andes, enquanto o denso verde das florestas ainda denuncia a temporada de férias de verão, um tráfego desigual de automóveis parece indicar o que se passa dos dois lados da fronteira. Enquanto modernos carros japoneses deixam o sul do Chile em direção à Argentina, em busca de diversão a baixo custo em Bariloche, antigos automóveis argentinos arriscam-se a seguir em direção ao Pacífico, para encontrar estradas impecáveis e preços quase proibitivos – para quem dispõe de pesos argentinos no bolso.
Nos dois lados existem semelhanças, é claro. Como a enorme burocracia dos postos de fronteira, onde os viajantes precisam aguardar até duas horas para seguirem em direção ao seu destino. Ou alguns sinais de pobreza – bem menos alarmantes que a brasileira – nas pequenas cidades ao sul dos dois países. Mas é difícil não relacionar a diferença de porte dos automóveis que cruzam a fronteira com os resultados obtidos nos últimos anos nesses dois países separados por uma cordilheira e também – segundo comentam as línguas maldosas – por uma língua comum.
O Chile ainda está longe de ser um país desenvolvido. E amarga também, como o restante do continente, uma persistente diferença entre ricos e pobres. Dito isso, porém, guarda uma pujança incomum na América do Sul. Suas estradas impecáveis são uma espécie de cenário para a movimentação do país em direção a um novo patamar econômico e social.
O modelo econômico aberto, aperfeiçoado após o fim da ditadura, tem permitido um crescimento econômico puxado por exportações a vários países com os quais o Chile tem acordos de livre comércio. Se isso já permitia o aparecimento de novos ricos e de seus reluzentes carros importados, agora a orientação para o mundo passou a ser parte de um modelo educacional ainda nascente, mas que já inclui o projeto de se criar uma juventude bilíngüe, por meio do ensino universalizado do inglês, e até mesmo uma experiência embrionária de ensino de mandarim em escolas secundárias.
Do lado argentino, prevalece uma certa desconfiança em relação à abertura econômica. O país, que já brigou recentemente com o Brasil por causa de geladeiras e fogões, demonstra pouco entusiasmo com a globalização. Ao contrário, flerta com os sinais contraditórios emitidos por uma Venezuela em constante processo de aproximação com o modelito cubano.
Assim como na Venezuela, porém, não param de chegar dólares à Argentina. A expansão econômica do mundo tem permitido um grande aumento das vendas de produtos básicos como alimentos e minérios. Os baixos preços de Buenos Aires, além disso, ajudam a atrair uma legião de estrangeiros à cidade, que se recupera rapidamente dos sinais da crise econômica.
Crise? Os ricos argentinos fizeram a festa neste verão do balneário uruguaio de Punta del Este. Torraram em festas e passeios muitos dos dólares que conquistaram a partir do início da recuperação do país. O cenário chamou a atenção da revista Newsweek, que dedicou várias páginas de uma edição local em janeiro para citar exemplos do que chamou de “volta do otimismo”.
Se não otimismo, sente-se mesmo um clima de alívio na Argentina. O pior da crise certamente já passou. Na região de Puerto Madero, em Buenos Aires, um apartamento com vista para o rio da Prata já custa mais de US$ 1 milhão. Antigos sinais, no entanto, ainda indicam que o caminho para a recuperação ainda não está tão bem pavimentado quanto as estradas do país vizinho. Nos supermercados, avisos de preços controlados, por acordo com o governo, indicam uma inflação à espreita. Os apagões de verão, por outro lado, mostram que ainda há muito a investir na recuperação da infra-estrutura. Esses antigos fantasmas não ameaçam a reeleição do presidente Nestor Kirchner. Mas podem causar problemas depois que os votos forem contados.
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