João Maia Mendonça*
Pra quem quer aprender, a idade é o de menos. Veja o exemplo de meu pai. Ele voltou a estudar aos 63 anos de idade e escolheu uma faculdade de direito para reiniciar sua vida acadêmica depois de quase 30 anos que finalizara seu curso de economia. Hoje ele divide uma sala de aula com 40 jovens alunos que o tratam muito bem, nem de “vovô” o chamam. Só o chamam, às vezes, para tomar um refrigerante no barzinho que fica ao lado da escola, convite que meu pai nega, com alguma freqüência.
Lá, tem um professor muito bacana. O nome dele é Aviaozão Catispero. Ele leciona a disciplina Direito Administrativo. Todos gostam muito dele porque pede vários trabalhos em grupo e, portanto, evita que os alunos façam as tão temidas provas. E trabalho de grupo é legal porque um aluno se escora no outro e todos se dão bem no final.
Catispero adora ver a “união” das equipes para apresentar um bom trabalho e ele é cada vez mais rígido na qualidade das apresentações. O grupo de meu pai, certa vez, num trabalho sobre a relação entre “moral x direito” trouxe um padre para falar sobre o tema. Catispero deu nota 2 para o grupo e 1 para o padre. Aviaozão é ateu, não discriminou o padre por isso, mas, não gostou da iniciativa.
Os grupos estavam cada vez mais preocupados com a rigidez de Aviaozão Catispero. O final do semestre estava chegando e a maior nota foi de um grupo que trouxe um bombeiro para falar sobre “ética médica”. O bombeiro deu um show de conhecimento de como apagar grandes incêndios e salvar pessoas deixando o médico sem interferir no seu trabalho.
Catispero adora convidados em sua aula, pois, para ele, essas visitas de especialistas enriquecem o ambiente acadêmico. Meu pai, por exemplo, num trabalho sobre direito ambiental levou, junto com seu grupo, um mecânico de carro. Catispero vibrou com a iniciativa. Mas deu nota 3,5 porque o convidado não falou sobre carros.
Final do semestre, trabalho final. Catispero é um apaixonado por direito administrativo. Adora convidados. Depois de meses explicado todas as vertentes do direito administrativo chegou a hora dos grupos apresentarem o trabalho final. Catispero, muitas vezes, olha para a cara de um, para os líderes de cada grupo, e pensa quanto são despreparados os meninos, quanto deve ter custado à faculdade a aprovação do curso pelo MEC. Doutor em direito administrativo pela Universidade de Itapipoca, com especialização no Centro Tecnológico de Maçarandubas na Bahia, Aviaozão nunca deixou, apesar de tudo, de acreditar no potencial de cada pupilo e pupila, e sempre quando vai pra casa tenta esquecer o que se passara na última aula dada. A diferença entre direito público e direito privado foi o tema escolhido para os grupos prepararem as apresentações e trazerem seus convidados para a sala de aula.
Meu pai estava agitadíssimo, precisava com urgência reverter as baixas notas das duas últimas apresentações, precisava de uma idéia original, nada de padres outra vez. Ele precisava de muitos convidados que soubessem explicar o tema com clareza, com profundidade, com conhecimento de causa. Meu pai queria impressionar Catispero com convidados de peso. E foi aí que teve a idéia de trazer para dentro da sala de aula cidadãos que vivem sempre na linha tênue entre o direito público e direito privado, cidadãos que precisam saber diferenciar esses dois princípios jurídicos para exercerem suas atividades profissionais.
Mas como trazer 512 deputados para uma sala de aula, lá de Brasília? Passagem aérea não é ó problema já que isso se resolve num tapa com as cotas de passagens. Mas essas cotas também trazem problemas. Como abrigar todos os familiares e amigos dos deputados numa minúscula sala de aula já que todos vêm com as cotas de avião? O tiro poderia sair pela culatra e Aviaozão Catispero poderia achar ruim e dar mais uma nota 2, o que arruinaria as pretensões de meu pai de passar nessa disciplina que ainda era do primeiro semestre do curso.
A idéia veio então como um relâmpago na cabeça de economista de meu pai. Tem um deputado federal lá de Minas Gerais chamado Edmar Moreira. Numa aula de direito penal, o professor estava explicando como se pode construir um empreendimento medieval desviando as contribuições previdenciárias de seus empregados, não repassando nem essas contribuições para a UNIÃO nem, tampouco, para os empregados, deixando todos sem direito à aposentadoria. Meu pai achou isso super bacana e esse tema foi assunto de vários refrigerantes que ele e seus colegas tomaram no barzinho ao lado da faculdade numa terça feira que teve uma aula “vaga”. Tomaram uma grade só.
Com o castelo lá e com as cotas de passagens disponíveis para todos os parlamentares, seus amigos e familiares, por que não fazer a apresentação no Castelo de Edmar Moreira? Catispero, quando soube da idéia, não acreditou. Achou massa! Aviaozão resolveu convidar todos os 5,5 mil empregados de Edmar, lesados, para participar da apresentação juntamente com os alunos. Todos os deputados também foram convidados junto com suas “comitivas” para a exposição sobre o tema.
O meu pai tirou 7,5 e recuperou as baixas notas passadas sendo aprovado para o próximo semestre. E os deputados deram vexame. Muitos chegaram atrasados no dia da apresentação e outros ficaram brigando para ver quem ficava com cada uma das 36 suites do Castelo. Edmar teve que requisitar serviços de uma empresa de segurança para acalmá-los. Outro problema é que a empresa não tinha empregados, todos estavam desempregados e sem direito à aposentadoria.
*Jornalista formado pela Universidade Federal da Bahia, João Maia Mendonça vive em Salvador, é autor do livro “Tá gripado? Coma gelo!” e mantém o blog http://joaomendonca.wordpress.com.
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